ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 14/08/2021 06:15 Por Jorge Kuranaka
COLUNISTA
O avanço do direito nas questões raciais e o reconhecimento do termo “racismo recreativo”
Reprodução/Foto-RN176 Foto de ilustração – Editora Brasil Seikyo – BSGI
As pessoas nascem livres e iguais em direitos e em dignidade, não podendo sofrer discriminações. É o que proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948. Por outro lado, a proteção contra a discriminação racial no campo do direito penal evoluiu lenta e timidamente. A Lei nº 1.390/51 (Lei Afonso Arinos) foi um marco nessa proteção, mas tratava as ações preconceituosas como meras contravenções penais — e não como crimes — com pena de um ano de prisão ao infrator.
A Lei nº 7.716/89, conhecida como “Lei Antipreconceito” passa a considerar como crime a conduta de preconceito por raça ou cor, por etnia, religião ou procedência nacional, com previsão de pena de um a cinco anos de prisão. Exemplo de comportamento que se enquadra nessa lei é o de proibir pessoas negras de entrar em determinado estabelecimento.
A partir de 1997, com a Lei nº 9.459, o Código Penal passou a prever o crime de injúria racial, se a ofensa contra a honra da pessoa utilizar elementos quanto a raça, cor, etnia, religião, origem, com pena de reclusão de um a três anos. Como exemplo, podemos citar o uso de palavras como “nordestinos”, “negros”, “loiras”, seguido de adjetivos depreciativos ou preconceituosos.
Entretanto, muitas condutas não chegam a caracterizar o crime de preconceito nem o de injúria racial, mas representam violação à dignidade da pessoa e à garantia de não discriminação. É o que muitas vezes é chamado apenas de “politicamente incorreto”.
Racismo recreativo
Decisão recente de uma Vara do Trabalho de São Paulo condenou a empresa empregadora a pagar indenização por danos morais a ex-funcionária, por tê-la feito passar por série de constrangimentos, ao permitirem comentários depreciativos, piadas e brincadeiras, que expressavam desprezo e superioridade. A sentença registra que a ex-empregada sofria “racismo recreativo”, termo cunhado pelo professor Adilson Moreira,1 doutor em direito antidiscriminatório pela Universidade Harvard. O termo pode ser explicado por piadas ou referências manifestadas, por humor e por brincadeiras, que reproduzem ou reforçam estigmas raciais, os quais depreciam a pessoa.
Segundo esse jurista, mesmo dentro de uma narrativa cultural de cordialidade racial, e ainda que não violem o Código Penal, consciente ou inconscientemente, essas condutas de “racismo recreativo” são compostas por uma série de atos ou palavras praticadas de forma velada e utilizando-se do humor, manifestando desprezo ou censura, e causando microagressões a pessoas de grupos minoritários.
Reprodução/Foto-RN176 Jorgo Kuranaka Procurador do Estado mestre em direito e consultor do Departamento de Jurisa da BSGI – Editora Brasil Seikyo – BSGI
Adilson Moreira nega o acerto da jurisprudência, que vinha entendendo que “produções culturais, como programas humorísticos, não são discriminatórias ao reproduzirem estereótipos raciais, por promoverem a descontração das pessoas”.
Esse “racismo recreativo”, na medida em que causa sentimentos de dor, sofrimento, revolta, angústia e humilhação, mesmo não sendo suficiente para enquadrar o ofensor às leis penais, servirá como fundamento de pedido de indenização por danos morais ao Poder Judiciário. Essa decisão pioneira da Justiça do Trabalho, possivelmente ainda sujeita a recursos, abre um precedente importante, de evolução do direito na promoção mais ampla do respeito à dignidade da pessoa.
O presidente Ikeda, no poema Brasil, Seja Monarca do Mundo!, escreve sobre o nosso país: “Comunhão de raças, / Convivência humana, / Sonho da democracia racial”.2 Cabe a nós tornar realidade esse ideal do nosso mestre.
Notas:
- MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Editora Jandaíra, 2019.
- Brasil, Seja Monarca do Mundo!. In: Brasil Seikyo, ed. 1.617, 25 ago. 2001.