ROTANEWS176 E BOL 09/07/2016 22h42 Henrique Contreiras Agência de Notícias da Aids
Pedro Mera/Xinhua
Reprodução/Foto-RN176 Transexual lidera ato em homenagem às vítimas da Aids na véspera do dia mundial de luta contra a doença na Cidade do México, em novembro de 2015
Pela primeira vez, pessoas transgênero de todo o mundo fizeram uma reunião específica para discutir a epidemia de HIV no grupo. A Pré-Conferência Trans aconteceu no domingo (17), em Durban, na África do Sul, como uma preparação para a 21ª Conferência Internacional de Aids, que começou na segunda (18). No encontro, foi lançado um guia de saúde que estabelece boas práticas para implementar serviços de saúde sexual para mulheres trans.
No encontro, líderes trans de todo o mundo e pessoas que trabalham com saúde e direitos trans discutiram por que o grupo é tão afetado e quais as respostas necessárias. Segundo o Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids), o grupo de mulheres trans é o mais afetado pela epidemia, tendo 49 vezes mais chance de ter HIV do que o da população geral.
Heather Doyle, do Fundo Global das Nações Unidas, disse: “É chocante o fato de que somente agora uma população tão afetada tenha feito sua pré-conferência. Até recentemente sequer separávamos as trans nas nossas estatísticas, contávamos junto com os gays, e essa maior vulnerabilidade não era notada”.
O brasileiro Luiz Loures, vice-chefe do Unaids, frisou a importância dos ativistas nesse momento: “Estamos em uma época contraditória. Apesar de muitos avanços na expansão do tratamento, a epidemia está piorando nos grupos mais vulneráveis. Necessitamos da sua militância para mudar esse cenário”.
Deborah Birx, embaixadora do Programa da Presidência de Emergência para Alívio da Aids (PEPFAR), dos Estados Unidos, esteve na mesa final porque no mês passado o programa liberou 100 milhões de dólares para as populações-chave. “Precisamos da ajuda de vocês até para ter informação sobre o tamanho da comunidade. Não confiamos nos dados existentes”.
Novo guia de saúde sexual de mulheres trans
Segundo Joanne Keatley, da Rede Global de Mulheres Trans e HIV (IRGT), “explicam a vulnerabilidade ao HIV os fatores estruturais, como a ausência de direitos e exclusão social, e também a falta de serviços e profissionais de saúde preparados para as necessidades específicas do grupo”.
Keatley (na foto) é também pesquisadora do Centro de Excelência de Saúde Transgênero, da Universidade da Califórnia, em São Francisco.
O guia de saúde lançado no encontro faz parte do projeto Transit e foi elaborado pelo IRGT em conjunto com o Unaids, com a OMS (Organização Mundial da Saúde), entre outros. “Temos que divulgá-lo, traduzi-lo, e oferecer ajuda técnica para as organizações trans de todo o mundo”, disse Keatley. Estão previstas traduções para português e espanhol.
Um dos fundamentos do guia, também segundo a organização, é o empoderamento da comunidade e sua participação no planejamento e na gestão dos serviços de saúde.
Experiências de São Paulo e Rio de Janeiro
No simpósio foi apresentado a experiência com saúde trans do CRT (Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids, do estado de São Paulo, localizado na capital). O instituto abriga desde 2009 o Ambulatório de Saúde Integral de Travestis e Transexuais.
“O ambulatório surgiu da experiência acumulada do serviço de HIV com a população trans, mas no sentido de ofertar todos os serviços de saúde de que necessita uma pessoa trans ou uma travesti. Temos 1.598 usuários ativos”, afirmou o psicólogo Ricardo de Alencar Souza.
“A comunidade trans participou ativamente da construção do projeto desde o início”, completou.
Um grupo de pesquisa sobre população trans de São Paulo, o Projeto Muriel, da Santa Casa, apresentou resultados sobre as populações trans, apontando que 62% sofreram violência física por causa de sua identidade de gênero.
Os estudos também confirmaram as dificuldades da população trans em serem adequadamente atendidos nos serviços de saúde e a vulnerabilidade ao HIV das travestis e mulheres trans.
A delegação brasileira (foto de abertura) contava com a travesti Laylla Monteiro, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. “Eu entrei na pesquisa como educadora de pares, a partir de um projeto de empoderamento comunitário de travestis e trans da Baixada Fluminense, ligado a uma pesquisa de profilaxia pré-exposição (PrEP). Hoje sou assistente de pesquisa”, conta Laylla.
Lei de identidade de gênero
A argentina Marcela Romero, da Rede Latino-americana e do Caribe de Trans (RedeLACTrans), relacionou a vulnerabilidade do grupo ao HIV a um contexto maior de ausência de direitos e consequentes marginalização, vulnerabilidade social e violência.
A ativista citou a lei de identidade de gênero, ou seja – o direito de se escolher qual o gênero constará no campo “sexo” dos documentos de identificação civil – como um direito básico para a garantia dos outros direitos. “É preciso exigir dos governos a lei. Nós, trans, não existimos no mundo porque não temos identidade.”
Segundo Marcela, “os governos são responsáveis pelo fato de que estão nos matando com crimes de ódio e HIV”.
Segundo o relatório “Lacunas na Prevenção”, lançado pelo Unaids esse mês, a violência estrutural é um fator de vulnerabilidade à epidemia. O documento cita o dado de que o Brasil é o país onde mais são assassinadas pessoas trans: dos 2 mil homicídios registrados no mundo entre 2008 e 2015, 802 ocorreram no Brasil.
Homens trans e terceiro gênero
O encontro foi sobretudo de mulheres trans. No entanto, havia alguma representação de homens trans. Também havia pessoas de terceiro gênero, que é uma possibilidade oficialmente reconhecida na Índia. As identidades de gênero e seu reconhecimento oficial variam entre os países.
Não havia presença de homens trans na delegação brasileira. Ariel Nobre, de São Paulo, falou da dificuldade de mobilização: “São muitas pautas urgentes para poucas pessoas que podem se dispor para movimento social”.