A benevolência da doação

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 05/09/2020 12:01

ESPECIAL DA REDAÇÃO

Uma pessoa de forte fé contribui de todas as formas para a felicidade das outras e constrói um palácio de boa sorte na própria vida

Reporodução/Foto-RN176 Foto de ilustração Editora Brasil Seikyo – BSGI

É do comportamento humano o ato de compartilhar, oferecer algo ao outro e, com isso, experimentar uma sensação de alegria, de missão cumprida. Você também já deve tê-la sentido.

Cientistas e pesquisadores no assunto têm uma explicação para isso afirmando que o ato de doação é como um evento único de indução de felicidade.1 No budismo Soka, totalmente embasado no respeito à dignidade da vida, dedicar-se em prol do bem-estar das pessoas é a própria felicidade; um meio para construir uma vida dinâmica e de grande valor.

Para mim e para você

É fato que a pandemia do coronavírus se tornou uma crise sem precedentes, com muitos desafios, incertezas e sofrimento. Por outro lado, tantas mudanças despertaram empatia nas pessoas. Uma pesquisa indica, até o fechamento desta edição, que 49% dos brasileiros fizeram algum tipo de doa­ção durante a pandemia e que esse índice atingiu 63% nas comunidades carentes do país.2 Por esse motivo, é comum ouvir nos noticiários sobre jovens que se dispõem a ajudar os idosos com as compras de supermercado. Os idosos, por sua vez, auxiliam na confecção de máscaras que muitas vezes são doadas. Donos de restaurantes se mobilizam em ações solidárias de distribuição de alimentos, beneficiando indivíduos em situação de rua, entregadores de serviço delivery e famílias inteiras que perderam seus recursos.

Pois bem, está ganhando força uma onda de solidariedade decorrente da compaixão inerente a cada um. Todo momento turbulento e de ruptura nada mais é que uma chance para evidenciar a grandeza do coração humano como mecanismo para vencer os próprios sofrimentos e ajudar os outros a fazer o mesmo. Não foi diferente em outras épocas e tal espírito benevolente abarca, além de tudo, diferentes aspectos e contextos históricos.

Boa sorte que nunca cessa

O eterno espírito budista de doação nascido de uma fé genuí­na é exemplificado pela história de Sudatta e sua esposa (veja no quadro).

O presidente Ikeda explica:

Aqueles que possuem um coração de fé virtuoso são vencedores radiantes que desfrutam um estado de felicidade comparável a um diamante. São eternos vitoriosos. Aonde quer que possam ir, onde quer que morem, esse lugar será um palácio real. Eles possuem uma condição de vida vasta e sublime, como se fitassem serenamente o universo todo.5

Ter um coração amplo está diretamente ligado à atitude de conceder esforços pela felicidade de todos. E quando o assunto é se doar, o budismo vai além e traz uma visão ampla sobre essa atitude.

Há ensinamentos, por exemplo, que explicam sobre diferentes tipos de oferecimentos, tais como a doação dos olhos, a qual diz respeito à importância de olhar as pessoas com benevolência e calor humano; doação do rosto gentil e sorridente; doação de palavras gentis; doação do corpo, que significa agir de forma respeitosa em qualquer situação e lugar; doação do sentimento para se relacionar com outras pessoas com boa vontade, gentileza, benevolência e consideração pelos demais; além da doação do local para propagar a Lei, que culmina em oferecimento do próprio lar para as atividades.6

Em suas escrituras, Nichiren Daishonin deixou registrado histórias de discípulos que gentilmente se dispuseram de alimentos e de roupas garantindo sua sobrevivência. E, para eles, Daishonin sabiamente assegurou: “O que importa é o coração”.6 Isso porque, do ponto de vista da filosofia budista, a atitude de se doar corresponde, além de um coração puro, à sincera fé e ao profundo senso de missão.

