ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 25/09/2021 08:29
ENCONTRO COM O MESTRE
Ensaio da série “Irradie a Luz da Revolução Humana”
- DAISAKU IKEDA
Gostaria de estender minha mais profunda solidariedade aos nossos membros de todas as partes do mundo que estão enfrentando dificuldades no rescaldo de vários desastres naturais, inclusive no oeste do Japão, que sofreu recentemente com chuvas torrenciais devastadoras.
Reprodução/Foto-RN176 Nas terras de Hokkaido, a história infindável da luta conjunta de mestre e discípulo. Na foto, presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), Dr. Daisaku Ikeda, e sua esposa, Kaneko, no Centro Cultural de Hokkaido (Sapporo, Japão, 24 ago. 1991). Dr. Daisaku Ikeda. Ele é um filósofo, escritor, fotógrafo, poeta e líder budista da SGI atualmente o Mestre e Presidente da Soka Gakkai Internacional – SGI – Editora Brasil Seikyo – BSGI
Como Nichiren Daishonin indica em seu tratado Estabelecer o Ensinamento para a Pacificação da Terra, chuvas torrenciais, assim como epidemias, constituem calamidades que vêm causando sofrimento e provações ao longo das eras.
Hoje, em meio à pandemia da Covid-19 e aos desastres naturais aparentemente infindáveis, como podemos ajudar cada pessoa a se manter invencível diante desses desafios e transformar veneno em remédio? Precisamos pensar nisso no contexto de nossa comunidade e sociedade locais e do mundo, recitar daimoku e trabalhar juntos por esse propósito. É assim que cumprimos nosso juramento de concretizar o ideal de Daishonin de “estabelecer o ensinamento para a pacificação da terra” (rissho ankoku).
Quero expressar minha imensa gratidão àqueles engajados nos esforços de auxílio humanitário e reconstrução, bem como aos profissionais da saúde que estão lutando incansavelmente para salvar e proteger vidas durante a pandemia.
Também estou orando de coração pela saúde, longevidade e segurança dos nossos preciosos membros de todos os lugares.
* * *
Agosto é o mês para fortalecermos nosso juramento de alcançar um mundo sem guerras e expandir nossa rede de pessoas dedicadas à paz.
Encontrei-me pela primeira vez com meu mestre, Josei Toda, em 14 de agosto de 1947, véspera do segundo aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial. Eu tinha 19 anos na época. Isso se deu cerca de três meses após a minha família receber a notificação de que meu amado irmão mais velho havia sido morto na guerra, quando vi a reação de dor e de tristeza da minha mãe diante da terrível notícia.
Toda sensei sobrevivera à prisão no período da guerra onde foi confinado por defender suas convicções e saiu de lá como líder de um movimento popular pela paz. No dia em que nos conhecemos, ele me ensinou o modo correto de viver, e dez dias depois, num 24 de agosto de calor sufocante, ingressei na Soka Gakkai. Iniciei a jornada conjunta de mestre e discípulo, sustentando o grande juramento pelo kosen-rufu, pela paz mundial.
No dia 24 de agosto de 1950, meu terceiro aniversário de conversão à fé, numa época em que os negócios de Toda sensei estavam em grave crise, ele e eu, mestre e discípulo, discutimos a fundação do Seikyo Shimbun, o jornal da Soka Gakkai, como a voz em defesa da dignidade da vida.
Na noite de 14 de agosto de 1952, peguei o trem expresso especial Tsubame atravessando a ponte sobre o rio Yodogawa rumo a Osaka, determinado a abrir novas esferas para o kosen-rufu. Na ocasião, participei de uma reunião de palestra na cidade de Sakai e, a partir daquele grupo de pessoas comuns otimistas e resilientes, iniciei uma brava luta para construir a “Kansai de Contínuas Vitórias”.
Em agosto de 1955, eu estava na região de Hokkaido, terra natal do meu mestre, liderando a Campanha de Verão de Sapporo para expandir o nosso movimento pelo kosen-rufu lá. Naquela oportunidade, os membros e eu estudamos os escritos de Nichiren Daishonin e nos encorajamos mutuamente, determinados a edificar uma sociedade maravilhosa pautada pelos princípios de afirmação da vida preconizados pelo Budismo Nichiren. Então, recebemos Toda sensei em Hokkaido com um novo recorde de propagação no dia 24 de agosto, meu oitavo aniversário da fé.
