Stalingrado, onde Hitler começou a perder a guerra

ROTANEWS176 E DW 02/02/2018 08:01

Há 75 anos, a Batalha de Stalingrado terminou com a rendição do 6º Exército da Wehrmacht alemã. O grande ponto de guinada na Segunda Guerra. Até hoje, a vitória soviética tem um significado importante para muitos russos.Originalmente, a cidade industrial nas margens do rio Volga era para a Wehrmacht apenas uma etapa no objetivo final de conquistar os campos petrolíferos do Cáucaso. Mas devido ao seu nome, a cidade de Stalingrado tinha para Adolf Hitler, assim como para Josef Stalin, um significado que ia além do estratégico.

Reprodução/Foto-RN176 O centro de Stalingrado, destruído ao final da batalha Foto: DW / Deutsche Welle

Por causa das rotas muito longas de abastecimento, a ofensiva alemã do 6º Exército sob o comando do general Friedrich Paulus contra Stalingrado era arriscada desde o início. A ofensiva começou em meados de agosto de 1942, pouco mais de um ano após o regime nazista ter declarado guerra à União Soviética. “Os russos estão no fim de suas forças”, disse Hitler, na época.

Isso seria comprovado posteriormente como um grande equívoco. Apesar de forte resistência, a Wehrmacht (Forças Armadas da Alemanha durante o Terceiro Reich entre 1935 e 1945) conseguiu ocupar a maior parte da cidade até meados de novembro. Ao mesmo tempo, o Exército Vermelho lançou um movimento de pinça – uma manobra militar na qual os flancos do exército oponente são atacados simultaneamente por duas frentes defensivas.

Já no final de novembro, todo o 6º Exército e partes do 4º Exército Panzer (unidade blindada) estavam cercados – quase 300 mil soldados alemães. Mas sob ordens de Hitler, eles tiveram de manter suas posições a todo custo. De forma parecida, Stalin havia emitido a ordem de “não retroceder um passo” em julho.

Como nenhum lado deixou sua posição, formou-se um cerco no qual a situação se deteriorou rapidamente. Por meio de transporte aéreo, os soldados receberam provisões por semanas. Mas, em nenhum momento, os carregamentos foram suficientes. E com o avanço do Exército Vermelho cada vez menos suprimentos chegavam aos alemães.

Durante o inverno, temperaturas atingiram 30 graus Celsius negativos. A repetitivamente prometida “ofensiva de resgate” falhou. A maioria dos soldados alemães cercados em Stalingrado não morreu em combate ou por ataques, mas de desnutrição e hipotermia.

Paulus resistiu até (quase) o fim

No entanto, o general Paulus seguiu comprometido com a rígida ordem de Hitler de “aguentar até o último” e, em 8 de janeiro, rejeitou uma proposta soviética de capitulação alemã. Ainda em 29 de janeiro – a situação já era completamente irreversível – Paulus enviou a seguinte mensagem a Hitler:

“No aniversário de sua conquista do poder, o 6º Exército saúda seu líder. A bandeira com a suástica ainda está hasteada sobre Stalingrado. Nossa luta pode ser um exemplo para as gerações vivas e futuras de nunca capitular, mesmo na situação mais desesperadora, e então a Alemanha vencerá. Salve, meu Führer.”

Mas a lealdade de Paulus tem seus limites. Quando o Exército Vermelho invadiu em 31 de janeiro o quartel-general montado no porão de uma loja de departamentos, o comandante nazista é feito prisioneiro. Ele proibiu seus oficiais de cometerem suicídio, porque deveriam compartilhar o destino dos soldados comuns. As tropas alemãs capitulam.

Enquanto isso, o cerco a Stalingrado se rompe em dois – um no norte e outro no sul. No fim de janeiro, os soldados alemães desistiram no sul. Em 2 de fevereiro, também no norte. Os soldados são capturados pelas Forças Armadas russas. Hitler ficou furioso quando descobriu.