O presidente Ikeda declara:

Gostaria de explanar sobre o significado do espírito de doação de duas perspectivas: a doação em termos materiais e a doação em termos da Lei. A primeira significa que doamos dinheiro e outras coisas aos ‘três tesouros’ [o Buda, a Lei e a Ordem budista] para expressar nossa sincera consideração a estes. A fé com a qual fazemos tais oferecimentos materiais nos habilitará a acumular uma boa sorte imensurável.8

Ele continua:

A doação em termos da Lei significa propagá-la, exatamente como ensina o Buda, a fim de salvar as pessoas ou, em outras palavras, a prática de shakubuku. Dedicando-nos assim, estamos promovendo o kosen-rufu e acumulando benefícios que, por sua vez, nos permitirão oferecer mais doações materiais. A repetição dessas duas espécies de doação é a prática da fé.9

Assim surgiu o Kofu

Na época do fundador da Soka Gakkai, Tsunesaburo Makiguchi, quem assumiu a responsabilidade pelas finanças da organização foi Josei Toda, que na ocasião atuava como diretor-geral. Mesmo com as dificuldades do pós-guerra, ele decidiu arcar com todas as despesas empregando suas economias na reconstrução da Soka Gakkai para evitar que os membros se preocupassem com isso.

No entanto, com a rápida expansão do kosen-rufu, era inviável que continuasse sustentando a Soka Gakkai sozinho. Diante disso e da insistência dos membros, Toda sensei sentiu que havia chegado a época de a organização aceitar doações. Mantendo-se cauteloso, estipulou que tais fundos deveriam ser providos com a mais pura sinceridade. Assim, foi criado o Departamento de Contribuintes (Kofu) em 3 de julho de 1951.

No capítulo “Triunfo”, da Nova Revolução Humana, consta:

Shin’ichi [pseudônimo de Daisaku Ikeda, no romance] analisou a questão das doações na Soka Gakkai em forma de contribuições financeiras. Essa contribuição é destinada exclusivamente para cumprir o sagrado desejo de Dai­shonin de realizar o kosen-rufu. E se é promovida com essa finalidade, é então um oferecimento ao Buda. Sendo assim, não há outro oferecimento ou outro grande bem que supere a contribuição promovida na Gakkai, e os benefícios provenientes desse nobre ato serão imensuráveis.10

Portanto, o Kofu é uma sublime atividade que nos permite servir ao kosen-rufu, com nossas contribuições. Por isso, é natural que as histórias dos membros sejam exemplos de transformação da condição financeira. No Relato desta edição, a veterana Chiono Oyama, aos 97 anos, conta sobre os benefícios de se doar em prol das pessoas. “Mudei o ritmo da minha vida, conquistei uma família harmoniosa e uma condição financeira confortável que me permite contribuir pelo kosen-rufu de todas as formas” (leia o texto na íntegra na p. 8).

O presidente Ikeda sempre louva os esforços de cada um esclarecendo que prestar sincera dedicação a esse grandioso movimento de transformação da humanidade é o mesmo que cultivar ótimas sementes num campo de boa sorte. “Era imprescindível, contudo, que transmitisse corretamente o verdadeiro espírito e significado da contribuição de tal forma que cada um assumisse uma profunda consciência de sua missão pelo kosen-rufu.”11

No fim é a fé

A decisão sincera, e sem hesitação, de fazer uma contribuição para o Kofu nasce no interior de pessoas de grande convicção, comprometidas com o propósito de transformar positivamente a sua realidade e a dos demais. Ikeda sensei explica: “O ato de oferecer doações deve estar fundamentado no nobre e sincero espírito de fé”.12

Tão importante quanto isso é compreender que a forma com que fazemos tais oferecimentos faz toda a diferença. Nos escritos de Nichiren Daishonin consta o seguinte: “Assim, é apropriado aos veneráveis fazer a oferenda real [literalmente dar a própria vida à Lei]. E às pessoas comuns, é apropriado fazer a oferenda por princípio [doar sinceramente o que é importante para a própria vida da pessoa]”.13

A Soka Gakkai existe por conta do profundo elo de comprometimento dos membros que, desde as épocas remotas, se dispuseram, assim como Ikeda sensei, a manter pulsante o ritmo dinâmico do kosen-rufu, por meio do Kofu e do empenho corajoso para incentivar os amigos Soka, com a luta diária para transformar sua situação e conduzir uma vida brilhante.

O presidente Ikeda cita que o coração de uma pessoa que vive nessa órbita de contínuo desenvolvimento reluz como o sol. Sem dúvida, sua fé é inabalável, e a vida, próspera; seu espírito é abrangente e se torna fonte de abundantes benefícios.