Reprodução/Foto-RN176 Yusen (“Batalha Corajosa”) – os dois ideogramas registrados por Ikeda sensei durante a luta de Osaka em 1956 são novamente gravados com a marcante tinta preta nesta caligrafia em Kansai no ano de 1983 – Editora Brasil Seikyo – BSGI
Ano após ano, continuei conquistando vitórias de mestre e discípulo em agosto, meu ponto de partida na fé. Ao lado dos meus fiéis amigos e meus companheiros da Divisão Sênior (DS), trilhei o caminho correto da vida rumo à concretização da paz e de “valores humanos”.
Daishonin conclui seu tratado Estabelecer o Ensinamento para a Pacificação da Terra com o seguinte desejo e juramento:
Espero que possamos tomar medidas contra essas calúnias à Lei o mais rápido possível e trazer a paz ao mundo sem demora, garantindo, dessa maneira, segurança nesta vida e boa sorte na próxima.1
Aconteça o que for, sempre recitaremos vigorosamente Nam-myoho-renge-kyo e avançaremos hasteando a bandeira da verdade. Estenderemos a mão àqueles à nossa volta que estão sofrendo, dedicando-nos à felicidade de todas as pessoas e à paz mundial. Com paciência e perseverança, e mediante diálogo sincero, prosseguiremos abrindo o caminho para uma sociedade pacífica e segura, e consolidaremos, para nós e para os outros, a felicidade eterna de atingir o estado de buda nesta existência.
* * *
Por uma interessante coincidência, 15 de agosto de 1947, dia seguinte ao meu encontro com Toda sensei, é a data em que a Índia, terra natal do budismo, obteve sua independência.
Lembro-me de algumas palavras do grande poeta indiano Rabindranath Tagore, que este ano completaria 160 anos. Ele declarou que a história da humanidade aguarda com paciência pelo triunfo dos oprimidos.2 Essas palavras foram escritas durante as suas visitas ao Japão.
Em sua primeira viagem ao país em 1916, Tagore chegou a Kobe e dali seguiu para Osaka e Tóquio. Permaneceu um tempo em Yokohama e, naquele verão, visitou a casa do empresário pioneiro japonês Eiichi Shibusawa (1840–1931), em Asukayama, no bairro de Kita, Tóquio, e em Izura, província de Ibaraki. Em Karuizawa, província de Nagano, ele também conversou com um grupo de estudantes de uma universidade feminina japonesa sentados sob uma frondosa árvore.
A propósito, recebi a notícia sensacional de que no dia 19 de julho [2021], aniversário da Divisão Feminina de Jovens (DFJ), os membros do Kayo Kai (grupo de aprimoramento) da Índia ultrapassaram a marca dos 50 mil. Em meio à pandemia da Covid-19, nossas jovens integrantes da DFJ da Índia continuaram ampliando o lindo jardim florido de felicidade com seu espírito puro e resiliente, como flores de lótus que se abrem no pântano.3
Felizes são aquelas invencíveis.
Felizes são aquelas destemidas.
Felizes são aquelas que têm forte fé.
Todas vocês são rainhas
da felicidade.
Essas são palavras que minha esposa, Kaneko, e eu dedicamos às mulheres Soka da Índia há três décadas [durante uma visita em 1992].
Minha esposa também sustenta a firme determinação de manter uma vida invencível ao lado de suas companheiras. Ela estava com 9 anos quando começou a praticar o Budismo Nichiren com os pais, completando este ano oitenta anos de conversão.4
Como precursora da Divisão dos Estudantes (DE) Futuro, certa ocasião, ela guiou Makiguchi sensei segurando a mão dele da estação de trem mais próxima da casa de sua família a uma reunião de palestra. Também foi uma das primeiras integrantes da Divisão Feminina de Jovens quando a divisão foi fundada por Toda sensei, e persistiu, empenhando-se intensamente pelo kosen-rufu, mesmo após se tornar mãe e membro da Divisão Feminina (DF), assim como as atuais componentes da Geração Jovem Lírio Branco do Japão.5 Ela continua recitando daimoku fervorosamente para que suas amigas, mulheres Soka, sóis da paz, não só na Índia, mas no mundo inteiro, tenham uma vida invencível de felicidade e vitória dia após dia.
* * *
Toda sensei proferiu sua Declaração pela Abolição das Armas Nucleares em 8 de setembro de 1957, no Estádio de Mitsuzawa, em Yokohama. Foi um evento profundamente significativo.
