Com os olhos do coração

ROTANEWS176 13/10/2023 09:30                                                                                                                        RELATO DIRETO DA REDAÇÃO DO JBS

A carioca Cristina, com suas lentes coloridas da vida, vence os traumas da deficiência.

 

Reprodução/Foto-RN176 Maria Cristina Serravalle Gomes,  Na BSGI, atua como conselheira da Comunidade Flamengo, RM Botafogo, CGERJ – Foto: Arquivo pessoal

A maturidade é suprema. Digo isso do alto dos meus 67 anos, os quais brindo todos os dias com muita música, carinho e enorme vontade de viver. Meu nome é Cristina, mas alguns me chamam de Tina, e moro no Flamengo, bairro do Rio de Janeiro. Às vezes, perguntam-me como cheguei a essa condição de enxergar o mundo com lentes coloridas. Logo eu, que nasci de cesariana, saindo da maternidade com 900 gramas, frágil demais e com a formação dos olhos incompleta. Tinha dificuldade para engolir (disfagia) e outras sequelas.

Seriam esses meus desafios existenciais, mas contei com a batalha empreendida pela minha mãe, Maria Amélia, para me salvar. Ser alguém que não cedesse aos traumas da deficiência. Demorei muito para andar… e nem sei quando comecei a falar; mas, de lá para cá, não parei mais. Tudo muito intenso.

Reprodução/Foto-RN176 Tocando piano em um momento com o irmão, Edgarde Foto: Arquivo pessoal

Ao completar 60 anos, em 2016, recebi de minha mãe uma cartinha que me fez olhar para trás e comprovar quanto venci. Deixo para vocês uns trechos ao final do relato.

Bem, não vamos pular as surpresas, embora eu as adore, a todo momento. Eu me considero uma pessoa irreverente, feliz com o que a vida me proporciona. Aprendi tudo isso no budismo. Minha mãe foi a primeira a encontrar a Soka Gakkai no período em que eu estava com 26 anos e cursava letras. Isso aconteceu em 1982, e só depois de dois anos decidi me converter ao budismo, em uma data para ficar na história: 24 de agosto, a mesma data de conversão do presidente Ikeda.

Se a vida lhe dá limões…

Na adolescência frequentei o ensino fundamental 1 e 2 e médio, em meio ao natural bullying (embora esse nome nem existisse) daqueles que buscavam encontrar o formato ideal dos meus olhos. Não foi possível, porque, mesmo com tamanha luta de minha mãe, seguiu-se uma tentativa de cirurgia de glaucoma, hemorragia decorrente e então fiquei cega.

No meio desse caminho, a música surgiu em minha vida. No passado, conseguia ler partitura, tocava piano, pois enxergava um pouco. Agora, o violão se tornou meu fiel companheiro. E, aos poucos, a voz tímida foi ganhando força, à base de muito incentivo. A prática do daimoku (recitação do Nam-myoho-renge-kyo) passou a ser meu canto da vitória. Sempre me senti acolhida na organização, assim como sou. Fui confiada como responsável pela Divisão Feminina (DF) de bloco e depois de comunidade. Abri minha casa para os encontros, os quais eram tão estimulantes; e ainda são, cada dia mais. Atualmente, sou conselheira de comunidade, sempre a postos. Gosto de compor músicas e criei marchinhas para alegrar a todos.

Sem lerdeza

Nunca vi a deficiência como barreira. Por isso, após cursar letras, eu me formei também em direito. Hoje, ainda trabalho, e na área de administração de imóveis. Gosto de estar sempre sintonizada com as coisas boas da vida. Por meio de um aplicativo, consigo ler no meu computador os incentivos do Mestre, que chegam pelos periódicos da Editora Brasil Seikyo (EBS). Ikeda sensei é um ser iluminado. Em suas orientações, ele nos conduz a melhor compreensão sobre a abrangência do Nam-myoho-renge-kyo em termos do universo e da nossa própria vida. Há um texto que adoro, no qual ele fala da correspondência de cada parte do nosso corpo com as partes do universo:

Reprodução/Foto-RN176 Com a amiga Rosângela – Foto: Arquivo pessoal

Nossa cabeça é redonda assim como a abóboda celeste. Nossos olhos são como o dia e a noite. (…) Nossa respiração é como o vento silencioso que passa em nossas narinas, como o tranquilo ar dos vales. Há cerca de 360 junções no corpo humano, quase tantas quanto os dias do ano. (…) Nossos ossos são como as pedras, e nossa pele e músculos são como a terra. Nosso couro cabeludo é como uma floresta.1

Tudo isso elucida que nosso corpo é realmente um “universo em miniatura”.2 Gente, isso é fabuloso demais!

Budismo da esperança

Assim, com o coração alegre, falo com muita naturalidade sobre o Budismo Nichiren para as pessoas. Uma delas é uma grande amiga, Rosângela Dantas, a quem apresentei o budismo há vinte anos. Sou imensamente grata a tudo. Em 2019, minha mãe se foi. Fizemos uma linda cerimônia, e depois cantei algumas músicas favoritas dela. E foi no budismo que aprendi a leveza desse momento, pois os laços de vida não são cortados com a morte, o que faz um carinho danado no coração.
No ano que vem completo quarenta anos de Soka Gakkai. Sigo confiante, visualizando 2030. Quero chegar lá radiante e feliz. Minha mãe morreu aos 93 anos. Herdei dela uma pele invejável e ainda possuo o elixir poderoso de uma vida saudável e feliz: o daimoku. Para mim, não há cirurgia plástica melhor. Tenho minhas inquietações, é normal; mas também tenho meu ponto primordial. A vida é de fato suprema. Quero renascer fukushi!3 Muito obrigada!

Reprodução/Foto-RN176 Cristina, a partir da esq., e com companheiros da comunidade Foto: Arquivo pessoal

A menina dos olhos azuis

De sua mãe, Maria Amélia, e seu pai, Edgard, de onde estiver!

Trechos da carta enviada pela mãe em homenagem pelo aniversário de 60 anos de Cristina.

“…Não aceitava peito, ou melhor, não tinha forças nem para mamar… Eu retirava então o leite, colocava numa xícara e dava na colherinha, mas como também havia uma dificuldade na deglutição, a menina muitas vezes rejeitava o alimento.”

“O novo médico foi taxativo: ‘A menina não vai andar, nem falar nem enxergar’. Não aceitei esse diagnóstico e decidi, por intuição, tomar outras atitudes.”

“Enxergava pouco, mas o suficiente para andar de bicicleta, patins e patinete!”

“Foi quando, aos 15 anos, veio um diagnóstico de glaucoma…”

Maria Cristina Serravalle Gomes, 67 anos. Administradora de imóveis. Na BSGI, atua como conselheira da Comunidade Flamengo, RM Botafogo, CGERJ.

Assista

Vídeo do relato de Cristina

Fotos: Arquivo pessoal

Notas:

  1. Brasil Seikyo, ed. 2.228, 24 maio 2014, p. A3.
  2. Ibidem.
  3. Fukushi: Quem nasce em uma família de praticantes do budismo.

FONTE: JORNAL BRASIL SEIKYO