ROTANEWS176 E POR BBC NEWS BRASIL 14/08/2020 08h42 Por Paul Palmqvist Barrena* – The Conversation
A dieta vegana se tornou popular nos últimos anos, no entanto, evidências evolutivas mostram que uma dieta só de vegetais é “antinatural” para nossa espécie, com fortes razões fisiológicas que a desaconselham.
Reprodução/Foto-RN176 Os humanos comem carne há milênios, mas nos últimos anos surgiram dúvidas sobre essa dieta Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Ser vegano está na moda! Para muitos, adotar uma dieta baseada apenas em produtos de origem vegetal representa uma certa filosofia vital à qual outras propostas existenciais costumam ser incorporadas, como ser um animalista ou preocupar-se com as mudanças climáticas e uma agricultura sustentável.
Por isso, muitos veganos consideram que quem pratica a dieta onívora favorece a exploração animal, a degradação ambiental e as postulações econômicas neoliberais.
Essas abordagens não resistem a um debate minimamente sério. Mas questionar a dieta vegana, considerada por seus praticantes como alternativa saudável, equilibrada e sustentável à alimentação tradicional, já é outra questão.
Nesse sentido é conveniente indagar se a evolução de nossos ancestrais nos oferece pistas sobre esse debate.
Espécie genuinamente onívora
Reprodução/Foto-RN176 Os seres humanos apresentam uma série de adaptações em sua evolução, tanto anatômicas quanto fisiológicas, com foco em uma dieta mais carnívora Foto: Getty Images / BBC News Brasil
A biologia evolutiva nos mostra que os humanos diferem de outros primatas por serem as espécies mais genuinamente onívoras dessa ordem de mamíferos.
Assim, o Homo sapiens apresenta uma série de adaptações, tanto anatômicas quanto fisiológicas, em direção a uma dieta mais carnívora que a dos grandes símios, como o chimpanzé, o gorila ou o orangotango, nossos parentes vivos mais próximos.
Da mesma forma, manifestamos outras características derivadas, como o tipo de parasitas que abrigamos.
Sem querer ser exaustivo, a principal evidência evolutiva que permite argumentar contra a conveniência de uma dieta vegana seriam características do nosso aparelho digestivo.
1. Cólon curto e outras razões intestinais
Em primeiro lugar, o coeficiente de diferenciação do trato digestivo (quociente entre a soma da superfície do estômago e do intestino grosso, dividido pela superfície do intestino delgado) assume um valor intermediário para nós (0,8). Isso o coloca entre a dos carnívoros (0,4-0,6) e a do chimpanzé ou orangotango (1,0-1,2), ambos frugívoros. E é a metade do gorila (1,6), com dieta exclusivamente herbívora.
Reprodução/Foto-RN176 Por ter um cólon mais curto, o trânsito dos alimentos pelo trato digestivo é mais rápido, dificultando a absorção de alimentos vegetais ricos em fibras Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Na verdade, nosso intestino delgado e o cólon representam 67% e 17% do volume total do trato digestivo, enquanto nos macacos essas proporções variam entre 14-28% e 52-54%. Por termos um cólon mais curto, o trânsito dos alimentos pelo trato digestivo é mais rápido, dificultando a absorção de alimentos vegetais ricos em fibras.
2. Metabolismo e energia
Em segundo lugar, nos mamíferos, o aumento no tamanho corporal é acompanhado por uma diminuição na taxa metabólica basal por unidade de massa, o que permite reduzir a qualidade da dieta. Portanto, os grandes macacos subsistem consumindo 87-99% da matéria vegetal.
Os chimpanzés são a exceção, pois sua dieta frugívora, mais rica em energia, permite que desenvolvam uma vida social mais intensa.
Nos ancestrais do nosso gênero (Homo), a evolução nas savanas áridas e sazonais da África subtropical levou à inclusão de mais carne em sua dieta, obtida por meio do consumo de animais sem ter participado de sua caça.
Isso é confirmado pelas marcas de descarnamento com lascas de sílex em vários depósitos africanos, que datam de 2,6-2,3 milhões de anos. Que são semelhantes aos identificados nos ossos fósseis de depósitos da região de Orce (Granada, na Espanha), um milhão de anos depois, que mostram a presença humana mais antiga na Europa Ocidental.
Reprodução/Foto-RN176 As evidências evolutivas do ser humano demonstram que a alimentação exclusiva de vegetais é “antinatural” para nossa espécie Foto: Getty Images / BBC News Brasil
A dieta carnívora, mais rica em energia (em kJ por dia e kg de massa corporal) e mais digerível em relação ao que se espera de nossa taxa metabólica, também nos abriu a porta para acessar aminoácidos essenciais e outros micronutrientes, como certos ácidos graxos ômega-3 (EPA e DHA), presentes apenas em tecidos animais.
Outro composto importante é a taurina, um aminoácido muito raro na matéria vegetal, com ação antioxidante e anti-inflamatória. Acontece que a capacidade de sintetizá-lo é muito baixa em humanos e está ausente em felinos, hipercarnívoros por excelência.
3. Cérebro grande
Um dos principais motivos pelos quais precisamos de uma alimentação de alta qualidade está no alto custo de manutenção do nosso tecido nervoso, que representa 22% da taxa metabólica basal, contra 8% no chimpanzé.
