A estrela brasileira no céu azul, a história da VARIG – Parte 2

ROTANEWS176 28/01/2024 13:50                                                                                                                              Por Wellington Tohoru Nagano

Na segunda parte da série, a VARIG se expande pelo mundo e assume suas concorrentes Real, Panair e Cruzeiro do Sul.

 

Reprodução/Foto-RN176 Boeing 707 da VARIG (Frank C. Duarte Jr)

Na primeira parte da história da VARIG, escrevemos sobre suas origens, a expansão no interior gaúcho, a ascensão de Ruben Berta e a expansão doméstica, até chegar na cobiçada concessão das rotas para Nova York. Agora iremos viajar no período áureo da empresa, do lançamento dos voos para Nova York até a eleição de Hélio Smidt para presidência.

Com a autorização para voar aos Estados Unidos no início dos anos 50, a VARIG precisava de aeronaves para efetuar o serviço. O Lockheed L-1049 Super Constellation foi escolhido como o equipamento para a nova etapa da empresa. Novamente a VARIG correu no apoio de Getúlio Vargas, que solicitou ao Banco da Província do Rio de Grande do Sul fosse o avalista.

Questão de financiamento e escolha de aeronave resolvida, agora era realizar os preparativos para a operação. Nova York era uma das rotas mais prestigiosas do mercado aéreo brasileiro e a VARIG teria a concorrência de nada mesmo que a Pan American World Airways, a poderosa empresa aérea dos EUA e sócia da Panair do Brasil.

No ínterim da operação para Nova York, em 23 de setembro de 1954 a VARIG recebeu dez Convair 240 comprados da Pan American para a renovação da frota doméstica, deixando os DC-3 e C-46 em serviços estaduais, com as rotas-tronco e para a Bacia do Prata sendo realizadas pelas novas aeronaves.

Reprodução/Foto-RN176 PP-VCK foi o primeiro Convair 240 recebido pela VARIG. A aeronave em questão foi destruída em um acidente aéreo em Brasília em 22 de setembro de 1958, durante voo de treinamento, felizmente sem vítimas fatais. Foto: Ed Coates via Bureau of Aircraft Accidents Archives

Para Berta, não bastava concorrer com aeronaves semelhantes ao da Pan American, era preciso algo mais, conquistar o passageiro de outra forma sem abrir mão de baixar o preço da passagem, uma vez que a empresa americana poderia fazer isso também e prejudicar mais a VARIG.

A solução foi conquistar o passageiro pelo estômago. Berta entrou em contato com o Barão Max (Maximilian) Von Stuckart, que conheceu quando este era diretor do hotel Copacabana Palace e naquele momento dirigia a boate Vogue, lugar da alta sociedade carioca. O presidente da VARIG falou direto: “Façamos algo que possamos no orgulhar”.

Consta a história que Von Stuckart, sendo filho de um comandante da Guarda Imperial Austro-Húngara e aviador na Primeira Guerra Mundial, trouxe elementos da culinária francesa e germânica para o cardápio da VARIG.

Pode-se dizer que a fase áurea da VARIG começou no dia 02 de agosto de 1955 quando o Super Constellation PP-VDA decolou de Porto Alegre rumo à Nova York, com escalas em São Paulo (Congonhas), Rio de Janeiro (Galeão), Belém, Port of Spain e Ciudad Trujillo (atual Santo Domingo). O voo era realizado duas vezes por semana, gradualmente incrementado para quatro voos em 1958.

Reprodução/Foto-RN176 O Super Constellation representou um divisor de águas na história da VARIG. O PP-VDE é proveniente da segunda compra da empresa, com tip-tanks nas pontas das asas. Nota-se que a inscrição Intercontinental não foi pintada. Divulgação.

O Super Constellation tinha 38 poltronas-leito (sleeperette) na primeira-classe e 15 na Turística. A bordo os passageiros usufruíam do cardápio elaborado por Max von Stuckart: caviar malossol com blinis, foie gras en brioche, crème de violaille à la reine Margot, cotê de veau com legumes, bortschok, omeletes aux fines hérbes, lagostas, entre outros pratos da culinária francesa e austro-húngara. Nas bebidas, vinhos Château Haut-Brion, Château Lafite Rothschild e Château d’Yquen, champanhes Dom Pérignon e Bollinger, além de whiskies escoceses. Um verdadeiro banquete nos ares. Como as galleys do Super Constellation eram pequenas, os comissários lavavam as louças e talheres em cada escala, uma carga de trabalho inimaginável nos dias de hoje.