Batalha e carnificina

O balanço da batalha: mais de meio milhão de mortes no lado soviético, incluindo numerosos civis. Por um longo tempo, Stalin impediu a retirada da população civil. O Exército Vermelho não levou em consideração seus próprios cidadãos. Ainda nos primeiros dias de combate, mais de 40 mil civis são mortos em ataques aéreos. Dos cerca de 75 mil habitantes que permaneceram até o fim da batalha, muitos morreram de fome ou congelados.

Do lado alemão, as estimativas variam entre 150 e 250 mil soldados mortos. Dos quase 100 mil alemães que foram presos pela União Soviética, apenas aproximadamente seis mil sobreviventes retornaram à Alemanha em 1956, incluindo Paulus.

A Batalha de Stalingrado não foi a que contabilizou o maior prejuízo para a Wehrmacht, nem era a mais importante em termos militares, mas “o significado psicológico de Stalingrado é imenso e, nesse sentido, foi crucial para a guerra”, disse o historiador Jochen Hellbeck, da Rutgers University, em Nova Jersey. “Também porque desde o início ambos os lados declararam se tratar de uma batalha decisiva.”

Hellbeck, que compilou testemunhos de veteranos alemães e russos da Batalha de Stalingrado no site Facing Stalingrad, disse que o Exército Vermelho queria posteriormente mostrar ao mundo inteiro “que eles tinham derrotado o melhor exército do mundo”.

Stalingrado, que foi renomeada Volgogrado em 1960, ainda está repleta de memórias da batalha. O Museu Stalingrado é uma das exposições mais visitadas na Rússia. Quão forte as consequências da batalha imperam até hoje é evidenciada também pela discórdia em Moscou em relação à comédia britânica “Stalin’s Death” (A morte de Stalin, em tradução literal). Na sátira, o ditador é culpado pelas mortes de milhões de cidadãos soviéticos. Mas ele também representa a vitória sobre a Alemanha nazista.

O ministro da Cultura, Vladimir Medinsky, proibiu o filme em cinemas russos com o argumento de que “muitas pessoas […] consideram isso como uma zombaria insultante do passado soviético”. E, segundo Medinsky, seria particularmente inadequado mostrar o filme na véspera da celebração da Batalha de Saltingrado em 2 de fevereiro.

O que falta para gesto à lá Verdun?

Há reconciliação após 75 anos? Um sucinto sim. Mais de 700 mil pessoas – soldados e civis – morreram nos combates e no cerco. Até hoje, cadáveres e valas comuns sãos descobertos durante trabalhos de construção na cidade e em seus arredores. E, evidentemente, também restos mortais de soldados alemães.

Graças à cooperação entre o Volksbund Deutscher Kriegsgräberfürsorge (organização humanitária responsável pela manutenção e conservação de sepulturas alemãs de guerra na Europa e no norte da África) e autoridades russas, os restos mortais estão sendo transferidos para cemitérios militares oficiais, como o de Rossoschka, nos arredores de Volgogrado. Lá estão enterrados os soldados da Whermacht e membros do Exército Vermelho, separados por uma rua, mas ainda assim no mesmo cemitério.

Até que ocorra um gesto de reconciliação semelhante ao aperto de mão entre o então chanceler federal alemão Helmut Kohl e o ex-presidente francês François Mitterand, em 1984 nos antigos campos da Batalha de Verdun, um longo caminho ainda terá de ser percorrido. O historiador Hellbeck disse sentir falta de prontidão em ambos os lados.

Na Rússia, ainda existem reservas. Mas, mesmo na Alemanha, não há “predisposição e nenhum sentimento que corresponda ao sentimento demonstrado para com os vizinhos ocidentais -franceses, britânicos ou americanos”. Segundo Hellbeck, deve-se sempre reconhecer um pedaço da memória do outro.

“Não se pode fazer de Stalingrado um abate em massa sem sentido como memória obrigatória entre alemães e russos”, afirmou Hellbeck, pois a Batalha de Stalingrado não foi sem sentido para os russos. Mas Hellbeck mantém a esperança: “Espero ainda presenciar que um estadista alemão e um presidente russo deem as mãos perto das sepulturas de Stalingrado”.

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