ROTANEWS176 E BBC BRASIL 26/01/2016 09:44
Internacional
Reprodução/Foto-RN176 O apresentador e ator Adam Pearson, que tem neurofibromatose (esq) com Jesus ‘Chuy’ Aceves, que tem tem um problema genético raro chamado hipertricose
O ator e apresentador de televisão britânico Adam Pearson trabalhou no filme Sob a Pele com Scarlett Johansson. No ano passado, ele recebeu o que descreveu como “a oferta de emprego mais esquisita da minha vida”: participar de um famoso freak show (“show de aberrações”).
Leia abaixo o relato de Pearson sobre o episódio:
Um pouco surpreso, respondi que ficara lisonjeado com o convite, mas que não tinha habilidade alguma que pudesse beneficiar o show – o que minha família pode confirmar rapidamente.
A única razão de ter recebido a oferta foi por causa da minha aparência. Eu tenho neurofibromatose, um problema genético que faz com que tumores não cancerígenos se desenvolvessem nas extremidades de meus nervos.
Eles podem crescer em qualquer lugar, mas, no meu caso, cresceram principalmente no meu rosto, me deixando muito desfigurado.
Meses depois, enquanto estava bebendo com colegas de trabalho, me perguntaram se eu ia fazer ou não.
“Depende de quanto vão me pagar”, respondi. E a ideia para meu próximo documentário nasceu.
A simples ideia de um freak show me deixa muito incomodado pois meu único conhecimento vem dos velhos tempos vitorianos, em que havia muita exploração – homens e mulheres com várias deformações e anomalias genéticas eram exibidos enquanto o público zombava.
O “Homem Elefante” – o nome dado a Joseph Merrick – era a alcunha que assombrou minha infância. Era o nome pelo qual eu frequentemente era chamado no parquinho da escola e, como resultado, sempre evitei assistir ao filme de David Lynch que tem o mesmo nome e sequer falava sobre o senhor Merrick.
Reprodução/Foto-RN176 Joseph Merrick foi chamado de Homem Elefante no século 19
Mas para viajar aos Estados Unidos com a ideia de me encontrar com alguns “freaks” modernos – e para que esta viagem tivesse algum mérito ou significado -, eu precisaria enfrentar meus medos, precisaria me encontrar com o Homem Elefante.
Fui ao Royal London Hospital e me juntei à lista exclusiva de pessoas que viram de perto o esqueleto de Joseph Merrick.
A sensação de encontrar um homem que viveu 150 anos antes de você mas que você evitou por tanto tempo é terapêutica de uma forma bizarra.
Mais tarde, naquela mesma noite, fui para casa e finalmente me sentei, respirei fundo e assisti ao DVD de O Homem Elefante. Surpreendentemente fiquei totalmente fascinado pela história.
BBC
Reprodução/Foto-RN176 O 999 Eyes Freakshow se descreve como uma “família bizarra”
Bethany
Dias depois embarquei em um avião para Michigan, para me encontrar com uma mulher chamada Bethany que estava a caminho do Texas para participar de um freak show chamado “999 Eyes Freakshow”.
Bethany tem ectrodactilia, uma deformação que faz com que as mãos ou os pés fiquem parecidos com garras de lagostas. Aos três anos, ela teve que amputar a perna.
Jantei com ela e a família e conversamos sobre os motivos para ela se juntar ao show.
Ela descreveu o “999 Eyes Freakshow” como uma “família bizarra”, um lugar onde a diferença é celebrada. A família de Bethany tinha as mesmas preocupações que eu – que ela poderia ser explorada – mas eles a apoiaram.
Viajei com Bethany para encontrar o resto dos integrantes do “999 Eyes Freakshow”. A coisa mais bizarra é que muitas pessoas pensaram que eu já trabalhava com eles.
Assim que me viu, Samantha X – dona e operadora do show – veio me dar um abraço. Conversei com Black Scorpion, que também tem ectrodactilia – um homem que é em grande parte o coração e a alma do “999 Eyes”.
Ele descreveu como se apresentar em freak shows tinha mudado a vida dele. Desde criança, ele se sentia um outsider sem voz, mas o freak show deu a ele um lugar e uma voz para contar sua história.