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As comissárias também eram outra novidade no serviço de bordo da VARIG. Até então, Ruben Berta contratava apenas homens, alguns com passagens anteriores como garçom. Com os serviços para Nova York, muitos passageiros iriam dormir nas poltronas-leito e trocar de roupa. Para Berta não convinha os homens ajudarem as mulheres para dormir, daí o motivo de sua contratação. Entre as 20 escolhidas, uma se destacaria no futuro e seria uma das responsáveis pela excelência do corpo técnico: Alice Editha Klausz, que mais tarde viraria instrutora das comissárias.

A briga pela liderança doméstica

Se no mercado internacional a VARIG conseguiu entrar com pé-direito, no regional a disputa era com a Cruzeiro do Sul, que tinha duas empresas aéreas que brigavam com a VARIG pela liderança do mercado gaúcho e catarinense: a SAVAG e a TAC, respectivamente. Os anos de 1950 eram de intensa briga no mercado doméstico.

No plano doméstico, a VARIG brigava com uma empresa nova, ousada e que se tornara rapidamente uma das maiores do país: a REAL, sob o controle do Comandante Linneu Gomes. Berta falava que a empresa representava os interesses do “imperialismo paulista” e brigava com ela pela supremacia do mercado. Quando a nova pista do Aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, foi inaugurada, Gomes deslocou um Convair 340 para ser a primeira aeronave a pousar lá, desbancando um voo programado da VARIG com autoridades para inauguração. A permissão de pousar foi negada e a REAL teve que pousar em outro aeroporto, pois o Convair 240 da VARIG teve os pneus estourados durante o pouso.

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Outra disputa notória entre as duas empresas foi com o Super Constellation. A VARIG empregava o modelo G, enquanto a REAL usava o H. Não havia diferenças significativas, salvo que o modelo H tinha piso reforçado para operações cargueiras. Mesmo assim a REAL deixava evidente que seus “Super H” eram superiores aos da concorrência, uma vez que fazia alusão que a letra H era sucessória do G.

A VARIG deu o troco quando recebeu o segundo lote de Super Constellation, agora equipados com tip-tanks nas pontas das asas. A empresa pintou nos tanques a expressão Intercontinental com o I em destaque entre as palavras Super e Constellation. Desta forma, a VARIG operou o Super I Constellation, um modelo que nunca existiu.

Reprodução/Foto-RN176 Caravelle, o primeiro jato a voar numa companhia brasileira (Reprodução).

No fim a VARIG conseguiu superar a concorrência e largar na frente na liderança do mercado doméstico. Em setembro de 1959 marcou o pioneirismo de voar com o primeiro jato comercial do Brasil: o Sud Aviation SE-210 Caravelle I, matrícula PP-VJC. Configurados com apenas 48 assentos de primeira classe, o bimotor francês foi empregado na rota para Nova York, com escalas em Belém, Port of Spain e Nassau, tornando a rota mais longa do avião no mundo.

O emprego do Caravelle na rota para Nova York foi uma solução temporária enquanto a VARIG aguardava o recebimento dos Boeing 707-400, equipados com motores Rolls & Royce Conway. A empresa preferiu esperar a versão que podia fazer Rio de Janeiro-Nova York sem escalas, um diferencial em relação a escala em Georgetown que os Boeing 707-120 que a Pan Am usava na rota.

Reprodução/Foto-RN176 Serviço de bordo é mostrado com orgulho na introdução do 707.

A compra da REAL

Na virada para a década de 1960, a VARIG era a empresa mais dinâmica da aviação comercial brasileira e Ruben Berta queria mais. Ambicionava expandir os voos para a Europa, território da Panair do Brasil, ao ponto de chegar a comprar ações dela na bolsa.

Berta propôs uma fusão das operações internacionais com a Panair e a REAL, criando uma única empresa, e uma outra empresa com foco no doméstico e que abrangeria as operações da Cruzeiro do Sul, Lóide Aéreo, REAL e VASP. Era uma alternativa a proposta da Aerobrás, que vinha surgindo desde o início da década de 1960 e encontrava em Berta um dos mais ferrenhos opositores.

