A família é um lar

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO  22/05/2021 08:05                                                                    Por Jorge Kuranaka

COLUNISTA

Entenda alguns dos impactos da pandemia na relação entre as famílias brasileiras e o direito das famílias

Reprodução/Foto-RN176 Foto de ilustração – Editorial Brasil Seikyo – BSGI

Há mais de um ano, a realidade da pandemia decorrente da Covid-19 e de seu enfrentamento pelas autoridades sanitárias mudou radicalmente a nossa vida: trabalho em esquema home office, aulas e reuniões por videoconferência, inviabilização de festas, confraternizações, passeios e viagens. O resumo disso é que o casal e os filhos permanecem basicamente em casa, aumentando o tempo e a proximidade do convívio familiar.

A pandemia trouxe mudanças abruptas também na dinâmica das famílias brasileiras e, consequentemente, nas regras do direito das famílias. Uma revista noticiou que os divórcios consensuais despencaram nos três primeiros meses de quarentena no Brasil, e aumentaram 54% entre maio e julho de 2020.1 Outra pesquisa, da Agência Brasil, de 22 de junho de 2020, indica que os cartórios (tabelionatos) registraram aumento de 18,7% de divórcios durante a pandemia.2

A redução inicial pode ter sido decorrente de um represamento dos divórcios. O aumento de casos nos meses seguintes coincidiu com o oferecimento de serviços remotos realizados pelos cartórios. O número de casamentos também teve redução de 33,3% de janeiro a agosto de 2020.3

Em separação ou divórcio, um aspecto importante é o da guarda e visitas aos filhos. Estando o filho sob a guarda da mãe, por exemplo, há casos em que a genitora não permite ao pai a realização de visitas, por conta dos riscos de contágio. Há também pais que não querem fazê-las, alegando o mesmo motivo.

Com ou sem a interferência do juiz, o casal deve chegar a uma solução que melhor atenda aos interesses da criança, observados os cuidados que a pandemia exige. Um desembargador do Pernambuco, Dr. Jones Figueirêdo Alves, chegou a sugerir que algumas visitas poderiam se dar de forma virtual; o período de maior isolamento poderia ser compensado por um tempo maior de convivência entre filho e o lado não guardião, assim que a situação tornar isso possível.4

Outro problema agravado nesse período é o do cumprimento das obrigações alimentares dos pais em relação aos filhos, ou de um ex-cônjuge em relação ao outro. O valor da pensão alimentícia a ser paga é sempre decorrente do parâmetro “necessidade” de quem a recebe e “possibilidade” (econômica) de quem a paga, e é sempre modificável, para ser revisada em sua redução ou no aumento.

O processo de execução de alimentos por não pagamento pode acarretar a prisão do devedor, pelo prazo de um a três meses, como meio de coerção para compeli-lo ao pagamento. Em tempos de pandemia, a medida exporia o devedor aos riscos de contágio. Por isso, a Lei nº 14.010/2020 determina que a prisão civil por dívida alimentícia fosse cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, até 30 de outubro de 2020.

Uma constatação grave é a de que houve aumento de casos de violência doméstica e de feminicídios durante a pandemia. Alguns relatórios pesquisados reportam crescimento de 2% de casos de feminicídios em 2020; outros, de 7%, comparados ao período de 2019. Atribui-se isso ao fato de que hoje o ofensor está com a vítima em tempo integral, colocando-a sob sua vigilância, o que dificulta que a vítima comunique a agressão.

Mas nem todos os efeitos desse confinamento compulsório são negativos. Essa realidade de estreitamento das relações familiares, que pode fazer parte do chamado “novo normal”, deverá envolver um reaprendizado das interações entre os integrantes. Comenta-se que dessa nova situação se desenvolverá a “família resiliente”, com fortalecimento das relações familiares, mais estreita e mais solidária.5

Em sua Proposta de Paz de 2012, o presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, expõe o elevado significado da família, que muito bem poderia nortear nosso direito de família: “Um lar é muito mais do que simplesmente um lugar no percurso da nossa existência; está gravado com a história da família, repleta de emoções e sensações. Abrange um tipo especial de linha do tempo”.6

Reprodução/Foto-RN176 Jorge Kuranaka, Procurador do Estado, mestre em direito, professor universitário. É vice-coordenador da Coordenadoria Norte-Oeste Paulista (CNOP) e consultor do Departamento de Juristas da BSGI –  Editorial Brasil Seikyo – BSGI

Notas:

  1. Disponível em: https://epoca.globo.com/brasil/divorcios-crescem-54-no-brasil-apos-queda-abrupta-no-inicio-da-pandemia-24635513 . Acesso em: 27 mar. 2021.
  2. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-07/cartorios-registram-aumento-de-187-nos-divorcios-durante pandemia#:~:text=O%20n%C3%BAmero%20de%20div%C3%B3rcios%20consensuais,%2C%20aumentou%2018%2C7%25 . Acesso em: 27 mar. 2021.
  3. Conforme informações do Colégio Notarial do Brasil, 5 out. 2020.
  4. Revista IBDFAM — Instituto brasileiro de Direito de Família, ed. 51, jun.-jul. 2020. p. 4-6.
  5. Ibidem.
  6. Segurança Humana e Sustentabilidade: Compartilhar o Respeito pela Dignidade da Vida. Proposta de Paz. In: Terceira Civilização. ed. 524, 14 abr. 2012, p. 4-5.