Como uma única fêmea mutante deu origem a uma espécie com bilhões de indivíduos – e que se tornou um problema ambiental
ROTANEWS176 E BBC BRASIL.COM 08/02/2018 07:54
Depois de sequenciar o DNA da espécie Procambarus virginalis, popularmente conhecida como ‘lagostim de mármore’, uma equipe de pesquisadores de vários países concluiu que todos os indivíduos existentes hoje são descendentes de uma única fêmea criada em cativeiro.
Esta fêmea passou por uma mutação e começou a se reproduzir de forma assexuada, clonando a si própria. Um estudo sobre o caso foi publicado nesta semana na revista científica Nature Ecology and Evolution.
Reprodução/Foto-RN176 Uma única fêmea de aquário deu origem à nova espécie | Foto: Chris Lukhaup/DKFZ Foto: BBCBrasil.com
Os clones, todos do gênero feminino, estão há três décadas produzindo filhas de si próprias e se expandindo pelo mundo.
Frank Lyko é biólogo molecular do Centro Alemão de Investigação em Câncer e um dos co-autores do estudo. Ele chamou o fenômeno, em um blog do site da revista Nature, de “invasão dos clones”.
E não é para menos. Hoje em dia, o ‘lagostim de mármore’ é considerado uma espécie super-invasora, presente em várias zonas da Europa, África e Ásia, ameaçando ecossistemas lá presentes.
A mãe dos clones
“A origem do fenômeno, por enquanto, é desconhecida”, escreveu Lyko. O biólogo também foi o responsável por descrever a espécie em 2015. Foi ele que escolheu o nome Procambarus virginalis , que em latim significa “lagostim ou carangueijo virgem”.
A primeira vez que Lyko viu um exemplar da espécie foi em 2015, quando um criador lhe mostrou alguns animais que tinha comprado em uma feira de aquarismo na Alemanha.
Os então chamados “lagostins do Texas”, escreveu Lyko no blog, “se propagaram rapidamente no aquário. Eram grandes e esteticamente agradáveis, o que os tornou populares entre os aquaristas”.
Logo descobriu-se que um único indivíduo podia produzir centenas de ovos de uma vez. Poucos anos depois, o Procambarus virginalis já estava disponível em lojas de aquarismo em várias partes do mundo, e começaram a aparecer registros de populações selvagens, provavelmente graças à liberação por humanos.
Por enquanto, o que se sabe é que o primeiro indivíduo foi uma fêmea de cativeiro. Mas não está claro se ela viveu na Alemanha. Pode, inclusive, ter vindo dos Estados Unidos.
Reprodução/Foto-RN176 O ‘lagostim de mármore’ tem cerca de dez centímetros de comprimento | Foto: Chris Lukhaup/DKFZ Foto: BBCBrasil.com
É que os ‘lagostins de mármore’ são descendentes de animais de rio (Procambarus fallax ), uma espécie endêmica do Estado da Flórida, nos EUA. Mas essa espécie se reproduz de forma sexuada (com macho e fêmea).
O que é certo é que, de alguma forma, uma fêmea de aquário sofreu uma mutação que a levou a ter três pares de cromossomos em vez de dois, como é o usual.
Em vez de apresentar má formações que a impedissem de sobreviver, esta fêmea desenvolveu a capacidade de produzir ovos, que se converteram em embriões e depois em lagostins fêmeas com os mesmos três pares de embriões.
Todas elas eram um clone da mãe, nascidas através de um processo conhecido como partenogênese.
Conquista do mundo
“Este único indivíduo fundou toda uma espécie, e agora temos bilhões deles em todo o mundo”, disse o neurocientista Wolfgang Stein à revista National Geographic. Stein, pesquisador da Universidade do Estado de Illinois (EUA), participou do estudo de Lyko.
Entre 2007 e 2017, a equipe registrou a forma como a incidência doProcambarus virginalis em Madagascar aumentou dez vezes, deixando de ocorrer em uma área de 1 mil quilômetros quadrados para ocorrer em 100 mil quilômetros.
Reprodução/Foto-RN176 Mapa de incidência do lagostim | Fonte: Zen Faulkes / Google Maps Foto: BBCBrasil.com
“Eles são encontrados em água mais ácida e mais alcalina; em água contaminada e na água limpa, e sempre têm a mesma composição genética”, diz Stein.
Os lagostins também conseguem se adaptar em diferentes condições ambientais, como mostra o mapa acima, elaborado pelo biólogo Zen Faulkes, da Universidade do Texas.
Por isso, a União Europeia e alguns Estados dos EUA proibiram a criação e uso da espécie, na tentativa de controlar a propagação.
Mas nem tudo é negativo na experiência com a espécie .
Segundo Lyko, o estudo do animal pode ajudar a entender melhor o câncer, inclusive os tumores desenvolvidos por humanos. Isto porque o câncer também é, ele próprio, uma mutação de células.
“Estamos vendo em câmera lenta, na evolução desses animais, algo que acontece durante as primeiras etapas da formação de um tumor”, disse ele à National Geographic.
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