A proposta de fusão não seguiu adiante e Berta preferiu concentrar-se na VARIG. A situação mudaria em 1961 quando a REAL estava em uma crise financeira avassaladora, com a empresa vendendo a contragosto metade das ações da Aerovias Brasil à VARIG em maio. Em agosto, o presidente Jânio Quadros, ligado à Linneu Gomes, telefonou para Berta e disse “ou você compra a REAL ou então crio a AeroBrás”. Assim, em 2 de agosto, a VARIG compra a sua outrora concorrente.

Reprodução/Foto-RN176 Comunicado da VARIG e da REAL. Observa-se que o desejo partiu do presidente da República.

Além dos DC-3 e C-46, a VARIG recebeu da REAL os Douglas DC-6B, Convair 340 e 440, Super H Constellation e as encomendas para três Convair 990A Coronado e quatro Lockheed L188 Electra II – não confundir com o modelo 10 operado na década de 1940. Em rotas internacionais, a VARIG expandiu sua atuação para Miami, Los Angeles, Assunção, Lima, Bogotá, Caracas e Cidade do México. Os voos para Tóquio foram cancelados logo após a assinatura da fusão.

A compra da REAL apresentava uma complexidade ímpar. Apesar de colocar a VARIG entre as principais empresas aéreas do mundo em termos de passageiros transportados, ela herdou uma empresa com frota defasada, inúmeras escalas deficitárias, poucos destinos internacionais relevantes e uma imagem desgastada.

E o mercado aéreo brasileiro passava por uma grave crise, reflexo da inflação e do endividamento do Plano de Metas do governo de Juscelino Kubistchek. Para tal, a VARIG vendeu os Caravelle, os Convair herdados da REAL e transformou os Super H em aeronaves cargueiras. Berta designou o então diretor da REAL, Omar Fontana, a ir para os Estados Unidos e cancelar a compra dos Electra II, na qual ele chamava de Dead Duck, devido aos recentes acidentes que a aeronave teve por problemas de vibração no motor. Omar Fontana voltou sem concretizar o cancelamento.

Reprodução/Foto-RN176 Inicialmente desdenhado por Berta, os Electras provaram seu valor para a VARIG, tornando praticamente um sinônimo da empresa. Foto: Christian Volpati via Wikimedia Commons.

A VARIG tentou cancelar o acordo para comprar o Coronado, até então o avião comercial mais rápido do mundo. Após meses de lítigio, com direito ao arresto do Boeing 707-400 PP-VJB no aeroporto de Nova York, a VARIG concordou em receber o trio de aeronaves após o demonstrador mostrar suas habilidades de operação no aeroporto de Congonhas, como exigia o contrato entre a Convair e a REAL.

A história conta que estas aeronaves rejeitadas por Berta provaram seu valor na VARIG logo após elas serem recebidas: Electra II em 2 de setembro de 1962 e o Coronado em 4 de abril de 1963.

Reprodução/Foto-RN176 Os três Coronados da VARIG estocados nas instalações da Convair enquanto aguardam o imbróglio entre as empresas. Foto: SDASM via Flickr.

Em 28 de novembro de 1962, na aproximação para Lima, o PP-VJB chocou-se com o Cerro La Cruz, vitimando todos os 97 ocupantes. O acidente com o Victor Julliet Bravo deixou a VARIG em maus lençóis, uma vez que ela só tinha dois Boeing 707-400 para operações internacionais: o PP-VJA e o agora perdido PP-VJB. Sem opções, a VARIG passou a empregar o Electra II  nas rotas para Nova York e Miami, e cancelou temporariamente a rota bisemanal para o Pacífico (Rio de Janeiro-Lima-Bogotá-Cidade do México-Los Angeles).

Reprodução/Foto-RN176 O DC-3 PP-VBP foi a primeira aeronave com a pintura da rosa-dos-ventos da VARIG, elaborada por Nelson Jungbluth. Na foto o PP-VBF em exposição no Rio de Janeiro. Foto: Christian Volpati via Wikimedia Commons.

De rejeitado, o Coronado salvou a malha internacional da VARIG até a empresa receber o PP-VJJ. E o “pato morto” Electra II provou sua robustez e confiabilidade, permanecendo quase trinta anos na empresa.

A polêmica absorção da Panair do Brasil

Em 31 de março de 1964, o governo de João Goulart (Jango) foi deposto pelos militares, iniciando o período da ditadura militar por 21 anos. Para a aviação, esta mudança na forma de regime seria um marco divisor em vários aspectos.

