Chineses escravizados em pastelarias no Rio vêm da mesma região, diz MTE

UOL E ROTANEWS176 E UOL 05/05/2015 06h00                                                                                           Por Celso Barbosa/Futura Press

Trabalho escrava

1

Reprodução/Foto-RN176  Em abril de 2013, uma pastelaria foi fechada após ser constatado funcionário em regime análogo à escravidão. Segundo denúncia, o chinês era escravizado e torturado em uma pastelaria na zona norte da cidade e teria sido comprado por R$ 30 mil

Novos casos de trabalho ilegal em pastelarias chinesas preocupam o MTE-RJ (Ministério do Trabalho e Emprego do Rio de Janeiro). O MTE aguardava receber, na última semana, os documentos que comprovassem vínculo legal de pasteleiros flagrados na Operação Yulin, realizada em conjunto com o Procon-RJ no dia 17 de abril. Apenas uma carteira de trabalho foi apresentada –mas pelo menos outras sete eram esperadas.

A ausência dos documentos pode ser apenas mais uma ponta visível de uma complexa rede de tráfico de chineses para o Rio. Os trabalhos do MTE apontam que os estrangeiros vêm de uma mesma região da China, Guangdong, muito próxima a Hong Kong.

Relatos de chineses apontam para a existência de anúncios espalhados na cidade convocando trabalhadores para serviço no Brasil. Para custear a viagem, essas pessoas estariam contraindo dívidas com agências ainda na Ásia.

Para quitá-las, entram no Brasil com visto de turista, mas trabalham em condições degradantes em pastelarias do Estado do Rio. Em vez de pagamento em dinheiro, em alguns casos, esses trabalhadores recebem apenas comida e alojamento.

“É muito grave o problema. Não se trata nem só de um crime de escravidão, é um crime de tráfico de pessoas. São agentes que estão operando lá na China em conluio com pessoas aqui no Brasil, traficando essas pessoas que ficam triplamente vulneráveis, pelos fatores econômico, geográfico e do idioma”, disse a auditora do MTE Márcia Albernaz.

Já são três casos flagrados de escravidão em pastelarias. O primeiro foi descoberto em 2013, em Parada de Lucas, na zona norte da capital fluminense. Yan Queng Quan trabalhava 17 horas por dia e era agredido pelo seu primo e patrão, Yan Ruilong, que foi condenado a dois anos e meio de prisão.

O segundo caso ocorreu em Muriqui, distrito de Mangaratiba. Um jovem de 15 anos, cujo nome ainda está sob proteção, chegou à pastelaria em 2012 e, até 2014, trabalhou 14 horas por dia, sem descanso, sem receber salário.

Após fugir a pé por mais de 20 km e chegar à cidade de Itaguaí, encontrou ajuda e se comunicou usando o tradutor do Google. O patrão do jovem possui pelo menos mais dez outros estabelecimentos como esse e, obrigado pelas autoridades brasileiras, pagou um valor equivalente a todo o período. A Secretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio, a Polícia Federal e a Interpol trabalham para saber se o jovem, agora com 18 anos, tem segurança para voltar a seu país.

Neste ano, mais um caso grave foi descoberto em Copacabana, na zona sul do Rio. Três jovens chineses revelaram que o patrão, entre outras irregularidades, retinha o salário combinado e só repassava parte da quantia, sem periodicidade, o que é ilegal no Brasil.

O MTE enquadrou a relação como análoga à escravidão e, por isso, os jovens ganharam um visto de trabalho especial. Após receberem do empregador mais de R$ 30 mil cada um, decidiram seguir trabalhando no mesmo local.

Algo que também tem chamado atenção na investigação é que, em muitos casos, os donos formais dessas pastelarias –na maioria, chineses– também sofrem com as baixas condições de trabalho, ao dormir em alojamentos e ter pouco dinheiro para si. Parte deles não consegue nem mesmo se comunicar em português.

O dono de uma pastelaria em Vila Isabel revelou que não consegue ficar com dinheiro algum após pagar R$ 5.000 para quem estaria arrendando o ponto. Assim, os auditores do MTE passaram a considerar o dono formal da pastelaria também como empregado.

Em um caso em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, chineses fugiram em uma camionete luxuosa após a chegada da fiscalização. A suspeita é que os donos dos estabelecimentos também possam estar sendo explorados. O MTE prossegue com as investigações e prevê novas operações.

Além da situação trabalhista, a higiene das pastelarias da cidade — não só as chinesas– preocupa a Vigilância Sanitária. “É um segmento que não preza muito pela higiene. Das 29 pastelarias inspecionadas, 24 foram multadas. Dez foram interditadas totalmente, e outras três parcialmente”, afirmou Luis Carlos Coutinho, superintendente de alimentos da Vigilância Sanitária da cidade do Rio.

Não há dados oficiais que apontem quantas pastelarias chinesas existem na cidade do Rio, mas o número é estimado pela Vigilância Sanitária em 150. Recentemente, circulou a informação de que carne de cães era armazenada para consumo em uma pastelaria em Parada de Lucas, na zona norte. A informação, no entanto, não é confirmada oficialmente. Mesmo assim, a Vigilância colheu 30 amostras de carne na cidade.

Procurada, a Polícia Federal não revelou se investiga qualquer atividade criminosa envolvendo as pastelarias do Rio. Apenas informou que, em 2014, 72 mil chineses chegaram ao país, enquanto 71 mil saíram. O Consulado-Geral da China na cidade pediu para a reportagem procurar a Embaixada, que, por sua vez, pediu para entrar em contato com o Consulado.

A gravidade do assunto e a limitação do idioma dificultaram a aproximação da reportagem com os chineses em pastelarias, que se recusaram a conceder entrevista. Bem perto do prédio do Ministério do Trabalho no Rio, num fim de tarde na última semana, uma roda de pagode acontecia em frente a uma pastelaria chinesa. Ao ser questionada sobre se música na rua também é comum na China, a jovem desamarrou um sorriso e balançou a cabeça em negativo. “Lá é só karaokê, né?”