ROTANEWS176 E POR BRASILSEIKYO 12/01/2019 19:42
INTRODUÇÃO
Ikeda sensei sempre conta para os jovens sucessores exatamente como foi sua experiência com a guerra. O combate, com esse ato violento, tornou-se o ponto primordial das suas ações em prol da paz.
DISCURSO DO PRESIDENTE IKEDA
Trecho da mensagem enviada para a Cerimônia de Admissão das Escolas Soka, em 8 de abril de 2005.
Eu me recordo da minha juventude, quando tinha a mesma idade vocês. Há sessenta anos [completado em 2005], no dia 15 de agosto de 1945, o Japão recebeu a notícia sobre o fim da Segunda Guerra Mundial. Eu estava então com 17 anos, exatamente a mesma idade de vocês, alunos do ensino médio.
Nessa época, minha família morava no bairro de Ota, em Tóquio. Sou o quinto de oito irmãos. Meus quatros irmãos maiores foram convocados pelo exército, sendo enviados seguidamente para os campos de guerra, como o da China continental. Meu pai, que trabalhava na produção de nori [algas marinhas secas], contraiu reumatismo e não conseguia mais trabalhar como desejava.
Eu me lembro de quando ele sofreu ao serem tomados um a um os quatro filhos que estavam no auge da vida produtiva e com os quais sempre contava. As dificuldades que minha mãe passou também foi algo fora do normal.
Havia irmãos mais novos que eu. Tentando contribuir, mesmo que pouco, com o orçamento familiar, eu entregava jornais desde que era aluno da escola de educação infantil.
Ao me formar no kokumin gakko [antiga estrutura do ensino japonês que durava oito anos, correspondente ao nosso fundamental 2], empreguei-me na metalúrgica Niigata Tetsukojo, que meu irmão trabalhava. Não me foi permitido continuar com os estudos, pois precisava proteger minha família.
Originalmente, a casa onde eu morava até o quinto ano escolar era um casarão de dois andares, ali toda a família viva alegremente.
No entanto, ao sermos encobertos, pelas nuvens escuras da guerra, esse amplo casarão mudou de mãos e tornou-se fábrica de material bélico.
Devido aos bombardeios aéreos ficarem mais intensos, tivemos de sair rapidamente do imóvel para onde havíamos mudado. Foi então decidido que construiríamos uma casa mais nova da minha mãe, e nos mudaríamos para lá.
Na noite de 24 de maio de 1945, quando a nova casa ficou pronta e terminávamos de transportar nossos pertences num carinho riyacaa, num bombardeio aéreo repentino, uma bomba incendiária atingiu nossa casa que tinha acabado de ser concluída, sendo totalmente consumida pelo fogo.
Ao abrir o baú que conseguimos salvar por pouco, havia dentro dele bonecas hina da minha irmã menor. De foto, perdemos tudo numa única noite. Mas mesmo assim minha mãe, que tinha um forte coração, incentivou-nos dizendo: “Vamos sem falta conseguir morar numa casa e então poderemos exibir essas bonecas”.
Anos depois, mesmo com o término da guerra, meus irmãos não retornavam. Todas as vezes que eu via soldados desmobilizados retornando saudáveis para família, pensava: “Como queria ver meus irmãos também retornarem sãos e salvos!”.
Em maio, dois anos após o fim da guerra, recebemos o comunicado de que meu irmão mais velho, a quem eu tinha mais afeição, havia falecido em combate. Não consigo me esquecer da imagem da minha mãe contendo esforçadamente as lágrimas de tristeza.
Eu estava com tuberculose, transpirava muito dormindo e sofria por causa da tosse e das secreções de sague. Fiquei esquelético, e o médico sugeriu que eu fosse convalescer no sanatório para tuberculosos de Kashima, província de Ibaragi, mas isso foi impossível.
Na família, em minha juventude, fomos terrivelmente atormentados devido à guerra. Mas isso não foi somente em meu lar – todas as famílias do Japão passaram por esse
“Uma vez por dia, ao pegar o espelho nas mãos, inevitavelmente pensava na minha mãe. E então murmurava no fundo do coração: Bom dia, mamãe!”
Sofrimento. Não apenas na Ásia, mas pelo mundo, quantas pessoas, mesmo não tendo culpa alguma, tornaram-se dolorosas vítimas da guerra? Não há nada tão trágico como a guerra. Jamais perdoarei a essência maligna do autoritarismo que ocasiona a guerra. Gravei em minha jovem vida a decisão de me levantar pelo pacifismo absoluto e lutar incessantemente contra isso por toda a minha existência.