Não era segredo que Ruben Berta queria voar para a Europa, seja em aeronaves VARIG, concorrendo com a Panair do Brasil, seja fundindo com ela. O fato que a Panair tinha no mercado europeu uma importante fonte de receita, mais lucrativa que a rede internacional da VARIG, que só possuía Nova York como destino realmente rentável.

Naquela época, a Panair vinha de uma série de acidentes e perda de participação no mercado doméstico, sua força residindo na sua imagem, associada à elegância e de feitos notáveis, como trazer a equipe de futebol campeã nas duas Copas do Mundo (1958 e 1962). Apesar desta crise, a empresa tinha como acionista dois empresários poderosos: Celso da Rocha Miranda, dono da Seguradora Ajax, e Mário Wallace Simonsen, o empresário mais rico do Brasil e dono de empresas como a Excelsior, Wasin, Sirva-se e Banco Noroeste. Desde 1961, a dupla de empresário assumiu o controle da empresa, que gerou protestos por parte de Berta, afirmando que eles não eram do ramo.

Pesava contra os empresários o fato de terem apoiado Juscelino Kubistchek e com ligações com o ex-presidente Jango.

Ocorria então a confluência de interesses: os militares não tinham simpatia com os proprietários da Panair do Brasil; havia desorganização no setor aéreo, era preciso racionalizar os serviços; por último Ruben Berta queria os voos para Europa, não importasse como. Nas últimas semanas de 1964 e início de 1965, era notório que o governo iria intervir na empresa, uma vez que já tinha feito o mesmo com as outras empresas do Mário Simonsen. Em um círculo restrito, a alta cúpula e os pilotos mais experientes da VARIG sabiam que ela iria assumir a empresa.

Em 10 de fevereiro de 1965, o governo federal enviou um telegrama à diretoria da Panair do Brasil comunicando o cancelamento de suas operações e a transferência, a título precário, das operações internacionais para a VARIG. Naquela mesma noite, o PP-VJA realizou o primeiro voo regular da VARIG para Europa.

Reprodução/Foto-RN176 Comunicado da VARIG sobre as operações assumidas da Panair do Brasil. Nota-se o caráter “provisório” das operações e as aeronaves utilizadas para a Europa: 707-400C, Super Constellation e o Convair 990.

Para quem conhece a aviação, organizar em poucas horas um voo internacional para um destino que nunca operou, é impossível por mais que a empresa seja eficiente. Mas a VARIG sabia que ela iria assumir e se preparou para tal.

Assim, a VARIG e Ruben Berta escreviam uma das páginas mais obscuras da aviação comercial brasileira e a mais suja em suas histórias: a cassação arbitrária da Panair do Brasil que, apesar da crise de imagem que passava, possuía mais ativos que passivos e estava com as contas em dia, ao contrário que o Ministério da Aeronáutica afirmava. Os fatores e a organização do conluio nunca foram esclarecidos, assim como aqueles que estiveram envolvidos e o motivo de uma ação tão arbitrária. Passados quase 60 anos, estas indagações ainda estão abertas e a maioria dos personagens, se não todos, já faleceu.

A absorção da malha europeia da Panair do Brasil permitiu que a VARIG tivesse uma rede de voos que ia desde Santiago, no Chile, até Beirute no Líbano. Consolidava como a principal empresa aérea da América do Sul e dava musculatura para enfrentar empresas maiores e novas fronteiras de negócios.

Além das rotas europeias, a VARIG assumiu a operação de dois DC-8-33 da Panair (PP-PDS e PP-PEA), tornando a única operadora dos três quadrimotores das principais fabricantes americanas da época: Boeing, Convair e Douglas. Ao final de 1965, a VARIG recebeu em caráter de teste o Hawker Siddeley HS. 748, conhecido popularmente como Avro, fabricante de onde originou o projeto inicial da aeronave. A VARIG testaria o Avro, assim como o Beech 99, para avaliar o sucessor dos DC-3 nos voos do interior brasileiro. No fim, o Avro ganhou a concorrência em relação ao competidor americano.

Reprodução/Foto-RN176 PP-PDS, um dos dois DC-8 herdados da Panair do Brasil. Foto: Christian Volpati via Wikimedia Commons.

1966 – Ano de partidas

1966 foi marcado por duas perdas na VARIG: a primeira, em 13 de junho, do seu fundador, Otto Ernst Meyer, aos 69 anos. A segunda, em 14 de dezembro, de Ruben Berta, quando teve ataque do miocárdio em sua mesa de trabalho.

