Uma jornada brilhante

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 12/12/2020   07:24

RELATO

Atuando pela educação, Luanda não mede esforços para encorajar as pessoas a romper os limites e transformar a realidade

Reprodução/Foto-RN176 Luanda Moraes,  Responsalve . pela DF do Distrito Andaraí, resp. pelo Grupo Zenshin da Sub. Centro, CSMRJ – Foto – Editora Brasil Seikyo – BSGI

Luanda é determinada, sabe aonde quer chegar. Sua trajetória de desafios e de grandes conquistas se deve à base que obteve na família e na Soka Gakkai. E, sobretudo, fez do propósito humanístico e da luta pela justiça o impulso para construir uma história autêntica e, sem dúvida, inspiradora.

Ela, que deve assumir a reitoria da Fundação Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (Uezo), no Rio de Janeiro, em fevereiro de 2021, administra com seriedade e bom humor o tempo entre a família, a organização e uma agenda atribulada de trabalho. “Passo os dias tentando dar conta de tudo. Quando acordo e vejo a quantidade de mensagens no celular, parece até que sou famosa (risos). Mas a verdade é que, junto com tudo isso, vem a responsabilidade de cumprir com minha palavra por meio das minhas atitudes, sabe?

Em casa, leva uma vida simples com o marido, Fabio Massimo, e a mãe, Ephigênia, a pessoa que iniciou a prática budista na família, em 1985, por intermédio da amiga Jorgete, quando Luanda estava com 8 anos. “Meu pai, engenheiro químico, afetado pela situação econômica do Brasil na época, estava desempregado e também com tuberculose. Antes da crise, gozávamos de uma vida confortável, mas o padrão caiu consideravelmente. Faltava tudo. Nesse cenário, iniciamos a prática budista com dedicação e seriedade, com o objetivo de sair daquela situação.”

Como se não bastasse, o desafio de viver essa difícil realidade gera um trauma para a jovem e para o irmão que desenvolvem problemas na fala e excessiva timidez. “Nossa família havia mudado de casa e na nova vizinhança as pessoas se referiam ao nosso pai como engenheiro mendigo e isso me deixava muito triste. Sem acesso a tratamentos de fonoaudiologia e de psicologia, nossa terapia era participar das reuniões da Gakkai. Fazia parte da Asas da Paz Kotekitai (grupo que integrei por vinte anos) e, nas atividades, minha mãe incentivava meu irmão e eu para fazermos teatro, jogral, pesquisa, apresentação, e assim fomos melhorando.”

Ela complementa: “Nunca deixamos de assinar os periódicos e contribuir para o kosen-rufu de todas as formas, participando do Departamento de Contribuintes (Kofu)”.

Motivados pela família e pelos líderes do Grupo 2001 [atual Divisão dos Estudantes], Luanda e os irmãos cultivam o sonho de cursar faculdade no futuro. “Como o ensino era escasso na escola pública, o esforço era dobrado. Mesmo assim, meus irmãos Rodrigo e Eloa e eu estudamos em universidades federais. Gostava tanto de química que optei por cursar engenharia química ao invés de direito. É como uma veterana me disse certa vez, ‘O daimoku purifica nossos desejos’.”

Luanda passa cinco anos na faculdade, conciliando tarefas para se sair bem nas matérias do curso e atuar como líder da Divisão Feminina de Jovens (DFJ). “Foi uma fase maravilhosa e em meio aos estudos realizei meu primeiro shakubuku, uma integrante da DFJ como eu! Que vitória! Hoje, são 21 pessoas”, comemora.

Ela continua: “Concluí a gradua­ção, iniciei o mestrado e, a partir daí, deixei de dar despesas para meus pais porque consegui uma bolsa de estudos. Também comecei a dar aulas em universidades particulares e com as economias comprei um carro, o que facilitava o trajeto para meus empregos e para promover o kosen-rufu”.

Encantada com a área de pesquisas, após o mestrado, ingressa no doutorado. Pouco tempo depois, consegue uma bolsa de estudos em Milão, Itália; a comemoração é em dobro: “Durante o planejamento da viagem comprei meu primeiro imóvel. Parece que tudo acontece comigo ao mesmo tempo (risos). Na Itália, além de fazer estágio do doutorado, o objetivo era concretizar shakubuku. E assim aconteceu. Ensinei o budismo para um senhor que recebeu o Gohonzon junto com a primeira pessoa para quem ele ensinou o budismo”, relembra.

Líder da justiça

De volta ao Brasil, Luanda, enfrenta grandes desafios. Por outro lado, tem a chance de se reinventar. “Estava tendo dificuldades para concluir o manuscrito do doutorado. Meu primeiro casamento chegou ao fim e estava muito triste com isso. Então, percebi que estava diante da chance de fazer revolução humana e com toda a gratidão, concentrei-me em atuar pela felicidade das pessoas, a começar pelo bloco do qual era líder da Divisão Feminina (DF). Minha vida precisava daquela luta. Assim, venci a fragilidade emocional e consegui defender a tese sendo elogiada pela banca como uma pessoa diligente.”

