Entre a riqueza e a felicidade

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO  08/05/2021 07:51                                                                   Por Marcio Nakane

Paradoxo de Easterlin ajuda a entender que nem sempre ter boas condições de acesso a bens materiais e imateriais colabora para a felicidade

Reprodução/Foto-RN176 Foto Reprodução/Foto-RN176 Marcio Nakane doutor em economia pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, e professor doutor de economia na Universidade de São Paulo (USP) – Editorial Brasil Seikyo – BSGI

Em artigo recente,1 mostramos que, quando comparamos pessoas de um mesmo país, observadas em certo período, ter mais dinheiro está relacionado com sentir maior felicidade. Ou seja, pessoas com maior renda reportam índices de satisfação com a vida em maior grau que pessoas mais pobres. Vimos também que o acréscimo na felicidade é pronunciado quando se aumenta a renda de pessoas muito pobres, mas é pequeno quando se aumenta a renda daquelas que já são muito ricas.

Neste artigo, proponho considerarmos outra situação. Imaginemos que calculamos a renda média, bem como a felicidade média, dos habitantes de uma nação em determinado ano. E desejamos observar o que acontece com esses valores médios ao longo dos anos. Como exemplo gráfico, vejamos a figura que ilustra essa relação, para o caso dos Estados Unidos, com informações para o período de 1972 a 2018.2

O resultado é surpreendente. Enquanto a renda per capita norte-americana aumentou significativamente, passando de 25,6 mil dólares em 1972 para 57,2 mil dólares em 2018 (aumento de 123%), o índice de felicidade do americano ficou praticamente estagnado nesse período. Esse resultado inesperado é chamado de “paradoxo de Easterlin”, uma referência ao economista Richard Easterlin, o primeiro a apresentar tal relação. Outros países como Reino Unido, Austrália, Alemanha, França e Japão também apresentam o mesmo fenômeno.

Há duas explicações (não excludentes) para tal paradoxo. A primeira é de que progresso material nem sempre foi acompanhado de coesão social. No pós-guerra, ao lado do enriquecimento pessoal, houve grande aumento de mazelas sociais relacionadas a depressão, uso de drogas, aumento de casos de alcoolismo e violência, que são fontes de infelicidade para as pessoas.

Reprodução/Foto-RN176 Grafico demostrativo – Editorial Brasil Seikyo – BSGI

A segunda indica que as pessoas usam padrões relativos para avaliar seu nível de felicidade. Ou seja, o enorme ganho de renda nas últimas décadas não foi acompanhado por ganhos equivalentes na sensação de felicidade porque a situação relativa entre as pessoas não necessariamente se alterou. A questão aqui envolve tanto a comparação com algum grupo de referência (parentes, vizinhos, colegas de trabalho) como também consigo mesmo.

À medida que melhoramos a renda, nossa referência vai mudando e necessitamos aumentar mais e mais nosso padrão de consumo (hábitos) para manter o mesmo nível de satisfação.

Josei Toda, segundo presidente da Soka Gakkai, ressaltava a diferença entre felicidade relativa e felicidade absoluta. Felicidade relativa é quando alcançamos satisfação ou prazer ao adquirirmos um bem material que desejávamos muito ou quando recebemos promoção no trabalho. Os eventos que geram felicidade relativa são, certamente, muito importantes na nossa vida (é por isso que eles representam felicidade) e têm duas características essenciais. Em primeiro lugar, a felicidade relativa é momentânea, passageira. Assim, uma vez que passa o impulso relacionado ao evento que provocou a satisfação voltamos ao estágio anterior e sentimos uma sensação de vazio ou de “quero mais” e condicionamos os momentos felizes da nossa vida à obtenção de tais experiências. Em segundo, a felicidade relativa depende de fatores externos, isto é, nossa felicidade passa a depender do que acontece ao nosso redor e de estarmos sempre recebendo os impulsos externos para nos sentirmos satisfeitos. Dessa forma, o paradoxo de Easterlin pode ser entendido como o predomínio da felicidade relativa na avaliação das pessoas.

A felicidade absoluta, por sua vez, é uma condição de vida em que, independentemente das circunstâncias externas, o mero fato de estarmos vivos gera elevado estado de felicidade. A prática budista nos ensina e nos encoraja a conquistar essa elevada forma de viver, em que se encontra essa felicidade absoluta não apenas para nós, mas para todas as pessoas, resultado da ação benevolente de verdadeiros budas.

Marcio Nakane

Doutor em economia pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, e professor doutor de economia na Universidade de São Paulo (USP). Membro da BSGI desde 2009, é líder da Comunidade Jaguaribe, em Osasco, SP

Notas:

  1. Dinheiro Traz Felicidade? Brasil Seikyo, ed. 2.557, 27 mar. 2021.
  2. A informação sobre renda per capita foi obtida do Federal Reserve Bank of St. Louis (https://fredhelp.stlouisfed.org), em dólares constantes de 2012. O índice de felicidade é extraído do General Social Survey (https://gssdataexplorer.norc.org/). Considerou-se a média ponderada das respostas Not too happy (não muito feliz), Pretty happy (pouco feliz) e Very happy (muito feliz) com pesos respectivos 1, 2 e 3.