ROTANEWS176 E POR BBC NEWS BRASIL 19/05/2019 18h02 Dalia Ventura – BBC News Mundo
Seguindo os traços que o tempo deixou nas rochas do Grand Canyon, voltamos ao tempo do supercontinente Pangeia
Em um lugar na Terra, há um portal do tempo que permite ver a história do nosso planeta. Sua conexão direta com um passado misterioso, cujos segredos são escritos na linguagem da geologia, revelam um mundo perdido há muito, muito tempo.
A evidência que revela esse passado antigo está escondida em rochas, paisagens e até alguns animais, e fala de um momento decisivo da evolução da espécies e que transformou a história humana.
Reprodução/Foto-RN176 As rochas do Gran Canyon permitem entender como ocorreu a evolução na Terra Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Este lugar é o Grand Canyon, nos Estados Unidos. Suas rochas são o ponto de partida para entender a origem do sexo.
Há 413 milhões de anos, o norte e o sul das Américas, separados por milhares de quilômetros de oceano, se movimentavam em direção um ao outro, em uma colisão lenta que levantou enormes montanhas ao longo da zona de impacto.
Naquela época, todas as massas de terra do planeta se uniram e formaram um único supercontinente gigante, a Pangeia, com o que hoje são as Américas bem no centro.
Ainda há vestígios desse mundo em lugares como Manhattan, onde rochas com cerca de 300 milhões de anos, conhecidas como xisto, podem ser encontradas até mesmo na superfície.
Reprodução/Foto-RN176 Em certas partes do Central Park, o xisto chega à superfície, como no Castelo Belvedere Foto: Getty Images / BBC News Brasil
A Pangeia teve uma enorme influência no moderno continente americano, determinando desde a distribuição dos recursos naturais até, em casos como o de Nova York, a forma das cidades.
Mas o supercontinente acabou deixando marcas em todo o planeta, porque desempenhou um papel crítico em um dos desdobramentos evolutivos mais importantes da história da vida na Terra: o surgimento do ato sexual.
Esse importante evento só pode ser entendido ao se viajar para os primeiros dias da Pangeia – e o próprio Grand Canyon pode nos conduzir a esse momento.
Um passado escrito em pedra
Sua paisagem condensa mais de 1,5 bilhão de ano – há rochas desde quando a única vida que existia era unicelular a formações com cerca de 500 milhões de anos, quando a vida tornou-se mais complexa.
Um grupos de rochas conhecido como Formação de Supai data do período mais antigo da Pangeia, antes de estar completamente formada.
Reprodução/Foto-RN176 As camadas de rocha supai são vermelhas porque estão cheias de ferro Foto: BBC News Brasil
Graças a ele sabemos que, no início, o supercontinente foi um lugar com bastante água. Fósseis nestas rochas revelam que o tipo de vida que existia naquela época era anfíbio.
Hoje, anfíbios, como salamandras e sapos, são menos abundantes. Antes de a Pangeia se formar, eles dominaram a Terra – afinal, foram os primeiros a explorá-la.
Para eles, a água foi e continua a ser imprescindível, particularmente para a reprodução e sua metamorfose, de modo que o ambiente “molhado” dos princípios da Pangeia era ideal para eles.
Mas, então, o mundo mudou.
A evidência está em algumas rochas amarelas chamadas de Formação de Coconino, que foi criada quando a América do Norte era parte do supercontinente e revela uma paisagem que mudou o curso da vida no planeta.
A superfície destas pedras é lisa. Se você se aproxima com uma lupa, vê muitos grãos de areia em volta, quase todos mais ou menos do mesmo tamanho. Isso mostra que elas foram formadas pelo vento que leva os grãos mais finos de areia.
Sabemos, por meio da Formação de Coconino, que o Grand Canyon tornou-se a fronteira ocidental de um deserto gigante há 250 milhões de anos que cobria quase tudo que hoje são as Américas, a África e a Europa.
Este enorme deserto foi resultado direto da formação da Pangeia. A grande massa de terra fez com que a maioria do continente ficasse tão distante do mar que os ventos não conseguiam trazer chuva até seu centro.
