A carta do doutor Roberto

Logo após ter manipulado o debate Lula–Collor, o barão global publicou uma missiva pública ao candidato petista. Democraticamente aceitável. De pai para os filhos, a linha mudou de forma radical

CARTACAPITAL E ROTANEWS176 19/08/2016 10h47                                                                                           Por Mauricio Dias

 

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Reprodução/Foto-RN176 Roberto Pisani Marinho foi um jornalista e empresário brasileiro. Proprietário do Grupo Globo de 1925 a 2003, foi um dos homens mais poderosos e influentes do país no século XX

O império jornalístico das Organizações Globo tem atuado na vanguarda da mídia brasileira agressivamente contrária aos governos petistas, a partir da ascensão ao poder do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva pela via democrática.

Esse comportamento transita com frequên­cia do direito de se opor para o caminho da desonestidade, como ocorre agora, no acompanhamento do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, grifado por trapaças editoriais nos diversos veículos das Organizações.

A reação anti-Lula começou de forma articulada, ao longo da disputa da primeira eleição presidencial direta, em 1989, e está marcada por uma “Carta a Lula”, assinada pelo empresário Roberto Marinho, publicada pelo jornal O Globo, sobre o debate final da campanha, transmitido pela TV Globo.

No dia seguinte, véspera da eleição, trechos do confronto com Fernando Collor foram ao ar no Jornal Nacional, editados contra Lula com malicioso capricho pela mão do próprio dono da casa.

“Coube aos vários profissionais das Organizações Globo incumbidos de tal tarefa analisar o confronto (…) o candidato (Lula) mencionou mais de uma vez meu nome (…) havia nítido tom negativista no modo com que reiteradamente me foi atribuído decisivo poder político sobre os destinos nacionais”, escreveu o advogado Jorge Serpa, articulista invisível e exclusivo de Marinho.

Embora derrotado, Lula sinalizou um futuro melhor para sua candidatura. De todo modo, Marinho tornou-se mais cauteloso, como se dá na sua “Carta a Lula”, ou apenas mais tolerante, embora tenha arrostado petulância. Ele considerou a correspondência pública “uma homenagem” ao destinatário.

“Não é verdade que eu exerça poder político hegemônico, e menos ainda que o faça em caráter pessoal. A orientação que imprimo aos veículos que me cabe dirigir visa estritamente defesa do que julgo serem os reais interesses do País e dos caminhos a serem trilhados para que se possa alcançar o bem-estar do povo.”

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Reprodução/Foto-JC Carta enviada para o Lula do empresário Roberto P. Marinho

Na Carta, deixa “bem claro” que nunca teve “dúvidas” sobre o “dever” de cada jornal: “Posicionar-se segundo as suas convicções em face dos problemas nacionais”.

Fez oposição a Getúlio Vargas e a Jango. Como missivista, declara-se “atual opositor” do destinatário. Morreu em 2003, poucos meses após a primeira posse de Lula. O qual viajou ao Rio para participar do funeral de lenço na mão.Talvez buscasse uma impossível trégua.

Atritos políticos, aos olhos do império global, sempre virão respeito à desigualdade e à independência da política exterior brasileira. Marinho nunca deixou de ser empresário.

Roberto, José e João, herdeiros dele e diretores por direito divino, não poupam Lula, tampouco Dilma Rousseff, eleita por 54 milhões de votos e afastada da presidência pelo golpe.

Embora responsável pela manipulação do debate Lula–Collor, o doutor Roberto, “nosso colega”, como era chamado pelos súditos, na sua carta manteve o tom de quem não agride a ideia democrática. Os filhos dele mandam a democracia para o espaço.