Berta já tinha sofrido um infarto em 1950, mas naquele ano a doença se agravou, ao ponto de seu médico falar que se não reduzisse seu ritmo de trabalho, iria falecer em três ou quatro anos. “O Velho”, como era conhecido na empresa, era turrão e workaholic, trabalhava todos os dias e sua vida girava em torno da VARIG e seus funcionários. Mas a advertência médica pode ter feito Berta abrir seus olhos.

Com a ajuda de Alice Klausz, elaborou o discurso de fim de ano, mas diferenciou-se pelo teor. O texto era longo e falava da sucessão em sua ausência, como um presságio. O discurso foi lido postumamente e continha a última decisão de Berta: que a direção da empresa fosse assumida por Erik de Carvalho, com a anuência dos dois vice-presidentes, Harry Schuetz e Oscar Siebel.

Erik de Carvalho começou sua carreira na Panair do Brasil e foi para a VARIG em 1955, para assumir a recém-criada diretoria internacional. Carvalho tinha uma postura oposta ao de Berta, era reservado, porém afável e respeitado por seus colegas. Além disso, os anos de convivência com Berta fizeram com que ele conhecesse mais a estrutura gerencial da empresa. E o fato que Berta deixou no último discurso que a escolha de Erik de Carvalho tinha apoio dos outros dois diretores demonstrava um ponto final em eventual disputa pelo cargo. Mesmo póstumo, quem ousaria ir contra a vontade do Velho?

Como homenagem póstuma, a Fundação dos Funcionários da VARIG seria rebatizada como Fundação Ruben Berta.

Os anos dourados

O falecimento de Berta ofuscou a chegada do primeiro Boeing 707-320C, PP-VJR, em 30 de dezembro. Além dele, foram encomendadas mais duas unidades para a expansão dos voos internacionais: PP-VJS e PP-VJT. Foram os únicos 707-320C que tiveram o código -41 da VARIG junto à Boeing.

Reprodução/Foto-RN176 Os 707-300C foram a espinha dorsal da VARIG na expansão internacional. O PP-VJX da foto tem a curiosa distinção de ter sido sequestrado três vezes, todas com destino para Cuba. Ficou conhecido na empresa como “Expresso Cubano”. Foto: Eduard Marmet via Wikimedia Commons.

Os novos 707 tinha motores mais potentes e permitiram que a empresa lançasse seus primeiros voos sem escalas entre Rio de Janeiro, Madrid, Paris Orly e Roma. A empresa tinha planos de chegar a Tóquio via Estados Unidos e no longo prazo, fazer a volta ao mundo, fechando a lacuna entre Beirute e a capital japonesa. Infelizmente a Guerra de Seis Dias e suas consequências fizeram a VARIG cancelar Beirute.

Reprodução/Foto-RN176 Um dos anúncios que refletem mais o quão requintado era o serviço de bordo da VARIG. Na propaganda, palavras como luxo, requinte, tradição e gourmet fazem parte do esforço em capturar o passageiro, ou melhor um Passageiro Muito Importante (VIP), e cada voo era um “acontecimento de gala”.

O esforço estava concentrado na rota para o Japão. Os motivos eram a presença no Brasil da maior comunidade japonesa fora do Japão e a pujança econômica que o país estava passando, com incremento dos negócios com o Brasil.

A operação da REAL para Tóquio tinha sido um desastre financeiro e de demanda, a ponto de a VARIG pedir emprestado US$ 5 milhões ao Chase Manhattan Bank para cobrir os prejuízos da linha. Segundo consta, o Chase Manhattan estava preocupado se a VARIG conseguiria pagar a dívida sem as rotas europeias.

Desta vez a VARIG iria preparar-se para voar à capital nipônica. O primeiro passo foi fazer um voo de teste aproveitando a viagem do presidente eleito do país, Arthur da Costa e Silva, para o Oriente. A aeronave utilizada foi o PP-VJS, que saiu do Rio de Janeiro no dia 8 de janeiro de 1967 rumo à Los Angeles, depois Honolulu e Ilhas Wake, até chegar no aeroporto de Kai Tak, em Hong Kong, onde se encontrava Costa e Silva, no dia 11. O retorno ocorreu no dia 13, com o Victor Julliet Sierra decolando para Tóquio, onde ficou mais seis dias e retornou ao Brasil no dia 19, com escalas em Honolulu e Los Angeles, onde o presidente eleito desceu e foi para Washington e Nova York a bordo de um avião da USAF.

