Ataques de extremistas brancos crescem por suas conexões

Um terço dos extremistas envolvidos em atentados desde 2011 se inspirou em ataques semelhantes

ROTANEWS176 E POR ESTADÃO CONTÚDO 27/04/2019 10h20                                                                           Weiyi Cai e Simone Landon

Em um manifesto publicado na internet antes de cometer seu ataque, o homem acusado de matar 50 pessoas em março em um massacre cometido em duas mesquitas de ChristchurchNova Zelândia, disse ter se inspirado em ataques terroristas de extremistas da NoruegaEstados UnidosItáliaSuécia Grã-Bretanha.

SAIBA MAIS

Terroristas matam 14 passageiros de ônibus no Paquistão

EUA põe Guarda Revolucionária do Irã em lista de terrorismo

Juiz confirma terrorismo em sequestro de ônibus na Itália

Chavismo acusa aliado de Guaidó de ‘terrorismo’

Suspeito de ataque na Holanda será indiciado por terrorismo

Reprodução/Foto-RN176 Manifestantes protestam contra ataques ataques terroristas em frente a Mesquita Christchurch, na Nova Zelândia Foto: Murad Sezer / Reuters

Suas referências para o ataque o colocam em uma rede informal de extremistas brancos cujos ataques violentos estão se tornando cada vez mais frequentes no Ocidente. Uma análise dos ataques terroristas mais recentes realizada pelo New York Times identificou que pelo menos um terço dos extremistas brancos envolvidos em atentados desde 2011 se inspirou em outros que cometeram ataques semelhantes, demonstrando reverenciá-los ou interessar-se pelas táticas empregadas.

Os elos entre os assassinos ultrapassam os continentes e sublinham o quanto a internet e as redes sociais facilitaram a difusão da ideologia extremista branca e sua violência. Em um exemplo, um atirador em uma escola no Novo México se correspondeu com um atirador que atacou um shopping em Munique. Juntos, eles mataram 11 pessoas.

Um dos objetos de fascínio do atirador de Christchurch e de pelo menos quatro outros extremistas brancos é Anders Behring Breivik, extremista de direita que matou 77 pessoas em um atentado a bomba e tiroteio na Noruega em 2011. O longo manifesto de Breivik oferecia uma lista de queixas envolvendo a imigração e o Islã — e os ataques se tornaram um modelo para futuros atentados. “Acho que Breivik foi um ponto de virada, pois ele provou que um indivíduo sozinho pode causar um imenso estrago”, disse J.M. Berger, autor do livro Extremism e pesquisador da VOX-Pol, iniciativa acadêmica europeia que estuda o extremismo online.

“Agindo sozinho, ele matou tantas pessoas de uma só vez que redefiniu nossa ideia do dano que pode ser causado por um indivíduo”, disse ele. Pouco depois do massacre na Noruega, um conhecido supremacista branco americano chamado Frazier Glenn Miller escreveu em um fórum de supremacistas brancos que Breivik tinha “inspirado os jovens arianos a agir”. Miller abriu fogo contra um asilo judaico e centro comunitário no Kansas alguns anos mais tarde, matando três pessoas.

Breivik não foi o único assassino em massa a inspirar imitadores. O suspeito de Christchurch também homenageou um canadense que abriu fogo dentro de uma mesquita de Quebec em 2017, escrevendo o nome dele em uma das armas usadas no ataque. Esse atirador canadense leu muito a respeito de Dylann Roof, o americano que matou nove fiéis em uma igreja da Carolina do Sul frequentada por negros em 2015.

Antes de realizarem seus ataques, pelo menos quatro assassinos brancos extremistas fizeram comentários na internet elogiando Elliot Rodger, um racista e misógino que atacou mulheres em 2014 durante uma matança na Califórnia. Todos esses ataques ocorreram em meio a um surto de terrorismo branco e xenofóbico no Ocidente que teve como alvo frequente os muçulmanos, imigrantes e outras minorias, como revelado pela análise do Times.

