ROTANEWS176 02/03/2017 08:00 POR SALVADOR NOGUEIRA
Um grupo internacional de pesquisadores encontrou na província de Quebec, no Canadá, as mais antigas evidências confirmadas de vida na Terra. São microfósseis que têm pelo menos 3,77 bilhões de anos — e podem ser ainda mais velhos que isso.
O achado, publicado na edição desta quinta-feira (2) da revista científica britânica “Nature”, coloca os cientistas mais perto da origem da vida no planeta e confirma que ela se estabeleceu nele com incrível rapidez, o que faz supor que seu surgimento não seja um fenômeno raro.
A idade de 3,77 bilhões de anos para os fósseis recém-encontrados é apenas um valor mínimo. Mas, de acordo com os pesquisadores liderados por Dominic Papineau, do University College de Londres, eles podem ser ainda mais antigos; uma técnica alternativa de estimativa de idade sugeriu que as rochas remontam a 4,28 bilhões de anos atrás.
Chega a ser chocante. A própria Terra se formou há 4,54 bilhões de anos. Caso a estimativa mais antiga de idade dos fósseis acabe se confirmando, o surgimento da vida em nosso planeta teria ocorrido num estalar de dedos do tempo geológico. E, mesmo que a idade real do novo achado esteja mais próxima da mínima, 3,77 bilhões de anos, é um salto de cerca de 300 milhões de anos para trás com relação à evidência fóssil segura mais antiga conhecida até então
Um aspecto interessante da descoberta é que ela envolve justamente o ambiente que os cientistas já consideravam como o candidato mais promissor para a origem da vida em nosso planeta: um leito oceânico sob a presença de fontes hidrotermais.
Reprodução/Foto-RN176 Fumarolas negras no fundo do oceano Atlântico; ambiente é similar ao do registro fóssil encontrado. (Crédito: NOAA)
Os pesquisadores encontraram na rocha uma série de túbulos e filamentos que parecem consistentes com a ação de seres vivos, tanto em sua forma (a morfologia) como na composição mineral fossilizada.
“Com base nas linhas de evidências químicas e morfológicas, os tubos e filamentos são mais bem explicados como restos de bactérias filamentosas que metabolizam ferro, e portanto representam as formas de vida mais antigas reconhecidas na Terra”, escrevem os pesquisadores em seu artigo na “Nature”.
Os autores concluem dando uma dica aos astrobiólogos: “Dada essa nova evidência, sistemas submarinos antigos de fontes hidrotermais deveriam ser vistos como sítios potenciais para as origens da vida na Terra e, portanto, alvos primários na busca por vida extraterrestre.”
ET ONDE?
Atualmente, no Sistema Solar, sabemos que tanto a lua Europa, de Júpiter, quanto a lua Encélado, de Saturno, têm condições semelhantes a essas em seus oceanos, recobertos por uma densa camada de gelo. E, no passado, sabemos que nosso vizinho, Marte, teve condições semelhantes.
Aliás, o planeta vermelho tinha um ambiente essencialmente idêntico ao da Terra — amigável à vida — quando essas bactérias, hoje fossilizadas, estavam botando para quebrar por aqui. O mesmo que aconteceu aqui pode ter ocorrido lá?
A maior dificuldade com que os cientistas se defrontam, a essa altura, é explicar como pode não ter acontecido. Afinal, eram ambientes similares, com a mesma disponibilidade de compostos químicos e tempo similar para o desenvolvimento — isso sem falar na possibilidade de troca direta de material pré-biótico e biológico entre os dois planetas por meio de meteoritos.
“Nós esperamos encontrar evidência de vida passada em Marte há 4 bilhões de anos”, disse Matthew Dodd, estudante de doutorado de Papineau e primeiro autor do estudo, em nota divulgada pelo University College de Londres. “Ou, se não acharmos, a Terra pode ter sido uma exceção especial.”
Duro é encontrar razões para justificar a hipótese da excepcionalidade da Terra, um planeta em tudo mais bastante comum.
Ao mesmo tempo, o fato de esses fósseis só terem sido descobertos agora mostra como é difícil montar o quebra-cabeça do passado remoto da vida — isso na Terra, onde é simples sair por aí e vasculhar o planeta inteiro.
Imagine como será complicado fazer a mesma coisa em Marte e testar a hipótese de que o planeta vermelho tenha tido vida no passado. Embora aquele mundo tenha uma área total que equivale à de todos os continentes terrestres combinados, a plataforma de pesquisa mais móvel que já mandamos para lá, o jipe Opportunity, andou cerca de 44 km em 13 anos. É um salto gigantesco para um rover robótico, mas ainda um pequeno passo para procurar rochas com potencial para abrigar fósseis de vida marciana antiga.
De toda forma, está claro que vai valer a pena dar uma procurada. Achando ou não alguma coisa lá fora, o certo é que aprenderemos mais sobre as circunstâncias de nossa própria existência.