Beethoven 250 anos: cartas provam que criatividade surge do sofrimento

ROTANEWS176 E POR PLANETA 17/01/2021  23:10                                                                                                                  Por Karol J. Borowiecki* | The Conversation**

Um dos maiores compositores do mundo, nascido há 250 anos, canalizou com êxito suas emoções negativas para construir um genial catálogo de obras

Reprodução/Foto-RN176 Beethoven: sofrimento como mola propulsora da criatividade. Crédito: retrato feito por Joseph Karl Stieler, 1820/Wikimedia

A noção de que a criatividade artística e o estado emocional estão de alguma forma relacionados remonta à época de Aristóteles. No entanto, é extremamente difícil quantificar o grau de sofrimento (ou felicidade) de um artista, e ainda mais se um artista já faleceu. Em minha pesquisa, descobri uma maneira de fazer isso extraindo o conteúdo emocional da correspondência escrita.

Minha pesquisa revelou padrões de bem-estar emocional ao longo da vida de indivíduos criativos. Durante uma série de projetos de pesquisa sobre como o agrupamento geográfico de compositores influenciou sua criatividade, descobri grandes ganhos de produtividade por compositores que trabalharam em locais como Viena, Paris e Londres no final do século 18 ao início do século 20. Ao mesmo tempo, tornou-se aparente que nessas cidades os compositores ficavam, com uma frequência surpreendente, infelizes ou indispostos. Isso levanta a questão: como os fatores emocionais influenciam a criatividade?

Para responder a essa pergunta, recorri às cartas de um dos compositores mais famosos do mundo, Ludwig van Beethoven, que escreveu mais de 500 cartas ao longo de sua vida. Usando um software de análise linguística, pude revelar como o conteúdo emocional das cartas de Beethoven carrega as pistas de sua genialidade e produtividade. Passei meses examinando a carta e criando códigos, datando cuidadosamente cada correspondência. Também passei um tempo fazendo a distinção entre diferentes tipos de destinatário, pois ele escreveria de maneira diferente para os membros da família na comparação com colegas ou associados.

Bem-estar ao longo da vida

Os gráficos abaixo mostram as emoções positivas de Beethoven (quadro esquerdo) e emoções negativas (quadro direito) ao longo de sua vida. A ascensão e a queda das emoções positivas e negativas de Beethoven refletem os eventos que aconteceram durante sua vida. Por exemplo, um aumento de sentimentos negativos durante os últimos anos da adolescência de Beethoven corresponde à deterioração da situação financeira de sua família. Como resultado, Beethoven teve que ajudar a sustentar sua família assumindo algumas das funções de professor de seu pai, às quais ele tinha “uma aversão extraordinária”.

Reprodução/Foto-RN176 Gráficos que mostram como as emoções positivas e negativas de Beethoven mudaram ao longo do tempo. Crédito: Karol Borowiecki, fornecido pelo autor (sem reutilização)

Mas a sorte de Beethoven logo melhorou. Mudou-se para Viena em 1792, onde experimentou grande demanda por seu trabalho, o que lhe rendeu comissões cada vez mais prestigiosas. As emoções positivas do compositor chegaram ao auge nesse período, e seu humor negativo estava em declínio constante.

Surdez

Por volta da virada de 1800, a vida do compositor mudou para sempre quando ele descobriu que estava ficando surdo. Correspondentemente, observamos um aumento temporário das emoções negativas, bem como uma drenagem das emoções positivas, que permanecem muito baixas, mas estáveis ​​ao longo dos próximos 15 anos de sua vida.

Em 1809, Beethoven experimentou uma melhora temporária no ânimo quando sua estabilidade financeira foi garantida graças a uma generosa doação da Corte de Viena. Mas o bom humor não durou muito.

Em 1815, o irmão de Beethoven morreu após uma longa doença. Como resultado, o compositor tornou-se o guardião de seu sobrinho de 9 anos, Karl, com quem teve um relacionamento violento. Isso deixou Beethoven um homem abalado. Suas emoções positivas atingiram o ponto mais baixo de sua vida, enquanto as emoções negativas aumentaram gradualmente até sua morte em 1827.

Gênio triste?

Olhando para o período da vida de Beethoven, o desenvolvimento emocional do compositor é particularmente marcado por muitos momentos sombrios e tristes. Isso não é incomum para artistas famosos, mas a intensidade das dificuldades é particularmente notável na biografia de Beethoven.

Embora sua vida possa ter sido marcada pelo sofrimento, Beethoven parece ter canalizado com sucesso suas emoções negativas em sua produção musical. O que descobri é que a criatividade, medida pelo número de composições importantes, foi significativamente aumentada por seus humores negativos.

Reprodução/Foto-RN176 Retrato de Karl van Beethoven, sobrinho do compositor e responsável por muitos de seus infortúnios. Crédito: Wikimedia

Por exemplo, um aumento de 9,3% nos sentimentos negativos provocados por um acontecimento inesperado, como uma morte na família, resultou num aumento correspondente da criatividade e na criação de mais 6,3% de trabalhos significativos no ano seguinte.

Tristeza e criatividade

E por fim, você pode perguntar se existe algum tipo específico de emoção negativa que impulsiona os resultados. Por esse motivo, dividi o índice de emoções negativas em ansiedade, raiva e tristeza e descobri que a tristeza é particularmente propícia à criatividade. Como a depressão está fortemente relacionada à tristeza, esse resultado se aproxima muito de afirmações anteriores feitas por psicólogos de que a depressão pode levar ao aumento da criatividade.

Isso constitui um conhecimento importante sobre como as emoções negativas podem fornecer material fértil no qual a pessoa criativa pode se basear – uma associação que tem fascinado muitos desde a Antiguidade. Mas, o mais importante, no 250º aniversário do nascimento de Beethoven, esses resultados mostram que todas as adversidades enfrentadas pelo compositor determinaram sua produção prolífica e conferiram-lhe fama imortal e inesquecível. Então, como ele escreveu em suas cartas: “Adeus e não se esqueça de seu Beethoven”.

* Karol J. Borowiecki é professor de História Econômica das Artes na Universidade do Sul da Dinamarca.

**Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.