Preconceito ‘velado’ é grande empecilho no sucesso de empresas no País; entenda

ROTANEWS176 E BRASIL ECONOMICO 30/11/2017 12:59                                                                                  Por Mayara Rozário 

A falta de diversidade no mundo corporativo ainda é realidade no País; mas, algumas companhias estão transformando o ambiente de trabalho em um espaço plural e de oportunidades, aberto ao diálogo e as necessidades sociais

Reprodução/Foto-RN176 Diversidade se torna plano estratégico de empresas de diferentes tipos e portes

Que o Brasil é um país rico em etnias, culturas, manifestações religiosas e até mesmo línguas, todo mundo sabe. É aquele velho discurso como nós somos “presenteados” pela diversidade em um território de proporção continental. Mas, você acredita que o mundo corporativo investe em diferentes profissionais? Acha que o progresso em relação à igualdade de gênero, por exemplo, está acontecendo nas empresas brasileiras? Segundo a consultoria The Boston Consulting Group (BCG), estamos caminhando a passos lentos para tal conquista.

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As políticas de inclusão, no geral, ainda estão em processo de contrução no mundo corporativo, sendo o pensamento de que “não existe preconceito nas entidades” um dos grandes empecilhos para que as empresas e os profissionais se desenvolvam. Um ambiente de trabalho em que exista diversidade , onde profissionais negros, mulheres, LGBTs e deficientes sejam inclusos, pode contribuir grandemente não só para uma sociedade igualitária como também para os resultados corporativos, como mostra um estudo da consultoria empresarial americana McKinsey. 

Esse estudo ainda revela que 25% das empresas que respeitam as diferenças como um pilar conseguem executar serviços de forma mais efetiva do que as instituições “não diversas”.

E a demanda pelas políticas inclusivas cresce não só nas esferas públicas, mas também nas privadas. Assim, diferentes medidas já foram tomadas, principalmente pelas próprias empresas no Brasil, como fizeram as alemãs Bayer e BASF. Com a implementação de uma cultura organizacional que conta com uma comunicação direta e sem ruídos para com todos os funcionários e colaboradores, ambas têm conseguido incentivar um ambiente mais aberto ao diálogo e preocupado com as reivindicações dos funcionários.

Comunicação e luta  

A empresa farmacêutica e química Bayer, criou, em 2015, o Comitê da Diversidade, que tem como intuito estimular os colaboradores a trazer uma nova abordagem relacionada a questões racial, de gênero, de gerações, de pessoas com deficiência e LGBT, sendo esta última conhecida como BLEND.

“O BLEND integra uma estratégia global da empresa para reforçar os direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros e lutar pela igualdade de oportunidades na empresa em todas as unidades do mundo. É um importante canal de comunicação que respeita a personalidade de nossos colaboradores de maneira individual, com a promoção de encontros, palestras e debates”, explica o presidente da Bayer no Brasil, Theo van der Loo.

A empresa também conta com o programa de voluntários “Aliados”, em que as pessoas de diferentes unidades realizam trabalho voluntário para apoiar a causa LGBT dentro da entidade. Outro meio encontrado para vetar o preconceito é o canal Hotline Global, pelo qual os profissionais podem denunciar qualquer conduta errônea. A ferramenta é gerenciada por uma empresa parceira, que investiga o caso para a tomada de medidas preventivas.

Para Theo, essas práticas fazem parte de um processo contínuo que requer atualização frequente, o que também inclui a eliminação de parcerias com empresas que vão em direção contrária aos valores da mesma. Já para o assistente de controle de custo, Felipe da Silva Alencar, que entrou para a Bayer em 2008, políticas de inclusão são ferramentas importantes para puxar pessoas que estão fora do mercado para dentro dele.

Felipe faz parte da equipe da Bayer em Belford Roxo, Rio de Janeiro. Portador de uma deficiência congênita nos dedos da mão direita, alega não ter sofrido preconceito ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional, porém que se reconheceu como uma pessoa empoderada e proativa em sua função atual. “Acredito que encontramos o caminho a ser trilhado e, apesar dos vários obstáculos, com um pouco de coragem e dedicação, podemos causar as mudanças e melhorias necessárias”.

Direitos humanos 

A empresa química BASF aderiu o manual “10 compromissos das empresas com os direitos humanos LGBT”, criado pelo Instituto Ethos e pela Txai Consultoria, em 2013. Um ano mais tarde da criação do registro, a entidade assinou a carta de adesão aos compromissos LGBT, sendo uma das patrocinadoras do Fórum de Empresas e Direitos LGBT.

Outra política, existente desde 2009, é com relação a benefícios. Todos os colaboradores que possuem um cônjuge registrado em seu cadastro no RH têm o direito de estender seus benefícios. A criação dos grupos de afinidade LGBT, Mulheres, Negros e Pessoas com Deficiência (PCD) também foi executada, para a discussão e melhorias dentro da corporação.