Doar o tesouro mais valioso

Você já deve ter ouvido dizer que “Mais valioso que o tesouro do cofre é o do corpo. Porém, nenhum é mais valioso que o tesouro do coração”.14

Daisaku Ikeda salienta que o tesouro do coração se refere à fé na Lei Mística. Também corresponde à vida — um tesouro único, de valor inestimável. Nesse sentido, o ato mais nobre que existe é dedicar a própria vida para salvar as pessoas do sofrimento.

No budismo, verdadeira doa­ção, empatia e compaixão vão além de compartilhar das aflições das pessoas, lamentando a situação ou sentindo piedade: “Aqueles que realmente sentem empatia pelos outros atuam com forte determinação a fim de buscar uma solução para a dor alheia”, diz o presidente Ikeda.15

A Soka Gakkai, com a proposta da revolução interior de cada indivíduo, é a organização que realiza efetivamente ações que impulsionam a construção de uma sociedade pacífica e próspera. Cada qual, em sua realidade, extraindo o melhor de si, tem a chance de transformar sua condição em todos os sentidos, e inspirar os outros ao redor a fazer o mesmo.

Com isso, toda contribuição que fazemos em prol do grande bem de promover uma profunda transformação na humanidade, inevitavelmente, se torna a chave para avançar, em meio aos desafios e ao caos social, e a base fundamental para o acúmulo de boa sorte e felicidade. Experimente!

Foi maravilhoso

Na trajetória do budismo, encontramos personagens que ilustram, com sua conduta, a nobreza e a espontaneidade de se doar de várias formas em prol dos ensinamentos budistas. É o caso do rico Sudatta, cuja história conta sobre um homem que, antes de obter sua riqueza, tinha uma vida de privações com a esposa. No entanto, o casal nutria profunda fé nos ensinamentos do Buda.

Certo dia, Sudatta conseguiu cinco medidas de arroz, suficientes para mantê-los por cinco dias. Feliz, a esposa cozinhou com a intenção de saboreá-lo com o marido assim que ele retornasse para casa no fim do dia. Entretanto, foi surpreendida por fiéis discípulos do buda Shakyamuni, que, um após outro, bateram à porta munidos de tigelas de esmola. A mulher reverenciou cada um deles respeitosamente e como doação encheu as tigelas com o arroz que acabara de preparar. Por último, o próprio Shakyamuni bateu à porta, recebendo sua porção de arroz.

Era um gesto de extrema generosidade. Quando o marido chegou ao casebre, ouviu sobre o ocorrido com admiração:

“— O que você fez foi maravilhoso! Com isso, tenho certeza de que nosso carma negativo será transformado e nos tornaremos muito felizes”,3 respondeu sorrindo.

Dizem que, por meio desse oferecimento, Sudatta tornou-se um homem rico e virtuoso. Até mesmo construiu e doou um majestoso monastério para o budismo.

Leia no BS+

Veja mais sobre a história do rico Sudatta no Brasil Seikyo, ed. 2.109, 25 nov. 2011, p. A6.

Sobre os sete tipos de doação, consulte o Brasil Seikyo, ed. 1.673, 26 out. 2002, p. C3.

Notas:

  1. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/Comportamento/noticia/2018/12/ajudar-os-outros-e-melhor-maneira-de-fazer-felicidade-durar.html. Acesso em: 15 ago. 2020.
  2. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-06/pesquisa-mostra-que-solidariedade-e-maior-entre-moradores-de. Acesso em: 15 ago. 2020.
  3. Brasil Seikyo, ed. 2.109, 26 nov. 2011, p. A6.
  4. Terceira Civilização, ed. 558, fev. 2015.
  5. Brasil Seikyo, ed. 2.274, 9 maio 2015, p. B4.
  6. Cf. Brasil Seikyo, ed. 1.673, 26 out. 2002, p. C3.
  7. Coletânea dos Ensinamentos de Nichiren Daishonin, v. II, p. 267.
  8. Brasil Seikyo, ed. 2.242, 6 set. 2014, p. A3.
  9. Ibidem.
  10. Nova Revolução Humana, v. 4, p. 109.
  11. Ibidem, p. 110.
  12. Ibidem, p. 108.
  13. CEND, v. II, p. 394.
  14. Coletânea dos Ensinamentos de Nichiren Daishonin, v. II, p. 112.
  15. Brasil Seikyo, ed. 2.348, 19 nov. 2016, p. A7.