Candomblé luta contra terrorismo

ROTANEWS176 E O DIA  19/11/201707:00:58                                                                                                          FRANCISCO EDSON ALVES

25 anos depois de matéria no DIA, candomblecistas continuam perseguidos. Agora com mais violência

Rio – Há 25 anos o DIA publicou matéria mostrando, de forma inédita, a iniciação e a prática de crianças no candomblé. A reportagem transformou-se em fonte primária de pesquisas sobre o assunto. O tema também virou livro (Educação nos Terreiros – e como a escola se relaciona com crianças de candomblé”), escrito pela mesma autora da reportagem, a jornalista Stela Guedes.

Duas décadas e meia depois, os personagens falaram ao DIA, sobre suas vidas. E como enfrentam a crescente onda de intolerância religiosa, com traficantes e fundamentalistas destruindo terreiros, torturando e perseguindo adeptos de religiões de matrizes africanas.

Reprodução/Foto-RN176Ricardo Nery, na foto de 1992 no atabaque, e a filha, Maria Clara, 4: “A violência se intensificou” Stela Guedes / Divulgação

Tauana dos Santos, de 27 anos, é uma delas. Ela foi capa do livro de Stela, que descreve como crianças se tornam ogans, equedes, se iniciam, incorporam Orixás e participam da hierarquia nos cultos, compartilhando saberes e línguas africanas, entre elas, o yorubá e o banto.

“Na época (ela tinha dois anos em 1992), não entendia que já sofria racismo. Com o tempo, vi o quanto éramos discriminadas, que nossa dor sempre foi uma só. Por isso a luta é uma só. Hoje eu luto por um mundo sem racismo e intolerância para meus filhos”, diz Tauana, de Coelho da Rocha, musicista e mãe de Eduarda, 4, e Enrico, 1, ambos já com responsabilidades no terreiro.

Reprodução/Foto-RN176Tauna e os filhos, Enrico, 1, e Eduarda, 4. “Uma luta constante” Divulgação

Mãe Meninazinha de Oxum, sacerdotisa de um terreiro em São João de Meriti, também personagem da matéria, ressalta que as crianças continuam sendo as principais vítimas da violência. “Porque estão vendo o que amam ser atacado. Os terreiros precisam se unir”, defende.

Já Paula Esteves, tem agora 27 anos, Ela conta que o preconceito que sofreu por ser do candomblé, é o mesmo enfrentado pelo filho, Cauã, de 12 anos. “Um dia a professora dele disse que eu precisava levá-lo ao cinema, à praia, para tirar o que chamou de `ideias de macumba de sua mente. Como se uma criança de candomblé não conhecesse esses locais, e, pior: que o lazer é uma espécie de antídoto contra o candomblé”, lamenta Paula.

Reprodução/Foto-RN176Paula Esteves e o filho, Cauã, de 12 anos. Professora recomentou cinema e praia contra “ideias de macumba” Divulgação

Ricardo Nery, de 29 anos, foi fotografado em 1992 tocando atabaque, com 4 anos. Na época, a avó, Mãe Palmira Navarro, contou ao DIA que o neto era chamado de “filho do diabo” na escola. Sua filha, Maria Clara, de 4 anos, já frequenta o mesmo terreiro. “Não quero que ela sofra o que sofri, mas acho que todos percebem que a discriminação aumentou”, diz.

A antropóloga, professora e mãe de santo, Rosiane Rodrigues, pesquisadora das religiões afro-brasileiras e relações étnico-raciais, diz que há 25 anos o DIA já revelava perseguições aos candomblecistas. “Hoje, lamentavelmente, constata-se que a liberdade religiosa e luta por direitos civis, em pleno século 21, estão em risco. A violência só cresceu, e agora tem novo tom, de terrorismo. É um alerta”, adverte.

Reprodução/Foto-RN176 Meninazinha de Oxum, sacerdotisa em São João de Meriti, diz que os terreiros precisam se unir contra violências Divulgação

Reportagem virou livro

A matéria de 1992 também mudou a vida de Stela Guedes. Professora do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PROPED/UERJ) e coordenadora do Kékeré (pequeno em yorubá), um grupo de pesquisa da instituição, com foco nas crianças de candomblé, ela permaneceu 20 anos frequentando o Ilê Omo Oyá Legi, em Mesquita, e outros terreiros da Baixada.

Reprodução/Foto-RN176 A jornalista Stela Guedes acabou se tornando candomblecista, aós mais de duas décadas de pesquisas. “Me apaixonei pelo candomblé” Divulgação

Em 2005, ela defendeu tese de doutorado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) sobre crianças de Candomblé, inaugurando um campo na antropologia e na educação. Em 2012, ela publicou o livro “Educação nos Terreiros – e como a escola se relaciona com crianças de candomblé”.

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Na obra, ela relata como as crianças são respeitadas nos terreiros. “Mas nas escolas são silenciadas e discriminadas”, conclui. O livro foi finalista do Jabuti – o mais importante prêmio literário brasileiro. Em 2013, Stela se iniciou candomblecista.

“Eu era ateia, mas gostava dos terreiros, porque sempre os contemplei como espaços de resistência, que não foram hegemonizados pela colonialidade branca e cristã. Depois de duas décadas vendo e vivendo toda essência do candomblé, não pude mais continuar de fora”, conta Stela.