Reprodução/Foto-RN176 Na foto, tirada pelo presidente Ikeda, flor de lótus totalmente aberta, tal como o brilho da preciosa vida límpida e pura (área metropolitana de Tóquio, Japão, jul. 2021) – Editora Brasil Seikyo – BSGI
Dois meses depois, apesar de sua péssima condição de saúde, ele anunciou a intenção de ir para Hiroshima em uma viagem de orientações. As privações dos dois anos de cárcere durante a guerra, somadas aos esforços monumentais pelo kosen-rufu ao longo de mais de uma década, o deixaram num estado de debilidade física extrema. Com profunda preocupação, roguei-lhe que cancelasse a viagem, mas ele me repreendeu, reiterando sua decisão de ir mesmo que isso lhe custasse a vida.
O agravamento de sua condição física o impediu de realizar esse desejo. Mas por que ele estava tão determinado a ir? Disse que os membros estavam aguardando sua visita; principalmente por sua participação na reunião de partida programada para ser realizada no Memorial da Paz de Hiroshima [atual ala leste do Museu Memorial da Paz de Hiroshima].
Como discípulo dele, a determinação ferrenha do meu mestre de viajar para o primeiro lugar que foi alvejado por uma bomba atômica e agir lá para cortar pela raiz a natureza maligna do poder, que ameaçava o direito fundamental das pessoas de sobreviver, fez com que meus olhos se enchessem de lágrimas.
Nós, da Soka Gakkai, unidos pelos laços de mestre e discípulo, estamos levando avante intrepidamente a grande luta de Nichiren Daishonin. Engajado numa batalha incessante com o rei demônio do sexto céu, que busca tomar posse do mundo saha (o mundo em que vivemos, cheio de sofrimentos), Daishonin declara: “Não pensei em recuar uma única vez”.6
* * *
Os horrores da bomba atômica lançada sobre Hiroshima são descritos na série de pinturas Os Painéis de Hiroshima, de Iri Maruki e Toshi Maruki. Iri Maruki era natural de Hiroshima, e sua esposa, Toshi, de Hokkaido.
Durante a ocupação americana no Japão, a realidade horrenda do bombardeio foi suprimida pela rígida censura militar, e as conversas sobre o assunto diminuíram. Esse fato enfureceu Maruki. Movido por sua convicção de que o uso das armas atômicas não deveria ser “varrido para debaixo do tapete”, de que precisava deixar um registro disso para a posteridade, ele criou, com sua esposa, Os Painéis de Hiroshima.
Esse sentimento irrefreável de que “não posso permanecer em silêncio!” é a força propulsora para resgatar a verdade numa sociedade onde a indiferença, a covardia e o esquecimento são generalizados.
Nichiren Daishonin fez a seguinte declaração: “Não posso ficar calado”.7 O rugido de leão dele continuou a ressoar por sete séculos, encontrando forte eco no profundo discernimento de Toda sensei sobre o raciocínio diabólico subjacente às armas nucleares.
O espírito do pronunciamento antinuclear do presidente Josei Toda continua vivo na “batalha das palavras” da Soka Gakkai.
Foi por isso que escolhi 6 de agosto de 1993, aniversário do lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, como o dia para começar a serialização do romance Nova Revolução Humana; e, nessa mesma data, 25 anos mais tarde, em 2018, após dedicar todo o meu coração a esse empreendimento, eu o concluí. O episódio final foi publicado no Seikyo Shimbun no dia 8 de setembro de 2018, aniversário da Declaração pela Abolição das Armas Nucleares, proferida por Toda sensei.
Agora, passei o bastão para a próxima geração. Os Shin’ichis Yamamotos da nova era, meus amados discípulos e sucessores que compartilham do meu compromisso, estão desempenhando seus próprios magníficos e diversificados dramas de revolução humana ao redor do mundo.
Este ano, lembrando o aniversário do lançamento da bomba atômica sobre Nagasaki no dia 9 de agosto, a 30a Cúpula dos Jovens da Soka Gakkai para a Renúncia à Guerra foi realizada on-line. Membros da Divisão dos Jovens (DJ) e da Divisão dos Estudantes Herdeiro de Hiroshima, Nagasaki, Okinawa e de outras partes do Japão participaram com muito entusiasmo.
