CULTURA E ARTE
ROTANEWS176 E POR O GLOBO 06/07/2019 19:43
“Foi o vovô mais amoroso e carinhoso que eu poderia ter tido”, diz publicação no perfil da neta Sofia Gilberto, de 3 anos, no Facebook
Reprodução/Foto-RN176 João Gilberto fotografado por sua neta, Sofia, em foto divulgada esta semana Foto: Sofia Gilberto / Acervo familiar
RIO — Ícone da bossa nova, o cantor João Gilberto morreu neste sábado, 6, aos 88 anos. A comoção pela perda de um dos maiores nomes da música brasileira imediatamente tomou as redes sociais. Familiares, artistas e personalidades manifestaram luto em seus perfis.
Caetano Veloso , cantor:
— Acabo de saber que o João Gilberto morreu. É um acontecimento de imensa importância para mim. Tudo somado, no meu ponto de vista, João Gilberto é o maior artista brasileiro de todos. No momento exato, preciso da minha vida, ele apareceu dando um sentido mais profundo à percepção das artes em qualquer estágio. Nem sei o que dizer sobre o fato dele ter deixado de existir como pessoa física.
Moraes Moreira , músico:
— Ele representou tudo porque, quando nós formamos os Novos Baianos, Luiz Galvão, um dos um dos componentes do grupo, falava sempre do João Gilberto. A gente sonhava com o dia que ia encontrar ele e isso aconteceu no começo dos anos 70, quando ele chegou de uma turnê nos Estados Unidos, onde a bossa nova era um sucesso. Fomos ao apartamento dele em Ipanema, conversamos um pouco e, lá pra meia noite, João começou a tocar violão e aquilo começou a me deixar arrasado, me senti um miserável, porque ali eu percebi que não era nada. Ali eu pensei seriamente em deixar de cantar e tocar porque não chegaria nem à metade do que ele era. Passei duas semanas em depressão até que ele foi visitar o apartamento dos Novos Baianos e me deu o apelido de “vaqueiro do som”. Ele é o produtor espiritual do disco “Acabou Chorare” é o nosso maior ídolo, maior mestre, nos ensinou tudo: sobre a vida, sobre música, sobre amizade, sobre Brasil e tudo mais. Agora estou aqui com muitas saudades e fica esse legado dele pra gente.
Pepeu Gomes , músico:
— No momento tão difícil, não posso deixar de citar que João Gilberto foi o músico mais importante na minha carreira musical e na minha vida. A minha formação vem do João, do meu convívio com ele na época dos Novos Baianos, o aprendizado que ele passou pra mim, que foi muito importante só de conviver com ele nas reuniões que ele fazia no apartamento do grupo, em Botafogo. Com João, aprendi a história da música brasileira. No último álbum dos Novos Baianos tem uma música que fiz em homenagem a ele, “Na Baixa do Sapateiro”. É uma perda irreparável e nós vamos continuar o legado dele através da música.
Georges Gachot , diretor do filme “Onde está você, João Gilberto?”:
— Nesse momento, penso na minha querida amiga Miúcha, que deixou o João Gilberto com um grande vazio no peito em dezembro, quando faleceu. Miúcha, com sua sensibilidade, cultura e inteligência era essencial na vida de João. Com sua morte, perdemos um criador, uma luz que trouxe para os meus quatro filmes sobre a musica brasileira força e inspiração constantes. No meu último filme, “Onde está você, João Gilberto?”, falo do meu amor pela voz e pelo violão dele — é minha homenagem para sua arte e para todas as pessoas que queriam entender os grandes mistérios da criação e do amor. Muito obrigado, João, por tanto amor que você nos deixou em cada nota de sua voz e violão. Você é o coração da beleza.
Adriana Calcanhoto , cantora:
— Todas as entrevistas de todos os meus ídolos da música brasileira tinham sempre uma coisa em comum: todos e todas diziam que ouviram um dia um som que não existia, que não parecia com nada, que apesar de cool era uma revolução e que suas vidas e carreiras, que suas escutas musicais nunca mais foram as mesmas. Hoje, com a perda desse gênio da musicalidade e do rigor, todos o tratam como o pai da bossa nova, mas eu penso que ele foi muito mais do que isso. Sem João não só não teríamos a bossa nova como não existiria toda uma linhagem da música do Brasil imensamente influenciada por sua invenção. São gerações formadas por ele, até hoje. O poder de síntese da batida do seu violão contaminou a nossa música para sempre, virou tudo de cabeça pra baixo e para sempre. Não há como mensurar o feito dele, não há palavras para agradecer por isso e não há como não estar profundamente comovida neste momento. Muito obrigada, João, por tudo. Falemos baixo, por favor.
