‘Voltei da morte e me descobri presa em meu próprio corpo’

ROTANEWS176 E POR BBC NEWS 06/06/2018 13:03                                                                                              Por Lauren Turner

O coração de Rikke Schmidt Kjaergaard parou de bater por 40 segundos por culpa de uma bactéria mortífera – e, a partir de então, ela passou por um coma, ficou enclausurada em seu corpo e batalhou dia a dia para se recuperar.

 

Imagine descobrir-se, subitamente, preso em uma existência em que você não consegue falar, se mover ou mesmo respirar sem ajuda alheia.

Reprodução/Foto-RN176Por um período de tempo, Rikke Schmidt Kjaergaard só conseguia se comunicar com piscadas de olhos Foto: Katrine Philp / BBC News Brasil

O seu coração parou de bater na ambulância a caminho do hospital, o que significa que você tecnicamente morreu, mas os médicos conseguiram ressuscitá-lo.

Agora, você tem de encontrar um modo de conviver com a nova realidade: estar “preso” dentro de seu próprio corpo, que não responde aos seus comandos.

Sua família, devastada, é avisada pelos médicos a preparar o seu velório, e seu marido decide que vai soltar as suas cinzas na cidade britânica de Cambridge, um lugar onde vocês compartilharam momentos especiais.

E seus três filhos têm de, imediatamente, tomar medicamentos para prevenir que eles se contaminem com a mesma bactéria mortífera que afetou você.

Foi esse o cenário vivido pela cientista Rikke Schmidt Kjaergaard, então com 38 anos, no primeiro dia do ano de 2013 – tudo em “um piscar de olhos”, frase que virou o título de seu recém-lançado livro de memórias (The Blink of an Eye , no original em inglês).

5% de chances de sobrevivência

“Em um intervalo de 12 horas, eu fui de me sentir mal a entrar em coma”, ela conta. “Tive falência múltipla de órgãos, choque séptico, centenas de coágulos no sangue. As minhas chances (de sobrevivência) eram muito, muito pequenas.”

Os médicos estimaram em 5% a possibilidade de ela sobreviver à meningite bacteriana que a acometera, causada pela mortífera bactériaStreptococcus pneumoniae .

Rikke – que é dinamarquesa e vive em Copenhague – ficou dez dias em coma, sob risco de danos cerebrais.

E, à medida que saía do coma, descobriu-se consciente, mas incapaz de usar seu próprio corpo.

Algo vai mal

Peter, seu marido, foi o primeiro a perceber que algo ia mal.

Tudo começou quando Rikke começou a se queixar de frio depois de um passeio familiar e foi se deitar. Mas logo começou a sentir febre e a vomitar.

Reprodução/Foto-RN176 Rikke (à esq.) com o marido (à dir.) e seus três filhos, em 2014, após sua recuperação; ela ficou cinco meses internada Foto: Rikke Schmidt Kjaergaard / BBC News Brasil

“Peter percebeu antes de mim que as coisas não iam bem”, diz ela à BBC News. “Eu tentava dizer a ele que estava apenas gripada.”

Peter acrescenta, se voltando à mulher: “Você não estava em condição nenhuma de perceber o quão doente estava. A última coisa que você me disse antes de entrar em coma foi ‘Lembre-se de cancelar a sessão de massagem’.”

Não havia nenhuma sessão marcada – Rikke já estava delirando àquela altura. Sua temperatura havia subido de 35ºC a 42ºC em apenas 15 minutos.

A família chamou um médico, que prescreveu medicamentos para a gripe. Mas, na manhã seguinte, Rikke não conseguia sequer se sentar. Mais um médico foi examiná-la – e, a essa altura, sua sobrevivência já estava a perigo.

“Se (ele tivesse chegado) dez minutos depois, nós não estaríamos juntos hoje”, conta Peter.

‘Tudo escureceu’

No caminho ao hospital, o coração dela parou de bater por 40 segundos.