Em 25 de junho de 1968 ocorreu mais um importante momento da história da empresa: o início dos voos regulares para o Japão. Operado duas vezes por semana, o voo saía do Rio de Janeiro rumo à Tóquio, com escalas em Lima, Cidade do México, Los Angeles e Honolulu. Coube ao mesmo PP-VJS ser o estreante da rota, que gozava de monopólio por parte da VARIG, uma vez que a Japan Air Lines operava de forma irregular no país.

Reprodução/Foto-RN176 A operação da VARIG para o Japão foi um marco nas relações comerciais entre os dois países e colocou a empresa em destaque pela epopéia do voo.

Este pioneirismo e a audácia da empresa gaúcha seria recompensado pela lealdade do cliente japonês, considerado um dos mais exigentes do mundo, que abria mão de voar JAL devido a qualidade do serviço de bordo da VARIG. No lado brasileiro, a propaganda maciça dos serviços ficou marcada pelo comercial que fazia referência a Urashima Taro, personagem do folclore japonês.

Em linhas gerais, Urashima resgata uma tartaruga que, na verdade era uma princesa, e como recompensa, leva ele para seu paradisíaco reino subaquático. Ao tomar conhecimento de retornar para sua terra natal, Urashima viu que passaram séculos e seus entes queridos já tinham partido. Na história da VARIG o final é mais feliz, Urashima é levado ao Brasil e quando sentiu saudades, ganhou uma passagem da VARIG para Tóquio. O comercial encerra com a vinheta que marcaria a VARIG no ideário popular: VARIG, VARIG, VARIG.

O ano de 1968 representaria outro marco para a história da VARIG: o faturamento atingiu pela primeira vez a casa de US$ 1 bilhão em moeda da época.

No mercado doméstico, a frota estava sendo padronizada com os Electra para as rotas principais e o Avro nos serviços regionais, e com as aeronaves à pistão sendo aposentadas. Em 1970 começa o reequipamento da frota doméstica, com a chegada dos primeiros Boeing 727-100. No mesmo ano, a VARIG trouxe a equipe tricampeã de futebol da Copa do México, a bordo do 707-400 PP-VJA.

Reprodução/Foto-RN176 O Boeing 727-100 foi o primeiro jato da VARIG designado para os voos domésticos, mas chegou a fazer voos para a sulamericano, para Miami e até mesmo para Cabo Verde, na África. Foto: RuthAS.

Eram anos de repressão política e do “Milagre Econômico”, com a economia crescendo a uma média de 10% ao ano. Neste embalo, a VARIG trouxe mais Boeing 707-320C, 727-100, Electra e incrementava os voos internacionais, com inauguração de voos para Joanesburgo e Luanda em 1970, além das cidades de Porto e Copenhagen.  Vislumbrava a operação de aeronaves de dois corredores, os conhecidos widebodies, com o Boeing 747 e Douglas DC-10-30 concorrendo, com o Lockheed L1011 Tristar correndo por fora. O Concorde foi polidamente recusado por Erik de Carvalho, quer afirmava que a tecnologia inovadora do supersônico não permitia dizer se seria benéfica ou não para a companhia.

Nesses anos de euforia uma tragédia comoveu não só a VARIG, mas o Brasil. Em 11 de julho de 1973, o Boeing 707-320C PP-VJZ caiu em uma plantação próximo do Aeroporto de Orly, em Paris, penúltima etapa do voo RG 820, Rio de Janeiro-Paris-Londres. Uma ponta de cigarro no banheiro causou combustão no material plástico do ambiente, transformando a aeronave em uma mortal câmara de gás voadora. Os pilotos Gilberto Araújo da Silva e Antônio Fuzimoto lutaram bravamente para levar a aeronave até o aeroporto, mas não conseguiram. No total, 116 passageiros e 7 tripulantes faleceram no pior acidente aéreo da história da VARIG. Entre as vítimas, importantes personalidades do país: atriz Regina Lecléry, presidente do Senado Federal Filinto Müller, cantor Agostinho dos Santos, o iatista Joerg Bruder e o narrador de Fórmula 1 Júlio Delamare.