Paulo Jobim , músico:
— Foi um artista incrível, super dedicado, cuidadoso, um músico maravilhoso. Tive alguns contatos com ele durante a vida, quando criança e depois que ele voltou de uma viagem do México, também encontrei algumas vezes. Eu sigo um pouco da referência dele como artista, não sei dizer o que, mas sem dúvida o João é um exemplo, um ídolo. Fiquei triste em saber da morte dele.
Ed Motta , músico:
— João Gilberto foi um capítulo imenso de grande importância na música mundial, um referencial porque ninguém fez voz e violão com tanta eloquência como ele. Um compositor de poucas músicas que era essencialmente um intérprete muito brilhante. A precisão do violão e afinação da voz são uma curiosidade, porque isso acontecia mesmo com a letra desafinada, e tudo o que ele não era é desafinado. Um cara que revolucionou a música do mundo, a música que todo mundo estava respirando nos anos 60, tudo foi infectado por aquilo, o jazz, as trilhas das músicas da tv, o cinema, tudo. Fica a mensagem de um artista íntegro, que nunca se vendeu, não existe um disco ele tenha jogado cunho comercial para a torcida. João tem uma história de dignidade e integridade, um dos artistas mais íntegros da música brasileira.
JOÃO GILBERTO, UM GÊNIO, UM BANQUINHO E UM VIOLÃO
Roberto Menescal , cantor e compositor:
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João Gilberto, que morreu no Rio aos 88 anos, inventou a batida que caracterizaria a Bossa Nova e revolucionaria a música brasileira Foto: Leo Aversa / Agência O Globo
João Gilberto Pereira de Oliveira nasceu em Juazeiro, na Bahia, em 10 de junho de 1931, e dedicou-se à música desde a adolescência. Ele se mudou para o Rio em 1950, mas não conseguiu sucesso inicialmente Foto: Arquivo / Agência O GloboJoão compôs em 1956 “Bim bom”, primeira música com a hoje lendária “batida da Bossa Nova”. A música encantou Roberto Menescal, que apresentou João a Tom Jobim, mudando a história da música brasileira Foto: Arquivo / ReproduçãoLançado em 1958, o compacto “Chega de saudade” apresentou a Bossa Nova ao mundo. No lado B, João tocava sua “Bim bom”. Críticos puristas estranharam aquele samba estilizado e chegaram a dizer que João desafinava Foto: ReproduçãoO cantor com Vinicius de Moraes e Tom Jobim, autores de “Chega de saudade”. Ao fundo, os integrantes do grupo vocal Os Cariocas, outros expoentes do gênero Foto: Antônio Nery / Agência O GloboA explosão da Bossa Nova tornou o baiano João Gilberto uma figura de referência no Rio de Janeiro. Na foto de 1960, ele toca na praia com Nara Leão, musa do movimento Foto: MancheteJoão e Astrud, com quem se casou em 1959. Os dois foram apresentados por Nara Leão. Ela, depois, tornou-se uma das cantoras brasileiras mais conhecidas internacionalmente Foto: ReproduçãoAlém da parceria musical, o casamento de João e Astrud, rendeu um filho, Marcelo Gilberto. Mas o casal se separou no início dos anos 1960 Foto: Reprodução / Redes SoaiciaisJoão Gilberto descansando após um de seus shows em Buenos Aires, Argentina, onde se apresentou no Clube 676, em 1962. A paixão pela Bossa Nova rapidamente ultrapassou as fronteiras do Brasil Foto: Arquivo / Agência O GloboO sucesso internacional da Bossa Nova aproximou João de músicos como o saxofonista americano Stan Getz, com quem desenvolveu uma longa parceria Foto: DivulgaçãoMiúcha, segunda esposa de João, com a filha do casal, Bebel. Filha do historiador Sérgio Buarque de Holanda e do cantor Chico Buarque, ela era estudante quando conheceu o futuro marido, em 1963 Foto: José Vasco / ArquivoMesco com uma intensa carreira internacional, João não perdeu os laços com o Brasil. Em 1971, gravou um especial de TV com Caetano Veloso (com ele na foto) e Gal Costa Foto: Arquivo / Agência O GloboJoão voltou definitivamente par ao Brasil em 1979, mas a série de shows que faria no Canecão acabou cancelada devido a problemas técnicos Foto: Alcyr Cavalcanti / Agência O GloboEm 1980, João Gilberto gravou um especial para a TV Globo, no Teatro Fênix. Um dos destaques da noite foi o dueto com a filha Bebel, que depois desenvolveria uma sólida carreira musical Foto: Alcyr Cavalcanti / Agência O GloboBaianos unidos. Em 1981, João gravou o disco “Brasil”, com Maria Bethania, Caetano Veloso e Gilberto Gil Foto: Rogério Sganzela / DivulgaçãoJoão Gilberto, na Gravação do programa Som Brasil, em 