Sem ter energia elétrica, jovem quilombola passa em Medicina e ganha notebook após ‘vaquinha’

ROTANEWS176 E POR TERRA 03/07/2023 05h00                                                                                                      Por Marcela Ferreira

Matheus Silva usa rede social para dar dicas a estudantes que estão prestando vestibular e sonha em se tornar neurologista.

 

Reprodução/Foto-RN176 Matheus está no terceiro período de Medicina Foto: Arquivo pessoal/Matheus Moreira Silva

O jovem Matheus de Araújo Moreira Silva, de 28 anos, é estudante de Medicina na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Após uma longa jornada até passar no vestibular, hoje ele se dedica a ajudar futuros universitários que desejam passar no vestibular e obter uma boa nota no Enem. Matheus saiu de uma comunidade quilombola em Antônio Cardoso, na Bahia, e se mudou de cidade para ir atrás de seu sonho: tornar-se médico.

Foi necessário fazer o Enem oito vezes até que Matheus finalmente conseguisse passar na faculdade. Inicialmente, ele começou o curso de Medicina na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), mas precisou pedir transferência para a UEFS, onde estuda atualmente e está no terceiro período do curso. A decisão se deu pela logística e para conseguir se manter mais próximo da família.

A jornada do jovem começou ainda no Ensino Médio, que concluiu em 2013. Em 2015, ele foi aprovado no curso de enfermagem na UEFS. Mas como seu foco era a Medicina, ele trancou o curso depois de dois anos. Foi então, a partir de 2018, que ele decidiu focar no vestibular.

Para estudar, Matheus usava a biblioteca da cidade, mas durante a pandemia de covid-19, ele ficou estudando na casa de uma amiga, emprestada, mas que não tinha energia elétrica e nem internet. Mesmo assim, ele usava um celular e apostilas para estudar todos os dias.

Reprodução/Foto-RN176 Matheus Moreira, estudante de medicina na UEFS Foto: Arquivo pessoal/Matheus Moreira Silva

“É onde eu estudava de segunda a domingo, todos os dias, das nove horas da manhã até às seis da tarde, com um celular e umas apostilas emprestadas, de alguns colegas que já tinham passado [no vestibular], ou eu pedia na internet, ou ia conseguindo com um ou outro colega. Eu tinha um celular basiquinho, onde fazia algumas questões em PDF”, conta.

Após passar na Federal, Matheus enfrentou algumas dificuldades para se manter, e por isso preferiu fazer a transferência para a Estadual, onde estuda atualmente. Ao saberem da história do estudante, os colegas de turma o ajudaram a levantar fundos com uma “vaquinha” para ele conseguir comprar um notebook, que devido à repercussão, foi doado.

Mas nem sempre tudo foram flores. Matheus diz que no início, houve preconceito: “No início, um pouquinho. Mas aí depois você vai se dando bem com as pessoas, quebra essa barreira.”

Trabalho e estudos

Mais tarde, surgiu a ideia de criar um ebook para vender pela internet com dicas para a redação do Enem. “Lá no início, como a ideia era mudar de cidade, eu criei um ebook pra colocar para venda. Hoje em dia, como complemento de renda, eu também dou aulas particulares. As aulas são de redação, organização para os estudos, em geral são aulas para vestibular. Agora estou com um projeto de ir para as escolas públicas”, revela.

Reprodução/Foto-RN176 O jovem atualmente usa as redes sociais para estimular o estudo entre os jovens Foto: Arquivo pessoal/Matheus Moreira Silva

“Quero dar palestras e congressos em vários colégios para tentar estimular essa galera a conseguir também. Tudo focado em vestibular e Enem, que são as áreas que eu trabalho hoje em dia. A gente que está na internet tem sempre que trabalhar para fazer algo diferente”, diz.

Hoje, Matheus se divide entre dar aulas particulares e os próprios estudos, em período integral, na faculdade de Medicina. Ele revela que tem vontade de trabalhar em hospitais ou na área de neurologia, inspirado no irmão, que é psicólogo.

Persistência e organização

Para quem deseja trilhar o mesmo caminho de Matheus, ele dá a dica: “Primeiro passo é a disciplina e o foco. É saber onde você quer chegar, qual é seu objetivo e trabalhar para isso. Com a rotina organizada, para quem trabalha, o objetivo não é chegar em casa e estudar muito, mas estudar todos os dias um pouquinho.”

“É como uma maratona, você não pode correr demais, se não cansa, e não pode correr pouco, se não, não chega. Tem que ter uma rotina bem tranquila para poder chegar num nível bom. Então é preciso dividir os horários, estudar de três a quatro horas por dia, que é suficiente, e fazer muitas provas anteriores. Tem que acreditar que é possível, e se não trabalhar, nada acontece”, conclui.