Com o coração forte, Luanda segue confiante; e a fase que vem a seguir é de outras grandes conquistas. “A bolsa de estudos acabou, mas logo passei a dar aulas como professora substituta na Uezo, iniciando minha história nessa instituição. Além disso, fazia pós-doutorado e lecionava numa universidade particular.”

Em 2012, participa de um concurso público para professora efetiva da Uezo e, apesar dos esforços, fica em terceiro lugar no concurso, o que não lhe garante a classificação. No entanto, “Tinha certeza de que a vaga seria minha. E isso era tão certo para mim que fiquei muito tranquila. Acredita que no fim daquele ano surgiram mais duas vagas e fui admitida? Que poder tem esse daimoku!”.

Em 2015, movida pelo desejo de contribuir para a justiça, a igualdade e a inclusão social, assume a presidência da associação de docentes da universidade. “Aos poucos, comecei a construir uma história na luta pela conquista de direitos. Dava aulas, fazia pesquisa, ia para a rua, subia em palanque, muitas vezes estava sozinha. O resultado foi que, após dois anos de atuação, fui eleita vice-reitora da Uezo com total apoio dos professores para o quadriênio 2017-2021. Uau! Como assim? Logo eu? Questionei, na época. Bem, aprendi com Ikeda sensei que a pessoa que vive com base no Sutra do Lótus e que recita daimoku não nega desafio. Assim, ingressei nessa batalha.”

Ela ainda detalha: “Em 2017, o Rio de Janeiro vivia uma das suas piores crises e, claro, a educação foi bastante afetada. Não foi fácil. Recitei firme daimoku para compreender meu papel nesse contexto. Então, assumi uma nova postura com a convicção de ‘pronta disposição para suportar tantos sofrimentos quanto forem necessários para cumprir a missão como devoto do Sutra do Lótus nos Últimos Dias da Lei’1 — como diz o buda Nichiren Daishonin num escrito. Minha missão é promover a inclusão e empoderar jovens de uma das regiões mais populosas do estado e também uma daquelas na qual a dignidade da vida das pessoas não é o foco”, explica.

É avanço!

Na organização, Luanda se empenha para encorajar as integrantes da Divisão Feminina. Liderando o grupo Zenshin, ela vai ao Japão, em 2018, para participar de um curso de aprimoramento. “Reconfirmei meu juramento como discípula Ikeda, e a partir dali meus objetivos se alinharam ainda mais com o propósito do kosen-rufu. Empenhei-me para mudar meu comportamento e transformar tudo o que me impedia de avançar. Ikeda sensei afirma numa mensagem: ‘A vida é uma batalha contra impasses e provações inesperadas, como também contra a inércia e a estagnação que nos arrastam. A força fundamental capaz de romper todas essas circunstâncias é o daimoku do rugido do leão. A pessoa que recita daimoku não é derrotada, aconteça o que acontecer’”.2

Tal determinação reflete no trabalho e novamente ela se destaca. Concorrendo ao cargo de reitora da universidade, vence a eleição direta, em novembro de 2020, e assumirá o cargo em 2021. “Comuniquei a Ikeda sensei e ele me parabenizou pelos esforços. Reconfirmei minha decisão feliz por ter sido eleita pela comunidade universitária e por saber que faço parte de uma instituição que colabora para construir novos modelos de estruturas sociais, ao apoiar a gestão de uma mulher negra. Não trato essa conquista somente como mérito pessoal, mas como resultado da árdua luta da minha mãe, uma mulher extraordinária e do meu pai, que faleceu em 2018 deixando para mim um grande legado. Agradeço a Ikeda sensei e à família Soka, e às pessoas que antes de mim abriram o caminho que trilho hoje.”

Luanda comemora essa vitória, mas reconhece que é necessário driblar os imprevistos em tempos tão incertos. Destemida, faz planos, convicta de deixar registrado um grande feito nessa história. “Imagino um dia ver o campus próprio da Uezo que contribua para o desenvolvimento da localidade. A universidade ainda é vista na periferia como um sonho difícil de alcançar. Hoje, quando os jovens, os negros, os excluí­dos e os sem esperança me observam ao menos podem pensar ‘Eu também consigo!’”, explica.

Ela finaliza: “Sei que há muito para ser feito, mas quando os alunos vendo representatividade em mim, me agradecem pelo apoio, eu me revigoro! Reflito quão grandioso é meu propósito e que por isso não posso falhar. Com certeza, a educação é a ferramenta eficaz que insere as pessoas comuns nos mais restritos espaços sociais. Por isso, meu maior desejo é que os jovens cultivem o espírito de ‘jamais ser derrotado’, acreditando que é possível quebrar todas as barreiras que encontrarem. E que podem contar comigo para apoiá-los nessa caminhada que, mesmo não sendo tão simples, pode ser trilhada de maneira brilhante”.

Notas:

  1. Cf. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin, v. I, p. 211.
  2. Brasil Seikyo, ed. 2.352, 31 dez. 2016, p. A1.

Luanda Moraes, 43 anos. Engenheira química. Resp. pela DF do Distrito Andaraí, resp. pelo Grupo Zenshin da Sub. Centro, CSMRJ.