O avião de primeira grandeza

Em 22 de junho de 1974, pousaram no Aeroporto do Galeão os primeiros DC-10-30 encomendados pela empresa, PP-VMA e PP-VMB, prevalecendo o bom senso na disputa de widebodies. O Boeing 747, apesar de todo apelo comercial, era aeronave grande para as operações da VARIG. A capacidade do 747, de 350 assentos, era quase o dobro dos 707-300 que a empresa operava: 190 lugares, sendo 28 na primeira classe. Os DC-10-30 ofereciam o conforto do Jumbo, com custo operacional por assento competitivo e levariam 252 passageiros, 30% a mais que os quadrimotores a quem iria substituir. A estreia da dupla ocorreu no dia primeiro de julho: o PP-VMA saiu do Rio de Janeiro para Nova York e o PP-VMB para Lisboa-Paris Orly-Frankfurt.

Reprodução/Foto-RN176 Somente quando a VARIG recebeu os primeiros DC-10-30, que o governo autorizou as empresas estrangeiras a operarem com widebody no país. Foto: Alain Durand via Wikimedia Commons.

Em outubro seria a vez dos Boeing 737-200 chegarem na empresa, complementando os serviços do 727-100 e retirando os Electra dos voos domésticos, que ficaram dedicados à Ponte Aérea Rio-São Paulo.

Eram anos agitados na aviação brasileira, com o número de empresas aéreas reduzidas a quatro, devido à consolidação do mercado na década anterior. Para agravar, no final de 1973 os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP, decidiram aumentar os prelos do petróleo como retaliação a Guerra de Yom Kippur realizada por Israel contra países árabes.

O efeito imediato foi que o preço do querosene de aviação subiu dramaticamente, afetando companhias aéreas de todo mundo. Para aquelas que tinham o Boeing 747, como a Pan American, viram seus reluzentes Jumbos voarem vazios. E aquelas empresas que tinham aeronaves a jato da primeira geração foram afetadas pelo custo de querosene que elas consumiam.

A escolha do DC-10 mostrou certeira para a VARIG, com menor prejuízo em relação aos operadores do 747. Já a Cruzeiro do Sul, com uma frota de cinco Caravelle, enfrentava o crescente custo do combustível em seu balanço financeiro. Era a mais frágil das quatro operadoras.

O Ministério da Aeronáutica comunicou que só ajudaria o setor se houve outra consolidação, para três companhias e, se possível, em duas. A dança de cadeiras começou: quem compraria quem? VASP-Transbrasil, Transbrasil-Cruzeiro ou VASP-Cruzeiro? Esta última opção era a melhor entre as três, pois a VASP vinha de um período de crescimento vigoroso e tinha o apoio financeiro do governo paulista. A VARIG estava de certo modo distante das negociações.

Entretanto, tanto por lobby político quanto a inflexibilidade da VASP em aceitar certas condições levaram o Ministério da Aeronáutica, a Cruzeiro e a VARIG a se reunirem de última hora em Brasília. No dia 20 de maio de 1975, a Fundação Ruben Berta comprou 64% da Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul por CR$ 80 milhões.

Reprodução/Foto-RN176 Propaganda sobre a união das duas empresas. Nas duas décadas seguintes coordenariam os voos para não sobreporem.

A fusão transformava a VARIG na senhora absoluta dos voos internacionais, ampliava ainda mais sua presença no mercado doméstico e absorveria uma empresa que tinha a mesma origem e filosofia operacional que a sua. A integração ocorreu de forma tranquila, com listas de senioridades unificadas, eliminação de duplicidades e racionalização da frota: sairiam entre 1975 e 1976 o Douglas DC 8-33 PP-PEA e os Avro 748 da VARIG, e os Caravelle e NAMC YS-11 da Cruzeiro do Sul. Em comum ambas operavam o 727-100 e 737-200, facilitando a integração da frota.

Outra preocupação do governo federal eram os voos regionais. Das mais de 350 cidades atendidas na década de 1950, apenas 80 ainda tinha serviços regulares no início dos anos de 1970 e a perspectiva era reduzir mais.

Diante desta perspectiva, em 1975 o governo lançou o Sistema de Integração de Transporte Aéreo Regional – SITAR, que dividia o país em cinco zonas de operação e subvencionaria a operadora designada para cada zona. O programa também incentivava a compra de EMB-110 Bandeirante da Embraer. No fim um dos programas aéreos mais ousados que teve no país, apesar do sucesso relativo.