A análise teve como base dados do Global Terrorism Database e identificou quase 350 ataques terroristas cometidos por extremistas brancos na EuropaAmérica do Norte e Austrália entre 2011 e 2017, último ano para o qual há dados disponíveis. O Times também examinou dados preliminares a respeito de ataques nos EUA em 2018.

O banco de dados é um projeto do Consórcio Nacional para o Estudo do Terrorismo e Respostas ao Terrorismo, da Universidade de Maryland. Baseia-se em reportagens e outros registros que capturam episódios que se enquadram na sua definição de terrorismo: o uso da violência por um indivíduo ou entidade não governamental com objetivos políticos ou sociais.

No decorrer desse período, o extremismo branco — termo abrangente que engloba o nacionalismo branco, a supremacia branca, o neonazismo, a xenofobia e as ideologias antimuçulmanas e antissemitas — respondeu por aproximadamente 8% de todos os ataques cometidos nessas regiões, e por um terço dos ataques cometidos nos EUAErin Miller, que administra o banco de dados, disse que o aumento no terrorismo de extremistas brancos acompanha uma alta nos episódios de preconceito e crimes de ódio no Ocidente, e os ataques mortíferos estão se tornando cada vez mais frequentes.

“Há uma tendência em descrever o terrorismo de extrema-direita e o terrorismo doméstico como formas menos sérias de terrorismo”, disse ela. “É uma questão interessante, levando em consideração o quanto os ataques de extrema-direita podem ser devastadores.” A região da Oceania teve cinco ataques de extremistas brancos na Austrália entre 2011 e 2017, todos voltados contra mesquitas e centros islâmicos. Nesse período, não houve ataques do tipo na Nova Zelândia.

Então o massacre de fiéis em duas mesquitas de Christchurch no dia 15 de março — o tiroteio mais mortífero da história moderna da Nova Zelândia — ajudou a destacar a natureza global do extremismo branco. O atirador é um australiano que disse ter se radicalizado durante viagens à Europa e ter planejado os ataques para atrair um público americano.

Especialistas dizem que as motivações gerais são as mesmas, independentemente do alvo ser uma mesquita em Perth, um abrigo para solicitantes de asilo na Alemanha ou uma sinagoga na Pensilvânia. Os assassinos sentem que sua posição privilegiada no Ocidente está sob ataque por parte dos imigrantes, muçulmanos e outras minorias religiosas e raciais.

A diferença é que agora o elo entre os extremistas tornou-se mais fácil do que nunca, seja domesticamente ou em diferentes continentes, de acordo com Berger. O ponto inicial da radicalização se tornou mais amplo do que nas ondas anteriores de ação supremacista branca, quando costumava ser necessária uma reunião cara a cara para conhecer potenciais parceiros ideológicos.

“A onda atual é particularmente forte”, disse Berger, “e acho que é abastecida por muitos acontecimentos políticos, e também pelo tipo de tecido criado pela conexão via internet, que não existia antes, e facilita muito o contato entre diferentes grupos, que podem não agir de maneira coordenada, mas sincronizam suas ações superando grandes distâncias geográficas”.

Para Heidi Beirich, diretora do Intelligence Project da organização Southern Poverty Law Center, que combate a injustiça racial e social nos EUA, essas conexões internacionais significam que é importante reconsiderar a natureza da ameaça. “Pensamos que se trata de um problema doméstico”, disse ela. “Mas não é bem assim.” O desafio enfrentado pelo policiamento será evitar o foco míope no extremismo islâmico como única força motivadora do terrorismo internacional.

Também pode ser necessário repensar a estrutura jurídica que define o terrorismo: não mais uma ação violenta originada de uma estrutura de comando hierárquica, e sim uma definição mais branda que englobe ações violentas cometidas por quem partilha de uma mesma ideologia.

“Eles não se enxergam como americanos ou canadenses, assim como o atirador de Christchurch não se via como australiano, e sim como membros de uma coletividade branca maior”, disse Beirich. “Essas pessoas sempre pensaram de maneira global”, disse ela. “Talvez tenham agido de acordo com motivações que pareciam domésticas, mas o raciocínio sempre foi a construção de um movimento branco internacional.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL