ROTANEWS176 E GLAMURAMA 22/09/2016 10:39 Por Paulo Sampaio/Da Revista J.P de agosto
Desaparecida em 1961, a socialite Dana de Teffé foi vista pela última vez entrando no carro do advogado Leopoldo Heitor de Andrade Mendes, com quem faria uma viagem do Rio de Janeiro para São Paulo. Principal suspeito de tê-la matado, ele contou três histórias diferentes
POLÍCIA
Reprodução/Foto-RN176 A Socialite Dana Edita Fischerova de Teffé (Capa da Revista “O Cruzeiro”, em 1962)
O que teria acontecido à socialite Dana de Teffé? Ela foi vista pela última vez na noite de 29 de junho de 1961, entrando no carro do advogado Leopoldo Heitor de Andrade Mendes, com quem faria uma viagem do Rio de Janeiro para São Paulo. Linda, rica e bem relacionada, tinha então 48 anos. Heitor, 38. Judia nascida Dana Edita Fitscherova na antiga Tchecoslováquia, ela fugiu para a Itália aos 15 anos, depois de perder os pais e a irmã na Segunda Guerra Mundial. Lá, tornou-se amante do tenente-coronel fascista Ettore Muti, morto em um atentado durante um passeio dos dois pelas cercanias de Roma. Logo, ela migrou para a Espanha e, em 1944, casou-se com o dentista Umberto Dias. Quatro anos depois, trocou a Espanha pelo México e conheceu seu terceiro marido, o jornalista Carlos Denegri. Em outubro de 1951, já separada dele, veio para o Brasil. Desembarcou na alta sociedade carioca, onde, em um jantar de gala, foi apresentada ao diplomata e corredor de automóveis brasileiro Manoel de Teffé, de família muito rica, por quem se apaixonou instantaneamente. Contando com Ettore Muti, que se separou da mulher para ficar com ela, era seu quarto casamento. Os dois ficaram juntos até 1961. Para cuidar da papelada do desquite, constituíram o escritório de advocacia de Oscar Stevenson. O advogado responsável pela parte de Dana na divisão de bens era Leopoldo Heitor…
Advogado do Diabo
Famoso por motivos não necessariamente dignificantes, Heitor era uma figura polêmica. Da primeira vez em que seu nome surgiu no noticiário policial, estava atrelado ao rumoroso crime da ladeira do Sacopã, no Humaitá, zona sul do Rio. No dia 6 de abril de 1952, o bancário Afrânio Arsênio de Lemos foi encontrado morto com três tiros dentro de seu Citroën preto. A polícia recolheu no local um retrato de Marina de Andrade Costa, namorada do tenente da FAB Alberto Bandeira. Várias versões foram levantadas para explicar o caso, que a essa altura havia ganhado enorme projeção na mídia. Leopoldo Heitor, que adorava um holofote, apareceu no distrito responsável pelo inquérito dizendo que um cliente seu era testemunha ocular do crime. Depois de algum suspense, trouxe para depor um suposto amigo da vítima chamado Walton Avancini. O depoente contou uma história cheia de voltas, que juntava um pouco de tudo o que já havia se especulado na mídia, e terminava por incriminar o tenente Bandeira. Graças a Avancini e a uma série de outras testemunhas de ocasião, Bandeira acabou sendo condenado a 15 anos de prisão, em um processo considerado anos mais tarde ilegítimo pelo Supremo Tribunal Federal (Bandeira já havia cumprido sete anos de prisão e deixado a cadeia). Leopoldo Heitor ganhou a alcunha de “advogado do diabo”. Em 1957, voltou às manchetes por envolvimento na falsificação de um cheque de 18 milhões de cruzeiros. Acuado, ele fugiu com a mulher para a Argentina e ficou lá até 1960, quando a sentença já havia sido revogada.
Reprodução/Foto-RN176 O advogado Leopoldo Heitor de Andrade MendesCréditos: O Globo/Revista J.P
Por todo esse histórico, os amigos de Dana de Teffé recomendaram muita prudência quando perceberam que Leopoldo Heitor se aproximava cada vez mais dela. A atriz Zélia Hoffman contou depois do desaparecimento da amiga que “sabia das trapalhadas dele, mas a Dana sempre o defendia”. Um dia, Heitor disse à cliente que havia arrumado para ela um posto de representante para a América Latina da empresa Olivetti, de máquinas de escrever. Dana acreditava que seu dinheiro não duraria para sempre e por isso queria arranjar um emprego. Heitor explicou que a sede da empresa era em São Paulo, e a convenceu a fazer a viagem de carro. Os dois partiram do Edifício Marcilia, que existe até hoje na praia de Botafogo, às 22h daquele 29 de junho. Nunca mais encontraram nem mesmo seu corpo. Heitor apareceu dias depois, com um ferimento na perna, e contou a primeira de três versões para explicar o sumiço de sua acompanhante. Disse que assim que chegaram a São Paulo, um “senhor distinto” aproximou-se deles em um restaurante, falando outro idioma, e disse a ela que sua mãe havia sobrevivido e estava em um asilo na Tchecoslováquia. Aos prantos, Dana teria decidido embarcar imediatamente para Praga. Quando Heitor ponderou: “Mas você vai precisar de dinheiro”, ela teria escrito uma carta-procuração dando a ele poderes para vender seu apartamento e joias. O advogado ainda calculara que seria preciso “uma boa reserva para tirar a mãe do asilo”. O ferimento na perna, segundo ele, fora causado por “fogos de artifícios que amigos de meus filhos soltaram”.
