O que acontece se a Coreia do Norte perder o apoio da China?

ROTANEWS176 E BBC BRASIL 07/01/2016 14h00

O governo da China condenou “com firmeza” a Coreia do Norte depois de o país asiático ter anunciado o teste de uma bomba de hidrogênio na quarta-feira. “A China acredita firmemente que a península da Coreia deveria estar desnuclearizada e que deveria evitar a proliferação nuclear para manter a paz e a estabilidade no noroeste da Ásia”, afirmou a porta-voz do Ministério de Relações Exteriores chinês, Hua Chunying

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Reprodução/Foto-RN176  O líder Kim Jong-un da Coreia do Norte Foto: EFE

Até o momento não houve uma confirmação independente de que o teste da bomba de hidrogênio norte-coreana tenha realmente acontecido. Mas a desaprovação da comunidade internacional foi quase unânime e isso inclui o Conselho de Segurança da ONU, que poderá adotar novas sanções contra o país asiático.

“Pedimos que a República Popular Democrática da Coreia – Coreia do Norte – honre seu compromisso para a desnuclearização e que suspenda qualquer ação que possa deteriorar a situação”, acrescentou a porta-voz.

Segundo vários analistas e institutos de estudos geopolíticos, essas declarações reforçam a teoria de que a China está perdendo a paciência com seu aliado histórico.

Guerra da Coreia

A China é o único aliado importante da Coreia do Norte. A relação dos dois países remonta à Guerra da Coreia (1950-1953), quando o governo chinês enviou tropas para a península para ajudar Pyongyang a combater a Coreia do Sul, que contava com o ajuda dos Estados Unidos e da ONU. Desde então a China apoia política e economicamente os líderes norte-coreanos: Kim Il-sung (1912-1994), Kim Jong-il (1941-2011) e Kim Jong-un (1983-).

“Continua apoiando até hoje para evitar o colapso do regime e as consequências disso para a China. Se isso ocorresse, Pequim teria que lidar com milhares de refugiados que chegariam a seu território”, explica Temtsel Hao, do Serviço Chinês da BBC .

O Centro de Estudos James Martin para a Não-Proliferação, sediado na Califórnia, afirma que já em 2006 a China começou a construir uma cerca em sua fronteira coreana. “Além disso, uma parte da sociedade chinesa – a de ideologia de esquerda e nacionalista – continua simpatizando com o regime norte-coreano”, acrescenta Hao.

Uma pesquisa de opinião realizada pela BBC em 2014 detectou que 20% da população chinesa considera a influência da Coreia do Norte positiva, enquanto que 46% considera-a negativa.

O jornalista da BBC afirma que a China quer que a Coreia do Norte continue sendo uma espécie de zona de amortecimento, ou seja, o território que está entre os 30 mil militares americanos baseados na Coreia do Sul e a China. “Pequim não quer ter soldados americanos tão perto”, disse.

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Reprodução/Foto-RN176  A China é o aliado mais importante da Coreia do Norte Foto: Getty / BBCBrasil.com

Proliferação

O presidente da China, Xi Jinping, discorda da política nuclear de seu aliado, e seu país participa das negociações para que a Coreia do Norte desmonte seu arsenal. Segundo o Centro para Estudos Estratégicos de Washington (EUA), Xi teme que uma proliferação nuclear da Coreia do Norte leve outros países e territórios a fazer o mesmo na região – como a própria Coreia do Sul, Japão e Taiwan.

Por isso o governo chinês reagiu de forma contundente diante dos testes e lançamentos de mísseis de longo alcance feitos pela Coreia do Norte nos últimos anos. Por exemplo: depois de um teste nuclear em 2006, a China votou a favor da resolução 1718 do Conselho de Segurança da ONU, que endurecia as sanções econômicas contra o regime de Pyongyang. Também teve uma atitude parecida quando os norte-coreanos lançaram mísseis de longo alcance em 2009.

E, no teste nuclear realizado pela Coreia do Norte em fevereiro de 2013, a China convocou o embaixador norte-coreano pedindo explicações, apoiou mais sanções econômicas, limitou o fornecimento de energia para o aliado e pediu uma nova rodada de negociações para a desnuclearização do país.

