ROTANEWS176 E UOL 07/01/2016 09h49
Reprodução/Foto-RN176 No Brasil aa estreia e nesta quinta-feira (7) depois de ter dividido a crítica em sua estreia nos Estados Unidos.
No longa, que se passa alguns anos depois da Guerra Civil americana, um grupo de desconhecidos é obrigado a passar a noite em uma estalagem isolada durante uma nevasca. Entre os presentes estão os caçadores de recompensa Marquis Warren (Samuel L. Jackson) e John Ruth (Kurt Russell). Este último está transportando uma foragida da justiça, Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), e logo desconfia que alguém no grupo está ali para libertá-la. A tensão logo sairá do controle para desembocar em uma situação bem tarantinesca.
Apesar da premissa interessante, nem todo mundo continua fã incondicional do diretor de “Cães de Aluguel” e “Pulp Fiction” depois de assistir ao filme, e o longa alcançou uma média em torno de apenas 70% de aprovação em sites como o Metacritic e o Rotten Tomatoes, que reúnem e quantificam as avaliações dos críticos de cinema dos principais jornais e veículos do mundo.
Na redação do UOL, não foi diferente: teve quem aplaudisse e quem torcesse o nariz para o longa. Na impossibilidade de chegar a um acordo, listamos quatro motivos para amar e quatro motivos para odiar “Os Oito Odiados”. Sirva-se à vontade e deixe o seu veredito na área de comentários abaixo.
4 motivos para amar “Os Oito Odiados”
O elenco
Se tem uma coisa que Tarantino sabe fazer como ninguém é escalar o seu time – um mix de velhos conhecidos da casa com atores consagrados, mas ligeiramente esquecidos. Nesse quesito, “Os Oito Odiados” é uma festa: tem Samuel L. Jackson em seu melhor papel em um filme de Tarantino desde “Pulp Fiction”, tem Tim Roth e Michael Madsen emprestando o charme vintage de “Cães de Aluguel”, tem Kurt Russell com credenciais que são a cara do diretor (astro de ação meio decadente, ex-talento mirim da Disney, anti-herói de filmes de John Carpenter, sósia de Elvis Presley em “3000 Milhas para o Inferno”…). Mas nada disso adiantaria não fosse o talento único de Tarantino para dirigir seu elenco, especialmente nos longos e intrincados diálogos que já se tornaram sua marca registrada.
A trilha sonora
Assim como bons olhos para escolher atores, Tarantino tem também uma sensibilidade ímpar para trabalhar as trilhas em seus filmes, garimpando e costurando pérolas da soul music, do pop radiofônico e das próprias trilhas de outros filmes antigos, fazendo-as servir ao clima que deseja dar à cena. Neste “Oito Odiados” ele passa a batuta para o compositor Ennio Morricone, que talvez você possa não conhecer de nome, mas certamente vai reconhecer “de ouvido” se já assistiu a um clássico de faroeste na vida. É essa música instrumental, ora sutil e minimalista, ora mais dinâmica e épica, que acompanha o público do começo ao fim do filme, ajudando a criar a atmosfera de suspense e ameaça à espreita que o roteiro – em que ninguém é exatamente o que parece ser – exige.
O passado –e o futuro– do cinema
Não se engane pelo cenário e os personagens: há muito mais que uma homenagem aos filmes de faroeste de Sergio Leone e John Ford em “Os Oito Odiados”. Como tudo no “metacinema” de Tarantino, há também citações a outros clássicos do cinema e da literatura, às histórias de mistério de Agatha Christie e do detetive Sherlock Holmes e a diretores como Alfred Hitchcock e Robert Altman. Sua paixão e dedicação pela história do cinema é tamanha que ele mandou praticamente “ressuscitar” um formato esquecido de negativo de cinema, o Ultra Panavision 70, para gravar e projetar o novo longa do jeito que imaginou. Se as salas de cinema não fecham as portas de uma vez por todas e se rendem a formatos bem mais cômodos – como as projeções digitais e serviços de “cinema em casa” como o Netflix -, é a caras como ele e Martin Scorsese que você deve agradecer.
