ISTOÉ E ROTANEWS176 09/06/2017 18:00
A ciência mostra que, neles, o órgão funciona de forma diferente. É movido pelo prazer de ganhar dinheiro fácil e pela ausência total do temor de punição
Reprodução/Foto-RN176 TRAPACEIROS Cabral, Palocci, Cunha e Dirceu: a corrupção vicia
Antonio Palocci, José Dirceu, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral. Presos, os ex-ministros dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o ex-deputado e o ex-governador do Rio de Janeiro são donos de histórias distintas, mas dividem, todos os quatro, uma impressionante atração por corromper. Ao cidadão comum, aquele que paga as contas com dinheiro honesto, é até difícil compreender de onde surge tamanha propensão à negociata. Nenhuma explicação justifica o comportamento de homens como eles, mas algumas informações lapidadas pela neurociência ajudam a entendê-lo, pelo menos sob a ótica da engenharia cerebral. Nesta semana, especialistas do mundo todo reunidos no Brain Congress 2017, realizado em Porto Alegre, dedicarão boa parte das discussões aos achados recentes sobre o cérebro do corrupto. O primeiro fato: ele é diferente. Na leitura da ciência, o gosto pela corrupção se desenvolve nas mesmas estruturas neuronais onde se cristaliza a fissura pela droga ou pelo sexo. Ou seja, corromper dá prazer e vicia.
Entender a origem do mecanismo que colocou a corrupção no mesmo escaninho cerebral da dependência química obriga a olhar para trás, no início da evolução humana, quando o homem ainda lutava com feras para sobreviver, e conhecer como isso moldou o cérebro. Para dar conta dos perigos, circuitos associados à busca por comida ou à rapidez na fuga fortaleceram-se. Neles, também eram processadas estratégias que garantissem a sobrevivência de modo mais fácil. Trapacear para ficar com a melhor parte da caça, por exemplo.
Reprodução/Foto-RN176 “São psicopatas. Mostram-se insensíveis aos males que causam” Vitor Haase, neurologista, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (Crédito:Nidin Sanches/ NITRO)
Nas mesmas áreas, abriga-se ainda o sistema de recompensa. É onde funciona a máquina que nos faz procurar prazer. Ele pode advir de ações diversas, incluindo do consumo de droga, da compra ou da sensação de ganhar dinheiro. Se for sem muito esforço, então, melhor ainda. Quanto mais o indivíduo se expõe a esses estímulos, mais o cérebro os associa a algo bom. Cria-se um ciclo em que a ação resulta em recompensa e a recompensa pede mais ação. “A vontade se torna um hábito e o hábito reforça a vontade”, explica o neurologista André Palmini, chefe do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas, da PUC-RS, e um dos organizadores do evento em Porto Alegre.
SEM FILTRO
Essas são regiões alimentadas pelo instinto e pelas emoções. Não é por outra razão que reúnem o que se conhece como cérebro primitivo. O que diferencia a arquitetura cerebral humana da apresentada pelos animais é que, ao longo da evolução, o homem desenvolveu outra área igualmente importante, destinada a funcionar como um filtro do que é processado usando como base apenas os sentimentos. No córtex frontal, as reações primárias são submetidas a um juízo crítico e moral formado segundo as regras civilizatórias vigentes. Lá são moduladas por variáveis como o que é certo ou errado ou as consequências que podem surgir. Nos corruptos, assim como em quem mata para roubar, esse filtro não funciona. Por isso, eles são movidos pelo impulso, pela procura do próprio prazer e pela inconsequência. “São psicopatas”, afirma o neurologista Vitor Haase, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e outro dos palestrantes do encontro na capital gaúcha. “Mostram-se insensíveis aos males que causam.”
Do ponto de vista da neurobiologia, para que o desejo de corromper fosse contido seria necessário que as engrenagens do córtex pré-frontal funcionassem de forma mais atuante. A maneira com que operam tem a ver com a genética, mas também com o ambiente. Isso quer dizer que uma sociedade menos tolerante à corrupção e meios eficazes de punição servem como moduladores importantes no fortalecimento desses filtros. “Se as pessoas aprendem que corromper não leva a consequências negativas e não é moralmente errado, o córtex não tentará inibir o comportamento”, explica Antoine Bechara, professor de Psicologia da University of Southern Califórnia, nos Estados Unidos, palestrante do congresso gaúcho. Historicamente, no entanto, os dois conceitos nunca fizeram parte da moralidade brasileira. Agora, pela primeira vez, começam a integrá-la. Isso dá esperança de que Paloccis, Dirceus, Cunhas e Sérgios sejam cada vez mais raros por aqui.
ENTRE O PRAZER E O CONTROLE
Do desejo à prática, o caminho da corrupção, segundo a neurociência
Reprodução/Foto-RN176
O QUE MOVE O HOMEM
• Por uma imposição da evolução, o ser humano criou mecanismos para buscar vantagens e sobreviver. Ter mais comida e melhor abrigo favoreciam a chance de viver
- Um dos primeiros circuitos cerebrais desenvolvidos está associado à essas questões básicas. Também está relacionado à busca de prazer, processado no sistema de recompensa
- Quanto mais o indivíduo se expõe a algo que lhe dá prazer, mais ativa o circuito. Ganhar vantagens por meio da corrupção pode ser um estímulo
- Aos poucos, as sinapses (troca de informação entre os neurônios) nessa rede ficam mais numerosas e intensas. A vontade se torna um hábito e o hábito reforça a vontade
O QUE PODERIA PARÁ-LO
• O córtex frontal, área desenvolvida mais tardiamente, é o filtro por onde passam os instintos e as emoções. Os sentimentos são lá analisados sob o viés da razão e da crítica
- Nos corruptos, esse circuito não consegue conter o impulso e a busca da satisfação por meio de atos que rendem vantagens, mesmo os ilícitos