Quando deixei o Texas, estava me sentindo um pouco mais à vontade com a ideia, mas ainda tinha minhas dúvidas.
Las Vegas e México
Viajei para Las Vegas no Dia das Bruxas. Eu odeio o Dia das Bruxas. É a noite do ano que eu tenho certeza que as pessoas vão me falar besteiras.
Em encontrei com Jake, um anão que se apresenta em um freak show e também tem uma companhia de apresentações de luta chamada Midgets Unleashed.
Perguntei se eu me encaixaria em Vegas e ele respondeu na hora que eu poderia ganhar muito dinheiro apenas com pessoas fazendo fotos minhas.
Na mesma noite, testei a teoria de Jake e me senti um rockstar: em menos de meia hora tiraram 20 fotos minhas e ganhei US$ 18 em gorjetas.
BBC
Reprodução/Foto-RN176 Jesus ‘Chuy’ Aceves foi muito mal tratado, abandonou os shows e hoje trabalha em um depósito de lixo
Em seguida, fui à Cidade do México para me encontrar com Jesus “Chuy” Aceves, conhecido nos palcos como “Menino Lobo”. Chuy tem um problema genético raro chamado hipertricose, também conhecida como “síndrome do lobisomem”.
O problema faz com que o cabelo cresça em seu rosto. Chuy e a família dele correspondem a 30 dos cerca de 80 casos conhecidos no mundo.
A experiência dele em freak shows é bem mais sinistra que a de Black Scorpion. Ele se juntou a um circo na adolescência e foi maltratado a ponto de, apesar de ser a atração principal, desistir de tudo para viver com tranquilidade junto à família. Ele agora trabalha em um depósito de lixo.
Televisão
Durante minha jornada, comecei a me perguntar: será que os reality shows na televisão são a nova face dos freak shows?
De volta aos Estados Unidos, em Maryland, encontrei os Hamills, uma família de cinco anões que têm o próprio programa no canal TLC, Our Little Family. Nos encontramos na casa da família, depois de passar um bom tempo brincando com os filhos, Jack, Cece e Cate, conversei com os pais, Dan e Michelle, que têm uma forma específica de nanismo conhecida como acondroplasia.
Eles dizem que seu principal motivo para fazer o programa é conscientizar para o problema. “Tentamos ser divertidos”, disse Dan.
Eles também sofrem com os mesmos maus-tratos que eu enfrento na Grã-Bretanha: pessoas encarando e fazendo fotos.
Em Nova York me encontrei com Mat Fraser: de todos os artistas freak do planeta, ele é um dos mais bem-sucedidos. Ele ficou famoso quando conseguiu um papel na quarta temporada da série American Horror Story e também é conhecido por suas usadas apresentações ao vivo.
“Você precisa se reconciliar com seu rosto” me contou ele na porta de um bar. “Pelo menos no que concerne os freak shows, você pode ser o ‘Homem Elefante dos dias de hoje'”, afirmou.
Ele também me disse que, se eu for para o palco, é bem provável que eu consiga mais sexo.
BBC
Reprodução/Foto-RN176 A família Hamill é considerada uma estrela dos reality shows nos EUA
De volta
Voltei para Londres com duas escolhas: sair do “armário freak” e ir para o palco ou continuar à sombra do Homem Elefante.
Depois de refletir muito cheguei à conclusão de que iria para o palco. Depois de viajar tanto e me encontrar com todas estas pessoas, não fazer nada seria um desperdício de tempo.
Desenvolvi um roteiro que contava a história real do Homem Elefante mas também a história de minha jornada no mundo dos freak shows.
Em uma noite de novembro fui para o palco do Vauxhall Theatre Tavern, casa cheia, e fiz minha estreia. Fiquei muito satisfeito com meu desempenho e me diverti muito.
Infelizmente, a promessa de sexo fácil feita por Mat não se concretizou.
Provavelmente não vou vender tudo o que tenho e deixar minha carreira na televisão para fugir com o circo. Mas não vivo mais à sombra do Homem Elefante.
Quanto ao senhor que perguntou se eu queria participar do freak show, por favor me ligue. Vamos negociar.