ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 30/01/2021 17:10 COLONISTA
Por Jorge Kuranaka
No meio jurídico, observar o tempo beneficia o resultado nos processos
Reprodução/Foto-RN176 Foto de ilustração – Editorial Brasil Seikyo – BSGI
Na Grécia antiga, Aristóteles (384–322 a.E.C.) entendia que o tempo era uma medida de mudança contínua de tudo. A canção Oração ao Tempo, de Caetano Veloso, se refere ao tempo como “compositor de destinos, tambor de todos os ritmos”. No budismo, há o profundo conceito de “longínquo tempo sem início” (kuon-ganjo) e o ciclo de “nascimento, envelhecimento, doença e morte” que marca as fases de uma existência. O buda Nichiren Daishonin discorre em seu escrito A Seleção do Tempo sobre a importância do tempo para um praticante do budismo.1
“Tempo”, tema sobre o qual Isaac Newton, Albert Einstein e tantos gênios já se debruçaram em estudo, e que permanece como maior enigma da física, também importa às ciências jurídicas, seja para criar ou extinguir direitos, seja para marcar o ritmo e o ritual dos processos e dos atos que o compõem.
O Código Civil Brasileiro estabelece prazos máximos diferentes para o ajuizamento das ações, conforme a sua natureza. Para ilustrarmos, podemos citar o prazo de um ano para o segurado deduzir sua ação contra o segurador (não abordaremos aqui o marco inicial do prazo); de dois anos, para receber prestações alimentares, a partir da data do vencimento; de três anos, para a cobrança de aluguéis de prédios urbanos e para a pretensão de reparação civil. No caso de ações cíveis, se não houver previsão específica, o prazo para o ajuizamento será de dez anos. A reclamação trabalhista também deve ser proposta no prazo máximo de dois anos, a contar da data do rompimento do contrato com a empresa.
O processo, em si, de uma forma simplificada, é o instrumento por meio do qual o pedido formulado pelo autor é recebido, tramitado e julgado. Nele, há prazos para todos os atos: defesa, indicação de provas, juntada de documentos, articulação de sentença, recursos etc.
A perda do tempo (prazo) para a propositura da ação ou para a produção de um ato processual — contestação ou recurso, por exemplo — resultará em prejuízo para a parte. Inclusive, sobre isso, o direito tem uma expressão bastante dura e conhecida no meio jurídico: “O direito não socorre aos que dormem”.
Porém, o tempo, ou o seu transcurso, também pode criar direitos. Baseado no princípio de que a propriedade deve ter função social, a pessoa que usufruir como se fosse seu um imóvel urbano ou rural de terceiros, de forma contínua, poderá adquiri-lo por meio de uma ação de usucapião. O tempo exigido de posse será de quinze anos, dez anos ou até mesmo de cinco anos, variando de acordo com a presença ou não de critérios como justo título, boa-fé e, no prazo menor, até o tamanho do imóvel (até 250 m2, se imóvel urbano). O tempo de posse para a aquisição por usucapião de bem móvel, um carro, por exemplo, é menor: de três a cinco anos.
Em geral, também nos processos criminais, haverá um prazo máximo para que a Justiça termine o processo, e outro para que faça cumprir a pena. Por outro lado, o racismo é imprescritível; ou seja, seus autores sempre estarão sujeitos a serem responsabilizados criminalmente por seus atos, independentemente do tempo transcorrido.
Os bens deixados por uma pessoa ao falecer serão partilhados da forma e entre os herdeiros indicados na lei vigente ao tempo do falecimento, e não da lei em vigor ao tempo da posterior propositura da ação de inventário. A própria Constituição Federal assegura a imutabilidade de situações jurídicas consolidadas de acordo com as regras então vigentes (ato jurídico perfeito e direito adquirido), ou julgadas por decisões das quais não mais caibam recursos (coisa julgada), mesmo que advenham novas leis dispondo de forma diferente.
Reprodução/Foto-RN176 Jorge Kuranaka, Procurador do Estado, mestre em direito, professor universitário. É vice-coordenador da Coordenadoria Norte-Oeste Paulista (CNOP) e consultor do Departamento de Juristas da BSGI – Editorial Brasil Seikyo – BSGI
A observância do tempo no direito garante a dinamicidade, bem como a segurança jurídica necessária à vida e aos negócios. Já o processo é marcado por uma sequência de atos com marcha impulsionada sempre para a frente, como a própria vida. O contrário ocorrerá somente na ficção, como no filme O Curioso Caso de Benjamin Button, baseado em conto homônimo,2 em que o personagem principal nasce idoso, mas rejuvenesce com o passar dos anos até falecer como um bebê.
Notas:
- CEND, v. I, p. 562-621.
- O Curioso Caso de Benjamin Button, de autoria do escritor estadunidense F. Scott Fitzgerald, foi publicado pela primeira vez em 27 de maio de 1922, na revista Collier’s Weekly. A adaptação para o cinema foi feita em 2008.