PT não pode ficar dependente de Lula, diz fundador da sigla

O gaúcho Olívio Dutra defende o ex-presidente, mas é crítico ao apego do partido na figura de Luiz Inácio Lula da Silva

ROTANEWS176 E POR DW 14/08/2018 15h21

Um dos fundadores do partido, ex-ministro critica estratégia para a campanha eleitoral, diz que vice já deveria ter sido definido antes e pede autocrítica sobre casos de corrupção.O ex-ministro e ex-governador petista Olívio Dutra é duro quando fala do partido que ajudou a fundar em 1980. “A esquerda não tem que fazer concessões à corrupção. No PT não deveria ter nenhuma pessoa envolvida nisso, e nós temos um mínimo de pessoas envolvidas nisso. O PT tem que rever isso, se autocriticar, mas seguir adiante”, afirmou em entrevista à DW.

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Dutra defende o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirmando que ele “não roubou nem autorizou ninguém a roubar”, mas é crítico quanto à proeminência de Lula dentro do partido. “Um partido como o PT não pode ficar dependente de uma única figura, por mais importante que seja, como é o caso do Lula.”

Reprodução/Foto-RN176  Olívio Dutra, um dos fundadores do PT, e ex-governador do Rio Grande do Sul Foto: André Antunes / Futura Press

Para ele, a direção nacional do PT também “embicou mal o barco” na sua estratégia para a eleição presidencial de 2018. “Do ponto de vista jurídico e do ponto de vista político, para essas elites que deram o golpe em agosto de 2016, o Lula não é candidato. Então não tem ficar no ‘me engana que eu gosto'”, disse.

O ex-ministro acredita que o PT deveria ter definido logo quem seria o vice de Lula. “Se tivesse feito isso, [o partido] teria se apresentado melhor num embate nada fácil, já dando autoridade para o vice ir dialogando. Houve um equívoco nessa coisa de ir caminhando para frente, mas ficando cada vez mais aprisionado numa única condição.”

Dutra não ocupa cargo público nem concorre nas eleições deste ano. Figura histórica do PT, ele foi o primeiro prefeito petista de Porto Alegre, eleito em 1988, quando deu início a 16 anos de domínio petista na capital gaúcha.

Reprodução/Foto-RN176  Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva 13/12/2017 REUTERS/Adriano Machado Foto: Reuters

As sucessivas vitórias em Porto Alegre culminariam na conquista do governo estadual em 1998, também com Dutra, e acabaram se refletindo na política nacional. Do PT gaúcho saíram nomes como o próprio Dutra, o também ex-ministro Tarso Genro e a ex-presidente Dilma Rousseff.

DW: O senhor já emitiu opiniões bem contundentes sobre o seu partido, falou que há pessoas dentro do partido que “estragaram o PT”. Como o partido está lidando com isso?

Olívio Dutra: O Partido dos Trabalhadores não é um partido de uma pessoa, de duas ou de meia dúzia. E como a gente diz aqui no Sul, não há saco de batata que não tenha uma podre no meio. O PT não é do ciclano ou beltrano, é um sujeito coletivo, não um sujeito individual. E o PT não compactua com desvios de conduta que impliquem em individualismo, aproveitamento de cargos para enriquecimento pessoal ou favores para amigos ou familiares. Quem fez isso fez em nome pessoal e não do partido, e o partido tem que saber trabalhar essa questão. Tem figuras do PT notoriamente envolvidas em questões que vão contra nossa ética partidária, nossos conceitos, nossa visão de política.

O PT mudou com todos esses escândalos que associaram o partido à corrupção?

É evidente que a esquerda, os partidos democráticos e populares não têm que fazer concessões com atitudes de corrupção dentro ou fora da máquina pública e apropriação de dinheiro público para beneficio pessoal, de amigos ou de grupos. Evidente que isso fere a ética partidária. Eu acho que isso nenhum partido pode defender, mas os partidos do campo do neoliberalismo, do Estado como propriedade privada, esses praticam a corrupção desde que existem. E dentro do PT não deveria ter nenhuma pessoa envolvida nisso, e nós temos um mínimo de pessoas envolvidas nisso, mas, na verdade, não deveríamos ter nenhuma. O PT tem que rever isso, se autocriticar, mas seguir adiante. O PT é um sujeito coletivo e, portanto, tem capacidade de, se autocriticando, também se aperfeiçoar.

Como o senhor está vendo a estratégia do PT nessas eleições, de lançar o Lula candidato mesmo sabendo que ele será barrado pela Lei da Ficha Limpa?

Primeiro de tudo, eu quero dizer que o Lula, para mim, não roubou, não se enriqueceu, não autorizou ninguém a roubar, não facilitou para ninguém a apropriação do dinheiro publico. O Lula é um companheiro correto, decente, respeitador da coisa pública, do espaço público, do dinheiro público. É um operário, é um trabalhador que sabe que o dinheiro público é escasso e não pode ir para quem já tem, mas precisa ser direcionado para quem mais precisa. O Lula está sendo condenado por crimes que não cometeu. Como é que ele pode ser dono de um tríplex se o próprio Judiciário já colocou o tríplex a venda porque o dono, uma empresa, teve que vendê-lo para pagar dívidas da empresa. Não é dívida do Lula. O Lula esteve uma única vez nesse tríplex. Não tem nenhuma escritura, portanto é um crime do qual ele esta sendo acusado sem comprovação nenhuma. Isso é uma armadilha.