Como no nosso corpo também existem outros órgãos muito caros para manter, como o coração, os rins ou o fígado, cujas dimensões não podiam ser reduzidas, a expansão do cérebro obrigou a um encurtamento do trato digestivo humano, promovendo a transição para uma dieta mais carnívora.
Reprodução/Foto-RN176 A expansão do cérebro humano forçou um encurtamento do trato digestivo, levando à transição a uma dieta mais carnívora Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Com isso, o grande desenvolvimento cerebral de nossa espécie, principalmente durante a fase infantil, foi beneficiado por uma dieta concentrada, de fácil digestão e de melhor qualidade. Hoje, no primeiro mundo, existem alternativas a essa dieta que não incluem produtos de origem animal, mas essa possibilidade não era acessível aos caçadores-coletores nômades durante o Pleistoceno (97% do tempo desde nossa origem na África há cerca de 160 mil anos) e continua sem estar em países em desenvolvimento.
4. A importância do ferro
Reprodução/Foto-RN176 Dizer que “as lentilhas têm muito ferro” é uma meia verdade Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Também deve ser levado em consideração que os enterócitos do sistema digestivo humano absorvem preferencialmente o ferro ligado à hemoglobina e compostos porfirínicos (em produtos de origem animal), em comparação com os íons de ferro na matéria vegetal, cuja assimilação é reduzida por 50-70% devido à presença de fitatos e compostos fenólicos, que inibem a absorção.
Em contraste, os animais herbívoros não absorvem o ferro dos compostos ligados à carne e dependem dos íons de ferro nas plantas.
Uma dieta vegana não atinge a ingestão mínima de 1,5 mg de ferro/dia e deve ser suplementada. O que, no longo prazo, acaba prejudicando os rins, já que grande parte desse ferro não é absorvido e eles têm que excretá-lo. Portanto, embora seja verdade o que as nossas avós nos diziam que “as lentilhas têm muito ferro”, é apenas meia verdade. Porque assimilamos muito melhor o ferro do sangue de um bom bife ou um de um filé de atum.
Uma dieta que aumenta a longevidade
Reprodução/Foto-RN176 Os genes adaptativos para o consumo de gorduras animais desempenharam um papel relevante para uma dieta mais carnívora e um maior tempo de vida durante a evolução da raça humana Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Essas adaptações à dieta onívora também se refletem em nossa expectativa de vida.
Os humanos têm uma longevidade potencial 30% maior que a dos grandes macacos.
A seleção de genes adaptativos para o consumo de gorduras animais, como o alelo ApoE3, teve papel relevante na mudança para uma dieta mais carnívora e uma vida mais longa durante a evolução da raça humana, reduzindo o risco de sofrer de Alzheimer, doenças vasculares e infecções microbianas.
Portanto, não é por acaso que em três quartos das sociedades nômades de caçadores-coletores, que representam nosso estilo de vida tradicional (onde a seleção natural atuou, ao contrário das sociedades modernas), a caça e/ou pesca constituem mais de 50% da dieta. Enquanto o contrário ocorre em apenas 14% deles. Em contraste, nos chimpanzés, a carne representa apenas 3% da dieta.
O menor consumo de carboidratos em populações humanas após adaptação a uma dieta mais carnívora pode levar ao aparecimento de resistência à insulina (diabetes mellitus do tipo 2) como mecanismo de acúmulo de gordura corporal em tempos de abundância de recursos.
A frequência desta doença nas populações humanas modernas varia hoje entre 7 e 14%, embora sua prevalência tenha aumentado de 3-6% em 1980, devido ao excesso de peso por causa do consumo excessivo de ácidos graxos saturados, da escassez de fibra vegetal, bebidas com açúcares livres e vida sedentária.
Reprodução/Foto-RN176 O aumento de diabetes em humanos modernos se deve ao excesso de peso devido ao consumo excessivo de ácidos graxos saturados, à escassez de fibras vegetais, bebidas com açúcar livre e à vida sedentária Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Finalmente, outras evidências de nossa adaptação precoce à dieta carnívora vêm das tênias, uma família de cestoides parasitas que usam carnívoros como hospedeiros definitivos.
Três espécies do gênero Taenia nos utilizam apenas para completar seu ciclo, embora também possam nos infectar como hospedeiros intermediários secundários, resultando em cisticercose.
Em contraste, esses parasitas não infectam macacos em condições naturais. As últimas evidências científicas indicam que a adaptação de tais cestoides para infectar humanos na fase final de seu ciclo ocorreu na África, logo após o surgimento de nossos ancestrais no continente. Ou seja, eles também comiam carne.
Reprodução/Foto-RN176 A dieta mediterrânea oferece uma alternativa mais equilibrada e saudável Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Com base nesses argumentos, parece que uma dieta exclusivamente vegana não é apenas antinatural em nossa espécie, dado nosso passado evolucionário, mas há fortes razões fisiológicas que desaconselham isso.
Como tal, não deve ser considerada uma alternativa recomendável à dieta mediterrânea mais equilibrada e saudável. A biologia evolutiva é clara nisso.
*Paul Palmqvist Barrena é professor de Paleontologia da Universidade de Málaga.
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