O fato de que grande parte da Terra se transformou em locais desertos deserto não foi uma boa notícia para os anfíbios. Sem água suficiente, eles eram como Adão e Eva antes de provar o fruto da árvore da sabedoria: não tinham chance de se reproduzir e, portanto, estariam condenados à extinção.
Mas isso não significa que na região árida do Pangeia não havia vida: outros animais surgiram. A prova está nas mesmas rochas, onde seus rastros foram imortalizados e mostram que estas criaturas se movimentavam com base em suas patas e caudas. Eram os répteis.
Tornozelos e o sexo
A maioria dos répteis se adaptou bem à vida terrestre, graças à sua pele dura e escamosa, seus pulmões bem desenvolvidos, seu sistema circulatório de duplo circuito, um sistema excretor que conserva água, pernas fortes e a capacidade de controlar a temperatura do corpo mudando lugar.
Mas isso não teria sido suficiente para evitar o destino dos anfíbios: para viver em ambientes superáridos, foi necessária uma inovação evolucionária essencial herdada por todos os répteis, aves e mamíferos.
Então, há 250 milhões de anos, as Américas não estavam apenas no centro da Pangeia, mas de uma grande mudança evolutiva. Para entendê-la, é preciso observar um animal antigo com uma reputação temível: o jacaré.
Seus ancestrais percorriam a América quando ela era parte de Pangeia. Sabemos que eram seus antepassados porque estes animais compartilhavam de uma adaptação verdadeiramente única: a articulação do tornozelo.
Esta conexão anatômica com os antigos répteis lhes permite manter os pés quase verticalmente sob o corpo quando estão em terra, e o pé pode girar durante sua locomoção com um movimento de rotação do tornozelo.
A forma como os antepassados do jacaré se moviam foi uma das razões pelas quais eles foram muito bem-sucedidos na Pangeia. Mas o maior avanço foi algo que os preparou para viver em um mundo desértico: o sexo.
O coito do jacaré é muito semelhante ao dos humanos, ao menos no estilo de cópula. A chave é a fertilização interna: entregar o espermatozóide dentro da fêmea, diretamente ao óvulo.
Reprodução/Foto-RN176 Os antepassados dos jacarés nos ensinaram a copular Foto: Getty Images / BBC News Brasil
A invenção do sexo
O sexo é a maneira mais eficiente e direta de conseguir a fertilização. É assim que répteis, pássaros e mamíferos modernos se reproduzem. Até esta “inovação”, a fertilização só poderia ocorrer externamente, na água.
Os anfíbios foram os primeiros vertebrados a ir para a terra. Mas, porque sua fertilização ocorria externamente, eles precisavam retornar à água para se reproduzir. Os répteis recém-evoluídos fizeram as coisas de maneira diferente. Fertilizaram e desenvolveram seus ovos dentro das fêmeas.
Os ovos tinham revestimentos duros e impermeáveis e continham líquido amniótico, com toda a energia e água necessárias para sustentar uma vida, algo que os anfíbios precisavam procurar em rios e lagos. Assim, ovo representou uma revolução.
Reprodução/Foto-RN176 Os ovos são a embalagem perfeita: suas conchas resistentes mantêm tudo o que é necessário para o embrião se desenvolver sem a necessidade do mundo externo Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Mais tarde, os mamíferos mantiveram esses fluidos de suporte vital e forneceram nutrição através de uma placenta. Mas ainda somos filhos desse primeiro réptil amniótico.
Os desertos de Pangeia eram uma barreira impenetrável para os anfíbios. Mas, para os répteis, a história era diferente. O desenvolvimento da fertilização interna e do ovo amniótico permitiram que eles se espalhassem e prosperassem em ambientes áridos.
É um maravilhoso exemplo de como a mudança ambiental pode ser o catalisador de avanços que eventualmente levaram à nossa evolução. E é interessante pensar que o modo como fazemos sexo foi moldado por aqueles desertos de um passado tão distante.