Muçulmanas contam o que não aguentam mais explicar sobre a religião islâmica

ROTANEWS176 E POR IG DELAS 19/08/2021 04:28                                                                                                Por Luiza Lemos

A tomada do Afeganistão pelo Talibã levantou preocupações com as mulheres no Afeganistão; Iris Cajé e Fatima Cheaitou explicam o que é religião, o que é política e como não confundir as duas coisas

Reprodução/Foto-RN176 Íris e Fatima moram em países árabes e contam as experiências nas redes sociais – Reprodução/Instagram

RESUMO

  • Apesar de serem brasileiras e não terem família no Afeganistão, nem nunca terem morado lá, Iris e Fatima acabam recebendo perguntas sobre o país e o Talibã
  • Iris e Fatima são questionadas sobre o amor que recebem sendo muçulmanas e sobre o uso do hijab (véu)
  • As duas consideram algumas perguntas como islamofobia (preconceito contra muçulmanos)

Imagine se algo terrível acontecesse no Vaticano e todo mundo quisesse saber sua opinião porque você é católico, mesmo sem você saber muito bem o que se passa por lá. É isso que vivem mulheres muçulmanas em diversas partes do mundo, que mesmo vivendo em países laicos, como o Brasil, são sempre demandadas a dar explicações sobre as condições de vidas das mulheres muçulmanas em diversas partes do mundo.

Com a volta do Talibã ao governo do Afeganistão, crescem as preocupações com a situação das mulheres naquele país , já que o grupo que controla o país veta praticamente qualquer direito às pessoas do sexo feminino. Com isso, muitas mulheres muçulmanas se tornaram alvo de questionamento – e até ataques nas redes sociais –  simplesmente por serem muçulmanas. Para ajudar a separar o que é religião do que política, isso conversamos com duas brasileiras que segue a fé islâmica e perguntamos o que elas não aguentam mais ter que explicar.

Para o iG Delas, Iris Cajé, dona da página ‘Vida nas Arábias’, o que mais incomoda é ter que mostrar que a religião não prega a violência. “Explicar incansavelmente que o Islã não prega a violência, as pessoas tiram de contexto parte do Alcorão, um livro sagrado que foi revelado há mais de 1400 anos”, diz.

“Além disso, ter que explicar que o Islã, assim como o cristianismo, é uma religião abraâmica, ou seja, cremos no mesmo Deus. Que “Allah” é a palavra Deus em Árabe, assim como God é inglês”, conta Iris.

Fatima Cheaitou, que controla a página Fala Fatuma, diz que a situação é bem incômoda para uma muçulmana que é independente. “As perguntas que eu mais recebo geralmente são primeiramente se eu sou oprimida, se eu sou obrigada a usar o esse meu pai que me obriga, se eu devo usar o hijab é porque meu pai quer o meu marido, que um homem que me mandou e se eu não posso estudar, se eu não posso trabalhar”, conta.

“O que acaba incomodando muito é a forma que as perguntas são feitas. Sabe quando uma pessoa vem com muito preconceito num tom de superioridade como se ela fosse melhor ou se ela soubesse mais”, diz Fatima.

Iris, que em sua página mostra a experiência de uma brasileira na Arábia Saudita, conta que muitas vezes os comentários em suas publicações são carregados de preconceito. “Até mesmo quando posto algum vídeo com a participação do meu marido ou filhos, as pessoas ficam abismadas como um homem árabe e muçulmano pode ser amoroso. Já que, infelizmente, através das notícias e da mídia ocidental, já uma visão muito deturpada sobre muçulmanos e árabes”, conta.

Por conta da ocupação do Talibã, as perguntas aumentaram nas redes de Fatima e Iris, mesmo que as duas não morem no país ou tenham parentes na região. “Algumas são com dúvidas se corremos algum risco estando aqui. Mas a grande maioria é demonstrando apoio ou mandando posts de outras pessoas do Instagram falando sobre o assunto”, conta Iris.

“Acabei recebendo várias, não é um assunto que eu domino. Eu entendo da religião, eu posso falar do livre arbítrio, mas eu não posso pegar e falar sobre a política do Afeganistão que por mais que eu esteja sabe lendo tudo, sobre o assunto e eu entendo um pouco porque a gente acaba sabendo, vendo”, diz Fatima.

“Acaba tendo essa imagem de que a porque você é muçulmana você sabe de tudo e é tudo a mesma coisa. Isso é falso porque cultura muda, né? A cultura muda em todos os locais então assim eu recebi muitas perguntas sobre o Afeganistão mesmo não sendo um assunto que eu sabe tenho domínio só”, conta Fatima.

Talibã X Islã

As entrevistadas relatam que muitas vezes o grande público confunde Talibã e o Islã. Um é o grupo extremista, outro é a religião. “Eu até entendo a confusão, mas quando vejo pessoas influentes usando de suas redes sociais para fomentar ainda mais o preconceito contra a religião, me deixa muito triste”, diz Iris.

“É cansativo ter que se explicar sobre algo com o qual eu não tenho a mínima relação, sabe? Eu sei que sou muçulmana e sigo a religião Islâmica, mas isso nada tem a ver com o Talibã”, comenta Iris. Para Fatima, a confusão gera islamofobia.

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“A gente fica falando que não é assim, até mesmo porque o terrorismo acaba afetando nós muçulmanos muito mais do que afeta saber as outras pessoas, porque além de todos os muçulmanos que estão sendo mortos sabe? Em todos os lugares do mundo não apenas por conta do terrorismo mas também por conta de islamofobia. Ao confundirem sofremos mais ainda. Então, a gente tenta explicar o nosso ponto de vista, mas tem esteriótipos que já estão enraizados na cabeça das pessoas”, conta Fatima.

Sunita ou Xiita?

Do mesmo modo que os cristãos podem se dividir em vertentes como católicos, ortodoxos e protestantes, na religião islâmica, há duas vertentes: a sunita e a xiita. Iris é sunita, Fatima é xiita. Uma das confusões mais comuns é entender xiita como sinônimo de radical ou terrorista. “É uma coisa bem chata, usam de sinônimo que somos extremistas e isso não é verdade. É mais um estereótipo que sofremos. Acaba sendo uma forma de islamofobia”, diz Fatima.

“Conheço pessoas maravilhosas que são xiitas e tenho admiração por serem mulheres fortes e que estão na Internet tentando desmistificar sobre o Islã. Mesmo com as grandes divergências entre as vertentes que seguimos, não concordo que esteriótipos como esse sejam usados contra ninguém”, conta Iris.