Porque parece “Cães de Aluguel”
De uns tempos para cá, parece que releitura virou pecado. Primeiro, os fãs xiitas de “Star Wars” reclamando que o novo “O Despertar da Força” é cópia do original, “Uma Nova Esperança”. Agora, bastaram as primeiras sessões de “Os Oito Odiados” para parte da crítica e do público desdenhar do filme como mais do mesmo: “Ele já fez isso em ‘Cães de Aluguel’…” Bem, “Cães de Aluguel”, de 1992, foi o primeiro longa de Tarantino e apontado pelo próprio como um de seus melhores trabalhos. Então por que, 24 anos depois, mais experiente e maduro, ele não pode revisitar algo que deu certo, mudar alguns ingredientes e servir numa nova embalagem? Sim, o filme usa o mesmo recurso de confinar personagens em uma sala enquanto um mistério vai sendo aos poucos revelado/desvendado, mas até aí podemos dizer o mesmo de “Festim Diabólico” (1948), de “12 Homens e uma Sentença” (1957), de “O Anjo Exterminador” (1962), de “Assassinato em Gosford Park” (2001) e até de “Jogos Mortais” (2004), ora bolas!
4 motivos para odiar “Os Oito Odiados”
Porque parece “Cães de Aluguel” –só que pior
Você já sabe que “Os Oito Odiados” foi comparado a “Cães de Aluguel”, um dos melhores filmes de Tarantino. Mas isso não é necessariamente bom. De fato, os melhores momentos do novo longa emergem da repetição da fórmula do primeiro filme do diretor: alguém não é exatamente quem diz ser e os personagens tentam não perder a cabeça enquanto especulam quem é o traidor, antes que tudo acabe em um inevitável banho de sangue. A repetição já dá indicações sobre como as coisas vão se desenrolar, tirando um pouco da graça, mas isso não seria um problema se a execução nos reservasse pequenas revelações e bons momentos. Só que as soluções dadas aqui pelo diretor não têm metade da elegância do filme de 1992.
O didatismo excessivo
Até chegar ao ápice, “Os Oito Odiados” é bem quadrado em seu formato, dividido em capítulos, e com diálogos didáticos, que apresentam ao espectador quase toda a história pregressa dos personagens principais, ou ao menos versões delas. Até aí, até que não incomoda tanto. Mas, quando o mistério está prestes a ser revelado, a ação é interrompida por uma explicação minuciosa de tudo que havia sido ocultado até o momento, em forma de flashback, com direito a narração do próprio Tarantino, para assegurar que o público não perca nada de importante. OK, sabemos que é uma referência a filmes de mistério no estilo Agatha Christie, mas faz pouco sentido revelar tudo antes mesmo do nosso Poirot ter descoberto a verdade.
A misoginia
Quando o filme começa, ficamos com a impressão de que Daisy (Jennifer Jason Leigh) será um dos pontos centrais da trama, já que ela é o motivo que leva quase todos os personagens à estalagem isolada onde se encontram. Mas, conforme a história avança, ela nunca assume uma posição ativa. É sempre objeto, principalmente da violência e desprezo dos outros personagens, prontos a arrastá-la para lá e para cá com uma corrente e espancá-la gratuitamente, transformando-a em um caricatural saco de pancadas –olho roxo, dentes quebrados, rosto coberto de sangue… Não ficamos sabendo nem mesmo quais os crimes terríveis cometidos por ela, que justificam o alto preço oferecido por sua cabeça, e até seu final será menos digno do que o dos outros personagens, embora logo fique claro que ninguém vai se dar bem ali.
A violência pela violência
Quando “Os Oito Odiados” termina, tem-se a impressão de que Tarantino tentou entregar um comentário sobre a bizarra colcha de retalhos que forma a sociedade norte-americana atual, as consequências da escravidão, o racismo e as ressonâncias que a Guerra Civil tem até hoje. Mas a crítica nunca toma uma forma coesa e todo seu potencial escapa pelos dedos do diretor quando o filme finalmente se torna o banho de sangue prometido desde o começo. No final, dissolvem-se as referências aos faroestes e filmes de mistério e tudo se resolve como em um terror B: com carnificina e sadismo, em um nível excessivo até para um filme de Tarantino. A premissa que sobra é: se você colocar um bando de pessoas perversas em um mesmo espaço, elas vão acabar se matando. O único mistério é como – e esse como não justifica as quase três horas de sangue e alguns diálogos espertos. Sobra um niilismo cansativo e autorreferente.