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São as mães e as crianças que mais sofrem com a guerra – essa afirmação de Ikeda sensei está profundamente enraizada em sua própria experiência. Está contida no ensaio intitulado “Assim Eu Penso – Um Pedaço de Espelho”, escrito em 1968 para revista feminina, a sua decisão: “ Haja felicidade para todas as mães, todas as crianças e todas as famílias”. Reside aqui o coração do movimento da paz da SGI.
Trechos de “Assim Eu Penso – Um Pedaço de Espelho
Estou agora segurando um espelho. É um pedaço de vida aproximadamente do tamanho da palma da minha mão, não passa disso. A frente e o verso dele estão repletos de pequenos arranhões, mas não deixe de refletir as coisas. É um pedaço de espelho um tanto espesso, como o que se vê nos depósitos de lixo ou em qualquer lugar, mas não consigo me desfazer dele.
Maus pais devem ter se casado em 1915. Havia como uma das peças do enxoval da minha mãe uma penteadeira que continha um espelho de boa qualidade. Sua face não tinha manchas nem distorções, e deve ter refletido a imagem da minha vinte e tantos anos, aquele espelho se quebrou por algum impacto. Meu irmão mais velho Kiichi e eu que estávamos no local, dentre os estilhaços pegamos pedaços que achamos adequados e ficamos com eles. Ou seja, eram fragmentos de um espelho despedaçado.
A época da guerra logo teve início. Meus quatro irmãos maiores foram convocados para os campos de combate, um a um. Um deles foi para as batalhas na China continental e outro para o sudeste da Ásia. Minha mãe veio suportando tudo calada e triste, mas envelheceu de uma só vez.
Enfim, os bombardeiros aéreos tornaram-se diários. Eu ficava penalizado em ver o rosto da minha mãe. Aconteceu também de eu atravessar entre as bombas incendiárias com esse fragmento de espelho grudado em meu peito, como se estivesse protegendo a vida da minha mãe.
Ao terminar a guerra, e quando a morte de meu irmão mais velho nas frentes de batalha da Birmânia (atual República da União de Mianmar) foi confirmada, eu não conseguia me esquecer do espelho que deveria estar dentro do bolso e próximo do peito de Kiichi. Meu irmão deve ter refletido a imagem do seu rosto barbado nos difíceis momentos do campo de batalha. Não há dúvidas de que ele sentiu saudades e transportou seus pensamentos para a mãe que se encontrava na distante pátria. Compreendo dolorosamente o sentimento do meu irmão. Eu pegava meu espelho e pensava nele.
Em meio às ondas furiosas do pós-guerra, eu saí propositadamente da minha casa e fui morar num pequeno apartamento. Era estreito e humilde e não tinha um único espelho, mas guardei o meu pedaço na gaveta da mesa. De manhã, rigorosamente, antes de sair para o trabalho, refletia meu rosto magro nesse espelho, fazia a barba, penteava os cabelos e passava brilhantina. Uma vez por dia, ao pegar o espelho nas mãos, inevitavelmente pensava na minha mãe. E então murmurava no fundo do coração: “Bom dia, mamãe!”.
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Em 1952, quando me casei, minha esposa trouxe uma nova penteadeira. Meu rosto passou a ser refletido no novo espelho. Um dia, minha esposa observou com certa estranheza tendo o pedaço de espelho em suas mãos. “Que bugiganga inútil. Não tem nenhum atrativo nem para servir como um brinquedo de criança”, ela observou. Ao perceber que seria jogado no cesto de lixo, contei pela primeira vez para minha esposa a história contida naquele pedaço de espelho, sobre a minha mãe e sobre o meu irmão que morrera na guerra. Minha esposa encontrou uma caixinha de kiri e guardou-o nela. Esse espelho está guardado em segurança até os dias de hoje.
Mesmo sendo uma simples caneta tinteiro, se tiver pertencido a um grande escritor falecido, esta contará os segredos de várias obras-primas. Seria considerado natural receber a atenção da multidão. Meu pedaço de espelho parece contar infinitamente sobre os dias difíceis que vivi na minha juventude, sobre minha mãe e o destino trágico do meu irmão mais velho.