“A China vê a Coreia do Norte mais como um risco do que como um aliado”, disse Shen Dingli, reitor associado da Universidade de Xangai, ao site International Business Times .

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Reprodução/Foto-RN176 O ditador da Coreia do Norte ao lado dos seus generais  Foto: EFE

Outros sinais

Especialistas apontam também outros sinais da deterioração das relações entre os dois países. O governo chinês não aprovou quando Kim Jong-un executou o próprio tio, Jang Song-thaek, uma figura muito próxima da China. Kim Jong-un o acusou de tentar dar um golpe de Estado.

“Por outro lado, Pyongyang não gostou quando, em julho de 2014, o presidente chinês, Xi Jinping, visitou a Coreia do Sul antes da Coreia do Norte”, disse o jornalista Temtsel Hao. Um mês antes os governos da China e Coreia do Sul tinham acertado um tratado de livre comércio, aproximando mais os dois países.

Mas a Coreia do Norte “se acostumou a estar diplomaticamente cercada, por isso não é correta a ideia de que Kim Jong-un está aterrorizado devido à relação da Coreia do Sul com Xi Jinping”, disse à BBC Mundo Adam Cathcart, professor de história da China na Universidade de Leeds, na Grã-Bretanha, e editor-chefe do site Sino-NK, especializado na relação entre os dois países.

Os especialistas já observavam sinais de “crise” entre a China e a Coreia do Norte em um desfile militar realizado em Pequim no dia 3 de setembro de 2015. Naquela ocasião, a presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye, se manteve constantemente perto de Xi Jinping enquanto que o líder norte-coreano, Kim Jong-un, foi colocado em um dos últimos lugares destinados aos dignatários convidados para o evento.

Em resposta, o governo da Coreia do Norte não convidou as autoridades chinesas para as comemorações do 70º aniversário do Partido dos Trabalhadores no dia 10 de outubro, dizem os especialistas.

‘Colapso’

Mas o que aconteceria caso a relação entre os dois países se deteriorasse completamente e a China deixasse de apoiar a Coreia do Norte?

“A situação seria parecida à União Soviética de Nikita Kruschev quando suspendeu seu apoio a Pequim, depois de o governo chinês testar sua primeira bomba nuclear em 1964”, disse Temtsel Hao. “A China teve que devolver empréstimos e sofreu com a fome.”

Hao acredita que a Coreia do Norte passaria por uma situação parecida pois Pequim fornece a Pyongyang 90% de seu combustível. Além disso, 57% das importações da Coreia do Norte vêm da China e é para a China que vão 42% de suas exportações.

Os especialistas acreditam também que a Coreia do Norte receba bilhões de dólares em subsídios chineses para enfrentar seu déficit comercial. “Então, se isso acabasse, seria um desastre para Pyongyang”, afirmou.

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Reprodução/Foto-RN176 A presidente sul-coreana, Park Geun-hye, e o presidente chinês, Xi Jinping Foto: Getty / BBCBrasil.com

Possibilidade remota

Especialistas consultados pela BBC Mundo e outros pesquisadores em centros de estudos especializados na Ásia acreditam que a possibilidade de rompimento entre os dois países é muito remota.

“A ideia de que os chineses darão as costas aos norte-coreanos é claramente errada”, disse Adam Segal, do Conselho de Relações Exteriores, organização independente americana de pesquisa geopolítica.

Os dois países têm um acordo militar vigente até 2021 que já foi renovado duas vezes. Além disso, no dia 1º de setembro de 2015, Pequim inaugurou uma nova linha de trens de alta velocidade com o objetivo de aumentar a capacidade de transporte entre a China e a Coreia do Norte.

“Claramente Pequim não vai abandonar sua defesa hermética da Coreia do Norte diante do Conselho de Segurança (da ONU) quando se trate de refugiados ou violações de direitos humanos”, afirmou à BBC Mundo Adam Cathcart, do site Sino-NK.