“É um tempo longo”, ela diz. “Não tenho nenhuma lembrança disso. Tudo havia escurecido – não havia nada.”

Peter conta que, a partir disso, ouviu da equipe médica que deveria se preparar para o momento em que seriam desligados os aparelhos que mantinham sua mulher viva. “Todo o mundo achou isso ia acontecer (a morte de Rikke).”

“Mas ela é muito teimosa”, ele acrescenta, sorrindo. “Ela não aceitou abandonar a vida.”

Piscar para se comunicar

Ao recuperar a consciência, a gravidade do quadro de Rikke começou a se formar.

“Com o tempo, fui percebendo o que estava acontecendo”, ela relembra. “Percebendo que eu não conseguia me mexer ou falar. É terrível a sensação de ficar presa ao seu corpo.”

Peter certo dia perguntou a Rikke se ela conseguia vê-lo, e notou que ela piscou. “Foi quando percebemos que ela ainda estava responsiva”, conta. “Saber que não tínhamos perdido ela… foi um dos momentos mais bonitos da minha vida.”

A partir daí, começaram a se comunicar com piscadelas: uma era “não”, duas eram “sim”.

“Foi um alívio descobrir que eu conseguia me comunicar”, diz Rikke. “Mas, ao mesmo tempo, era tão difícil conseguir fazê-lo.”

Reprodução/Foto-RN176  Rikke, com o marido ao fundo, teve de aprender a andar novamente e perdeu quase toda a vista de um olho Foto: Rikke Schmidt Kjaergaard / BBC News Brasil

Rikke conta que suas memórias desse período são confusas, mas que ela encontrou forças no marido.

“A única coisa de que eu me lembro bem é de que precisava escutar a voz de Peter, ver Peter”, diz. “Quando eu o via ou escutava, me acalmava. Ele foi o meu salva-vidas.”

Questionada a respeito de qual foi o momento principal de sua recuperação, Rikke sorri e diz que foram “várias vitórias”. Mas acrescenta: “Provavelmente foi a primeira palavra (dita com a recuperação da fala). Meus filhos estavam ali, Peter estava ali. Foi simplesmente incrível.”

A palavra que ela escolheu dizer? “Estranho.”

Foi a palavra que resumiu suas circunstâncias, bem como o fato de que – como ela mesmo diz – teve de “aprender a fazer tudo outra vez”.

“Aprender a respirar, a engolir, a me mexer.”

‘Viver o dia a dia’

O mais difícil disso tudo, diz Rikke, foi não conseguir “ser mãe e mulher”. “Não conseguir estar presente para as crianças e para Peter. Isso foi devastador.”

Mas, passados quatro meses de sua internação, quando ela explicou a uma enfermeira o quanto sentia falta de abraçar seus filhos, foi autorizada a dormir com eles na cama hospitalar.

“Eu fiquei nas nuvens”, ela lembra. “Eles pularam na cama.”

“Com muito cuidado”, brinca Peter.

Rikke conseguiu se recuperar depois de cinco meses internada, ainda que com sequelas graves: a maioria de seus dedos da mão tiveram de ser amputados após gangrenarem, e ela é quase cega de um olho.

Mas sobreviveu e se reabilitou, aos poucos e contra todos os prognósticos.

Depois, decidiu abrir sua própria empresa – cuja missão é ajudar pessoas com doenças crônicas a controlar seus dados médicos – e escrever um livro, que ela espera que acolha familiares, médicos e pessoas que vivam experiências semelhantes de enclausuramento dentro do próprio corpo.

“A equipe médica disse que ficaria muito grata por eu escrever isso, para ajudar-lhes (a entender como lidar com pacientes) e facilitar as coisas.”

Rikke diz que hoje tem plena consciência do presente que recebeu e quer que sua vivência ajude mais pessoas a darem valor a suas vidas.

“Quero devolver à vida com este livro”, diz. “E viver a vida, dia a dia.”

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