Em uma segunda versão, Heitor afirmou que havia tido problemas com o carro e, ao parar para verificar o que era, foi assaltado. Depois de travar um tiroteio com o bandido, percebeu que Dana havia sido atingida. Pensou em levá-la para um hospital em Barra do Piraí, no interior fluminense, mas no caminho viu que ela já estava morta. Com receio de ser acusado de assassinato, procurou um amigo para ajudá-lo no sepultamento do cadáver. Quem era? Ele não podia dizer. Onde o corpo foi sepultado? Só o amigo sabia. Uma terceira versão, que ele sustentou até o último dos quatro julgamentos a que foi submetido entre 1963 e 1971, dava conta de que Dana havia sido sequestrada por um grupo de nazistas (mais de 15 anos depois da guerra) ou comunistas tchecos. Eram “homens altos, louros e fortes”. “Minha tese é a de sempre, que Dana foi sequestrada e levada para fora do Brasil”, disse ele, em 1999, para um programa da TV Globo. “Quem conta três verdades, não conta nenhuma”, sustentava o promotor José Ivanir Gussem.
Minha Casa, Sua Vida
Dois meses depois do sumiço de Dana, Leopoldo Heitor mudou-se com a mulher, Verinha, e os dois filhos para o apartamento dela. A promotoria o acusou de ter transformado um ponto em vírgula, ao fim da procuração assinada por Dana, e acrescentado que ele tinha direito a vender, alugar e receber todos os bens dela. Nove meses depois, o advogado já havia embolsado mais de 25 milhões de cruzeiros da vítima, ou o equivalente a mais de R$ 1 milhão. Tudo indicava que Leopoldo Heitor havia matado Dana de Teffé para ficar com o dinheiro dela. As histórias dele não se confirmavam. A Olivetti desmentiu que o cargo de representante para a América Latina estivesse vago e também que o nome de Dana tinha sido cogitado para ocupá-lo. Tampouco havia registros da saída da tcheca do Brasil, de acordo com investigações feitas no consulado, nas companhias aéreas e na polícia marítima. A promotoria questionava como Dana poderia deixar o país, se seu passaporte estava entre os documentos reunidos no processo. Segundo Heitor, sua cliente deixara o Brasil com um passaporte falso. Nessa versão, Dana havia ligado de fora e, apesar de ter pedido para não comentar o telefonema com ninguém, ele contratara um “escritório internacional” e descobrira que ela estava em Praga.
Nesse ponto, Oscar Stevenson resolveu ir à polícia para dar um depoimento. Pelo que declarou na época, ele já havia esperado tempo demais para que Heitor se entregasse. Apresentou um minucioso relatório no qual dizia ter convicção de que o réu, seu ex-amigo fraternal, havia cometido o homicídio e dado sumiço no corpo. No dia seguinte, a manchete nos jornais era “Stevenson: Quem Matou foi Heitor”. Ainda apareceram outras testemunhas, como Francisco da Silva, o Chico, que era caseiro havia mais de dez anos no sítio de Leopoldo Heitor. Ele contou que na noite do desaparecimento de Dana ouviu tiros vindos da casa do patrão e que, no dia seguinte, Heitor pediu que ele enterrasse um corpo no cemitério da igreja da região. Chico levou os investigadores ao local e de fato havia a ossada de uma mulher. Porém, descobriu-se que era negra. Heitor afirmou que Chico era desequilibrado e, quando a polícia procurou o caseiro, ele havia desaparecido.
Todos os indícios apontavam para Leopoldo Heitor de Andrade Mendes. Preso em 31 de março de 1962, sob a acusação de homicídio e ocultação de cadáver, ele fugiu em 4 de outubro do mesmo ano. Capturado dez dias depois no Mato Grosso, Heitor foi julgado em fevereiro de 1963 e condenado a 35 anos de cadeia, dos quais cumpriu oito. Em dezembro de 1964, mesmo preso, o Tribunal de Justiça do Rio anulou a sentença do juiz Ulysses Salgado, e o réu foi a novo julgamento. Embora tudo indicasse que ele havia dado sumiço no corpo, e não houvesse nenhum outro suspeito, o advogado foi absolvido em mais três julgamentos. O júri foi convocado em Rio Claro, interior de São Paulo, onde o réu tinha um sítio e era considerado por todos um advogado sempre disposto a ajudar os mais carentes. No tribunal Leopoldo Heitor assumiu sua própria defesa. O júri foi anulado porque a imprensa conseguiu entrar na sala onde jurados e o juiz decidiriam a sentença. Em outros dois julgamentos na mesma cidade, o último em 1971, Heitor foi absolvido. O promotor Gussem afirmou tempos mais tarde que “em Rio Claro, ninguém ganharia aquele júri”. Alguns jurados que nunca tinham saído da cidade disseram décadas depois que não tinham ideia de quem fosse Dana de Teffé. Um deles chegou a afirmar que “estava querendo que aquilo acabasse logo, não entendia nada do que se passava”. Por falta de provas materiais, o Supremo Tribunal de Justiça não autorizou a reabertura do processo. Em 1981 o crime prescreveu. Depois de sair da cadeia, Leopoldo Heitor ainda se casou duas vezes. Ao morrer, em 2001, com 78 anos, deixou dez filhos e um enigma que jamais será decifrado.