Mas e sobre a estratégia de lançar Lula candidato?

Eles dizem também que ele tem um sitio lá, não me lembro qual é o nome da cidade… Atibaia.

Um sítio onde ele nunca foi. Eu não vejo provas para que o Lula possa ser acusado.

Mas o que o senhor acha dessa estratégia do partido?

Olha, eu não sou instância partidária, portanto eu não posso definir pelo partido. Eu também não sou membro do diretório nem municipal, nem estadual, nem federal. Eu sou um dos fundadores do partido, com muita honra, e, aqui no Rio Grande do Sul, eu sou presidente de honra. Mas eu não falo como instância do partido. A minha opinião sobre isso é que a maioria que dirige hoje o partido embicou mal o barco.

O Lula está preso inocentemente e não se pode abandonar o Lula porque ele é um preso inocente. O partido evidentemente quis respaldar o Lula, mas o Lula não é o partido, e o partido não é o Lula. Eles se relacionam, e é uma honra ter uma figura de tamanha importância, como o Lula, como um dos fundadores do PT, uma liderança, uma figura reconhecida internacionalmente. Até maior que o PT. Mas o próprio Lula nunca quis ser reconhecido como o cacique do PT ou fazer tudo depender dele, então, faltou a direção nacional dar mais força para as instâncias coletivas do partido, e, nessa situação do Lula, tê-lo colocado já quatro meses atrás como pré-candidato oficializado, já com um ou uma vice-presidente. Se tivesse feito isso, evidentemente que [o partido] teria se apresentado melhor num embate nada fácil, já dando autoridade para o vice, ele ou ela, ir dialogando com as outras forças do campo democrático popular, que legitimamente já tinham figuras e apresentaram figuras para a Presidência. Houve um equívoco nessa coisa de ir caminhando para frente, mas ficando cada vez mais aprisionado numa única condição.

Agora tá dada a coisa. Eu acho que não tem essa coisa de ficar achando que há uma saída jurídica para o Lula ser o candidato. Do ponto de vista jurídico e do ponto de vista politico, para essas elites que deram o golpe em agosto de 2016, o Lula não é candidato. Então não tem ficar no “me engana que eu gosto”. Temos que enfrentar, e vamos para essa eleição com a pessoa que vai representar o projeto que o Lula representa.

O senhor escreveu esses dias um comentário no Facebook apoiando texto no qual o ex-deputado Marcos Rolim alerta para o risco de vitória do fascismo (o artigo foi publicado pelo site Sul21 e compartilhado nas redes sociais em julho deste ano). O senhor menciona que “é fundamental enfrentar a onda fascista e seu candidato”. O senhor estava falando do Bolsonaro?

Eu estou falando do campo de direita neofascista, que não tem só o Bolsonaro, tem outras figuras. Às vezes colocam o Bolsonaro ali na frente. Evidente que os figurões do campo de direita e de centro-direita neofascista queriam um cara mais burilado, mas na situação de o campo mais progressista se apresentar em condição de ganhar a eleição, eles colocam o Bolsonaro ali na frente. É como o cara que tem um buldogue dentro de casa, se sente ameaçado e joga aquele cachorrão na frente.

Não podemos aceitar de nenhuma forma qualquer discurso discriminatório, qualquer discurso que estigmatize as pessoas por conta das suas opções de vida ou por conta da sua etnia ou condição econômica, da sua condição social. O campo popular democrático, evidentemente, não pode compactuar com nenhum discurso, seja disfarçado ou claro e aberto, que exclua as pessoas e que ache que as pessoas são como um lixo na cidade, que têm que ir para as mais distantes periferias, e as cidades, ao invés de serem inclusivas, são excludentes.

Como o senhor vê os caminhos distintos que o senhor e o Lula tomaram?

Nós somos milhares, e o PT não foi construído só por mim ou pelo Lula ou por outras pessoas importantes que eu tenho deles a melhor lembrança e muita estima. Aprendi muito com a convivência com esses companheiros dentro do movimento social, sindical, popular, no exercício de mandatos que exercemos, mas a liderança do Lula foi tomando uma expressão tal que ele é uma referência além do PT, além do país. É referência na América Latina, no mundo. Ele é realmente uma figura importante porque ele não vem das elites tradicionais do país, do latifúndio, dos canavieiros, da grande indústria, do grande comércio, dos banqueiros ou das elites tradicionais. Ele é um cidadão que veio das camadas mais sofridas da população brasileira. Não é assim, de uma hora para outra, que se criam lideranças desse porte. Mas um partido como o PT não pode ficar dependente de uma única figura, por mais importante que seja, como é o caso do Lula. O Partido dos Trabalhadores não é o partido de uma pessoa nem de meia dúzia. É uma construção coletiva. Então, essa conduta que eu vejo da maioria que dirige o partido não ajuda ao Lula nem ao próprio partido.

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