A VARIG viu a oportunidade de repassar para uma empresa os voos de terceiro nível, como são conhecidos os voos regionais. Com apoio da seguradora Atlântica-Boa Vista Seguros e da Top Táxi Aéreo, fundou em 24 de agosto de 1976 a Rio-Sul, que ficaria designada a operar no Sul do país e alguns serviços em São Paulo e Rio de Janeiro. A rota inaugural do filhote da VARIG foi a mesma que a empresa-mãe realizou 49 anos antes: Porto Alegre-Rio Grande-Pelotas.

Reprodução/Foto-RN176 Um dos EMB-110 Bandeirante da Rio-Sul em serviço de feeder-line com os voos da VARIG. Nota-se o selo de 50 anos da VARIG no 737-200 (Divulgação)

Os anos de 1970 foram de crescimento e consolidação da VARIG. No Jubileu de ouro, em 1977, números superlativos mostravam a força da VARIG: era a maior empresa privada do Brasil, estava entre as 30 maiores do mundo, a maior empresa aérea privada fora dos Estados Unidos, e quando comparado o índice de rentabilidade entre as majors americanas, a VARIG ficava em segundo lugar. Sua malha internacional abrangia América, Europa, África e Japão, com Lagos sendo o novo destino internacional da empresa naquele ano. Tinham negócios correlatos em serviços de handling, a SATA, e de hotelaria, Rede Tropical, com hotéis icônicos em lugares de apelo turístico, como Manaus, Foz do Iguaçu e João Pessoa.

Em 1979, muitos acontecimentos marcaram a VARIG, nem sempre agradáveis. No dia 30 de janeiro, o Boeing 707-320C PP-VLU, operando voo de carga entre Tóquio (Narita) e Rio de Janeiro desapareceu logo após decolar da capital japonesa. A bordo, além de pintura do artista nipo-brasileiro Manabu Mabe, estava no comando do voo Gilberto Araújo da Silva, o mesmo que sobreviveu ao voo RG820.

Reprodução/Foto-RN176 O Boeing 707 PP-VLU do comandante Gilberto Araújo da Silva: maior mistério envolvendo esse tipo de aeronave. Foto: Wikimedia Commons.

As circunstâncias do desaparecimento e a ausência dos destroços são um dos maiores mistérios da aviação comercial mundial. E na falta de notícias sobre o avião, aumentava mais a apreensão de Erik de Carvalho, a ponto de seu filho Armando Carvalho sugerir que eles passassem um fim de semana na casa de campo no interior do Rio de Janeiro para tirar o foco do seu pai com o acidente. Lá, Erik Carvalho manifestou um dos primeiros sinais do que seria um Acidente Vascular Cerebral – AVC. Ao retornar para a sede da VARIG, no dia 05 de fevereiro, o presidente passou a sentir mal e pediu para sua secretária chamar um médico, que constatou que sua veia carótida estava praticamente entupida.

Durante a cirurgia, um derrame devastador acometeu Erik de Carvalho, sem poder falar, andar e escrever. Interrompia de maneira brusca a sua presidência na VARIG, que foi assumida interinamente por Harry Schuetz, um dos vice-presidentes de confiança de Berta.

Naquele ano, a empresa encomendou os dois Airbus A300, com duas opções, para complementar a frota doméstica e operar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e seis DC-10-30 para substituir os 707.

Os 707 protagonizaram dois eventos significativos na VARIG em 1979: o primeiro, entre 29 de maio e 19 de junho, foi a utilização intensa deles no lugar dos DC-10-30, que foram mundialmente paralisados pela Federal Aviation Agency (FAA) dos Estados Unidos, devido a problemas na aeronave. O segundo evento foi em 24 de setembro, quando o PP-VJA realizou o último voo do modelo na empresa, no RG409 Brasília-Rio de Janeiro.

Reprodução/Foto-RN176 O PP-VJA encerrou suas operações na VARIG em 1979. Aqui é visto em Nova York, em 1965, já com a pintura com a rosa-dos-ventos. Foto: Jon Proctor via Wikimedia Commons.

A década de 1970 foi terminando e a empresa era conhecida mundialmente pela eficiência operacional, manutenção rigorosa, funcionários altamente qualificados e pelo esmerado serviço de bordo, sendo considerado um dos melhores do mundo, ao ponto da empresa receber o cobiçado prêmio Airline of the Year 1979 pela conceituada revista Air Transport World. Nenhuma outra empresa aérea latino-americana recebeu tal distinção.

Na terceira parte da história da VARIG, iremos abordar a infame década de 1980 e as tentativas de corrigir a rota.

FONTE: AIRWAY