De acordo com a gerente-sênior de RH da BASF, Juliana Justi, workshops focados na gestão e no convívio com pessoas com deficiência, bem como a realização de cursos de capacitação profissional para os mesmos ocorrem na empresa. A companhia ainda participa do “Programa Meu Novo Mundo”, que visa promover a inclusão profissional, cultural e esportiva de pessoas de baixa renda.

Twinning Program , que proporciona encontros periódicos entre membros da alta liderança da empresa com jovens colaboradores, para troca de experiências entre profissionais de diferentes gerações e níveis hierárquicos, o Censo de diversidades para colaboradores, e um programa de compliance, que concentra denúncias de condutas discriminatórias na entidade são práticas e ferramentas utilizadas para gerar mudanças no ambiente de trabalho.

Para Cileno Mendes, que começou na empresa como estagiário e atualmente é secretário sênior na área de proteção de cultivos da BASF, as políticas de inclusão o ajudaram principalmente a exercer uma função majoritariamente ocupada por mulheres. “Meu cargo teve que ser criado, pois não havia secretários antes de mim. Acredito que as políticas de inclusão são primordiais para criar um ambiente em que você se sinta livre para ser você mesmo. Trazer informação e conhecimento para a equipe, com o apoio da liderança faz toda a diferença”.

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Fomento à inclusão

Diferente das empresas, porém com o intuito em comum, consultorias engajadas na promoção das diversidades em ambientes corporativos e educacionais têm surgido, servindo como impulsionadoras e meios viáveis da diminuição de preconceitos. Exemplos disso são a Diversus e a Empregueafro.

Em seu consultório, a psicóloga especialista em sexualidade humana Giovanna Lucchesi sempre ouviu queixas de pacientes sobre o ambiente escolar e o mundo empresarial. Há cinco anos sendo convidada para palestrar em empresas sobre as diversidades sexuais, a especialista entendeu que somente a exposição do conteúdo não era o suficiente. Desse modo, com o intuito de colocar em prática ações para fomentar a igualdade de gênero, inclusão e a diminuição dos impactos dos preconceitos, fundou a Diversus no ano passado.

Baseada na crença de que a melhor forma de trabalhar as desigualdades e preconceitos na sociedade é por meio da desnaturalização de determinados comportamentos enviesados pelos estereótipos, a consultoria empresarial e escolar oferece o Programa de Capacitação para a Diversidade e Inclusão (PCDI), que busca trabalhar diferentes abordagens para alterar os ciclos de interpretações viciadas dos funcionários, alunos e pais, por meio de parcerias com equipes de Recursos Humanos.

A especialista comenta que uma das maiores dificuldades nas corporações é reconhecer o preconceito, e que uma das principais necessidades para gerar a mudança é o incentivo ao diálogo. “Geralmente as empresas se preocupam apenas com as diversidades estabelecidas por lei, não percebendo como outras temáticas também merecem atenção. É necessário um posicionamento eficiente acerca da inclusão na comunicação com os funcionários. Demonstrar que há disposição para criar ações e métricas que ajudarão na mudança é essencial”.

Nas escolas, as práticas ocorrem através da capacitação dos educadores e de um plantão para pais e mães. Os ambientes de educação, por serem baseados em estruturas de poder, demandam atenção constante aos vieses inconscientes. Por isso, o diálogo com crianças e jovens se estabelece de acordo com cada necessidade, indo desde atividades lúdicas para a quebra de estereótipos de gênero com os pequenos até discussões sobre comportamentos preconceituosos frente a gênero e à sexualidade com os adolescentes.

Participação dos negros

Ao perceber a ausência de profissionais negros nos processos seletivos que fazia, a profissional de Recursos Humanos Patrícia Santos criou a Empregueafro, em 2005. A fim de diminuir as diferenças raciais e potencializar o ingresso da população negra no mercado de trabalho, começou a dar palestras de orientação profissional sobre currículo e comportamento em entrevistas.

A ideia de fundar uma consultoria focada em diversidade étnico-racial se aprimorou com a necessidade de mercado e com o pedido dos clientes. Recrutamento, seleção, treinamento e desenvolvimento de profissionais negros são os quatro pilares da consultoria, que busca expandir o engajamento de liderança, responsabilidade social e sustentabilidade.

O processo de atração desses profissionais é a primeira problemática a ser enfrentada. Entretanto, com a ascensão econômica da população negra, o sentimento de inclusão atualmente tem sido evidenciado e se tornado parte do plano estratégicos de corporações de diferentes tipos e portes.

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Para a consultora, a adoção de políticas de inclusão e o investimento de programas de treinamento sobre a temática nas empresas são meios que potencializam a conscientização, o que consequentemente aumenta as contratações.  “Acreditamos que a oportunidade é a chave do sucesso dos programas de diversidade e inclusão. Somos 54% da população, 46,5% da população economicamente ativa, nossa renda somada é de 1,5 trilhão de reais. Essa é uma necessidade que precisa ser entendida”, conclui.