A tradição e as histórias dos dois últimos Fuscas usados como táxis no Rio

BRASIL

ROTANEWS176 E POR O DIA 17/02/2019 06h00                                                                                                      Por FRANCISCO EDSON ALVES

 Veículos ficam em um ponto na Usina, na Grande Tijuca

Reprodução/Foto-RN176 Os primos Marcos (E) e Rodolfo posam orgulhosos com suas ‘relíquias’ – Daniel Castelo Branco

Rio – Diz o velho ditado que Fuscas não rodam, desfilam. No Estado do Rio, entre os mais de 245,7 mil deles que estão regularizados no Detran-RJ e ainda em circulação, dois são verdadeiros xodós da população carioca. E não é para menos. Eles são os últimos Fuscas usados como táxis na capital, com ponto no Largo da Usina, na Grande Tijuca, aos pés do Alto da Boavista.

E quem pensa que depois de três décadas de serviços prestados os velhos ‘besouros’, como são chamados, estariam em ‘ponto morto’, está muito enganado. Tanto que taxistas vão reivindicar à Prefeitura do Rio pelo menos mais seis vagas para que outros Fuscas possam fazer o transporte de passageiros na região.

Por enquanto, Rodolfo Cardoso, de 53 anos, e o primo, Marcos Cardoso, 58, são os ‘heróis da resistência’ desse patrimônio carioca. Porém, o ponto na Tijuca, que já chegou a ter 12 Fuscas, em 2016, só não foi fechado de vez — o Código Disciplinar do Serviço de Transportes de Passageiros, de 2014, limita a vida útil da frota de táxis em seis anos — em virtude de um abaixo-assinado com mais de três mil assinaturas. E desde meados da década de 1990, os dois ‘besouros’ se mantêm com autorização especial da prefeitura.

“Para nós é um orgulho manter essa tradição, que, inclusive, atrai turistas. Exitem famílias inteiras que vêm aqui só para dar uma volta e tirar fotos. As crianças adoram e os mais velhos chegam a chorar de emoção”, revela Marcos, orgulhoso, mostrando álbuns de retratos em seu celular.

Rodolfo, por sua vez, não esconde a paixão pelo Fusquinha, que pertence a outro primo, Luiz Cláudio Cardoso, 51. Dele, herdou, há um ano, a direção do “Possante”, como carinhosamente chama o veículo.

“Fazemos, em média, entre 30 e 50 corridas por dia, cada um rodando em torno de 100 quilômetros a cada 24 horas”, calcula Rodolfo, ao lado da namorada, Josy Almeida, 50. “Ela é uma das minhas clientes. Não sei se ela gosta mais de mim ou do Possante”, brinca Rodolfo, no melhor estilo do lendário Herbie, personagem do filme ‘Se meu Fusca Falasse’, da Disney (1968).

Com quebra-ventos no lugar de ar-condicionado, duas portas e sem o banco do carona (para facilitar o embarque de cadeirantes e pessoas com compras de supermercados), os Fuscas táxis têm suas peculiaridades. A porta do lado direito, por exemplo, é fechada com a ajuda de uma corda. “Tem que ter um apetrecho assim. Não somos homens elásticos”, justifica Marcos, em meio a uma das muitas ladeiras com paralelepípedos da região. “Em certas vias, só Fusca chega. Além disso, eles já estão incorporados culturalmente na história da cidade do Rio”, atesta a também taxista e guia turística, Tânia Aguilar, do Aplicativo Táxi Rosa. “Às vezes, de folga, deixo o meu táxi e vou para a Usina para passear nessas raridades”, confessa.

Vice-presidente do Veteran Car Club do Rio, primeira associação a reunir apaixonados por carros antigos no país, Fernando Gameleira, que é tijucano, se empolga com a possibilidade de expansão dos Fuscas táxis. “O passado pode conviver com o presente e ainda fazer sucesso”, justifica.

De medicina a casos hilários

Marcos Cardoso conta emocionado que, graças ao seu Fusca táxi, ele cria sua família. “Paguei a faculdade da minha filha, Marcela, 27, recém-formada em medicina, com ele”, justifica.

Marcos e Rodolfo colecionam histórias. Algumas hilárias. “Como não tem o banco do carona, certa vez um bêbado entrou e se deitou no chão. Deu um trabalhão para sair”, lembra Rodolfo, que define o Fusca como seu “brinquedo preferido” e “pau para toda obra, a toda hora”.

Segundo a dupla, um outro passageiro usava o Fusca táxi só para passar agachado em frente à porta de um bar que ele devia.

Forte e resistente, o Volkswagen Fusca brasileiro completou 60 anos em janeiro. O carro é tão querido, que até 2017, mesmo 12 anos depois de sua fabricação ter parado, 82 mil foram comercializados, segundo a Federação Nacional da Distribuição Veículos Automotores (Fenabrave).