1995. Perfeccionista ao extremo, ele costumava interromper as apresentações se a plateia fizesse barulho ou mandar delisgar o ar-condicionado para não desafinar seu violão Foto: Ari Lago / Agência O GloboEm 1999, dividindo o palco com o amigo e parceiro Caetano Veloso Foto: Luiz Carlos Santos / Agência O GloboJoão envolveu-se em uma longa contenda judicial com sua antiga gravadora a EMI-Odeon pela posse das fitas master de seus discos. O processo terminou em 2013 com o cantor recebendo as matrizes Foto: Wladimir de Souza / localApresentação no Teatro Municipal do Rio, em 2008. Nos últimos anos, João tornou-se recluso, raramente aparecendo em público e recebendo poucas visitas Foto: Leonardo Aversa / Agência O GloboÚltima foto de João, no dia 12 de junho, com a neta Sofia. A imagem foi publicada na conta dela nas mídias sociais Foto: Reprodução do Facebook
Roberto Menescal , cantor e compositor:
— João Gilberto deixa um legado mundial, que vai para além da música brasileira. Conheci o João quando eu era garoto, no aniversário de 30 anos de casamento dos meus pais. Foi a única festa que eles deram na vida e, quando ele entrou, nem sabia quem era, achei que fosse apenas alguém entregando um presente. Ele perguntou se nós tínhamos um violão e, quando eu quis saber o porquê, ele disse: “É grave”. Levei-o até o meu quarto, onde o violão estava, e ele começou a tocar “Hó-bá-lá-lá” e, na hora, perguntei: “você é o João Gilberto?”, reconheci pela música. Ele disse para eu trocar de roupa para que nós saíssemos e, depois disso, passei quatro anos encontrando o João todo dia. Eu ficava à disposição dele, o João tinha esse poder sobre as pessoas. Sabe aqueles gênios que aparecem de tantos em tantos anos? Ele era um eles.
Martinho da Vila , cantor e compositor:
— É uma perda para a música de uma maneira geral, a maior virtude dele, na minha opinião foi colocar a batida do partido alto no violão, assim ele criou a batida da bossa nova e com isso ele botou o violão na mão da meninada, porque até ali o violão era um instrumento com muitas notas, era muito ritmado. Ele influenciou muita gente e não posso negar que fiz algumas músicas influenciado pela bossa nova.
Francis Hime , compositor:
— João Gilberto foi um músico excepcional que, junto com Tom Jobim e Vinicius de Moraes, revolucionou a música brasileira, influenciando toda uma geração de músicos. Nós conhecemos quando eu morava em Los Angeles e ele, em Nova York. Nosso primeiro contato foi por telefone, porque ele queria gravar “Último Canto”, uma música minha com o Ruy Guerra, o que acabou não acontecendo. Nós ficamos duas horas conversando.
Carlos Lyra , músico:
— Nesse momento passa um flashback pela minha cabeça. Do nosso primeiro encontro no Bar do Plaza, da nossa constante troca e apreço mútuo, dos tempos que vivemos em NY e no México. Estou muito triste. Difícil acreditar. A sensação é que estão apagando o meu passado com uma borracha enorme. Havia planejado deixar meu CD novo na casa dele assim que eu voltasse ao Rio, como fiz com o anterior. Gostava que ele ouvisse. Nosso nível de exigência sempre foi parecido. João foi quem deu a forma à Bossa Nova e é seu intérprete maior. Sua importância é inquestionável. Espero que sua obra seja mantida e que as novas gerações tenham pleno acesso a ela. Ele faz parte da memória cultural desse país. João Gilberto é pra sempre!
Carlos Diegues , diretor:
— Não convivemos muito, mas João Gilberto foi o inventor da Bossa Nova e criou algo que foi muito além da música brasileira. Ele deixa um legado extraordinário. Primeiro, entendeu a cultura brasileira e conseguiu passar isso para a música de uma maneira muito autêntica, conseguindo juntar a tradição da nossa música com a história do Brasil.
A neta Sofia Gilberto , de três anos, homenageou o avô pelo Facebook: “Foi o vovô mais amoroso e carinhoso que eu poderia ter tido”.
O filho João Marcelo , pai de Sofia, também lamentou a morte do pai no em seu perfil no Facebook.
— Meu pai faleceu. A luta dele foi nobre e ele tentou manter a dignidade enquanto perdia sua soberania. Agradeço à minha família (meu lado da família) por estar sempre com ele, ao Gustavo por ser um amigo verdadeiro e cuidar dele como um de nós. Por último, gostaria de agradecer a Maria do Céu por estar ao lado dele até o fim. Ela era sua amiga e companheira verdadeira — disse.