Os integrantes da DJ e da DE, sucessores do nosso movimento, estão levando avante resolutamente o juramento de pôr um ponto-final nas guerras e nas armas nucleares. Nada poderia ser mais tranquilizador.
* * *
Recentemente (em 30 de junho), a Arab Scientific Publishers Inc., do Líbano, publicou uma versão em árabe do meu diálogo Escolha a Vida, com Arnold J. Toynbee (1889–1975). No próximo ano, farão cinquenta anos desde que iniciamos nosso diálogo, hoje traduzido para trinta idiomas.
Estou certo de que o Prof. Toynbee ficaria muito feliz com isso, e quero expressar meus agradecimentos a todos os que contribuíram para as várias edições traduzidas do livro.
O Prof. Toynbee acreditava que a criatividade surgia do encontro casual entre indivíduos. Por isso, confiou a nós, da Soka Gakkai, a tarefa de promover o diálogo com base no espírito de “escolha a vida”, aproximando povos e culturas.
Atualmente, tanto em nossa comunidade local imediata como na comunidade ampla e global, devemos nos empenhar ainda mais em dialogar sobre os diversos problemas atuais — como epidemias, mudanças climáticas, divisão e conflito —, juntar nossa sabedoria e demonstrar nossa capacidade de criar valor positivo.
É hora de os bodisatvas da terra, cidadãos do mundo, assumirem a liderança de forma arrojada e expandirem nossa rede de pessoas dedicadas a transformar o destino da humanidade.
* **
Nos primeiros dias de trabalho com meu mestre, copiei um verso de um poema de Walt Whitman em meu caderno: “Corpos humanos são palavras, miríade de palavras”.8
Palavras superficiais e vazias são insignificantes. Nada é mais eloquente que qualidades humanas como coragem e convicção, as quais emanam de todo o ser, da voz sincera, do sorriso radiante e do ato de imensa bondade de uma pessoa. Nossos veteranos na fé são exemplos disso.
Compartilhemos a filosofia da esperança do Budismo Nichiren com os outros do jeito só nosso, no lugar onde estamos! Com a ardente paixão e o espírito indômito emblemáticos de Daishonin expressos na afirmação “Mesmo diante de tudo isto, ainda não fui desencorajado”,9 ampliemos ainda mais nossos esforços no diálogo!
Meus estimados jovens amigos, sigam em frente, sempre em frente! Meus nobres companheiros, avancem com ânimo, fazendo a canção da vida, a canção da paz, reverberar poderosamente!
No topo: Nas terras de Hokkaido, a história infindável da luta conjunta de mestre e discípulo. Na foto, presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), Dr. Daisaku Ikeda, e sua esposa, Kaneko, no Centro Cultural de Hokkaido (Sapporo, Japão, 24 ago. 1991)
Notas:
- Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, p. 26, 2020.
- Cf. TAGORE, Rabindranath. Stray Birds [Pássaros Perdidos]. In: Collected Poems and Plays of Rabindranath Tagore [Coletânea de Poemas e Peças de Rabindranath Tagore]. Délhi: Macmillan India, Ltd., 1991. p. 328.
- Cf. The Lotus Sutra and Its Opening and Closing Sutras. Tradução: Burton Watson. Tóquio: Soka Gakkai, cap. 15, p. 263.
- Kaneko Ikeda iniciou a prática em 12 de julho de 1941.
- Na Reunião Nacional de Líderes da Soka Gakkai, realizada em 18 de novembro de 2019, anunciou-se que as integrantes da Divisão Feminina (DF), do Japão, com menos de 50 anos, seriam denominadas Geração Lírio Branco. O lírio-branco é um dos símbolos da DF. Em conjunto com esse desenrolar dos fatos, o Grupo de Jovens Mães foi dissolvido e absorvido por esse mais amplo.
- Daishonin escreve: “O rei demônio do sexto céu (…), em meio ao mar dos sofrimentos de nascimento e morte, está em guerra com o devoto do Sutra do Lótus para impedi-lo de tomar posse e para afastá-lo desta terra impura onde habitam tanto pessoas comuns como sábios” (The Writings of Nichiren Daishonin. Tóquio: Soka Gakkai, v. II, p. 465).
- A passagem na íntegra diz: “Com os limitados recursos que estão ao meu alcance, tenho examinado a questão em profundidade e lido algumas escrituras em busca de uma resposta. As pessoas da presente época ignoram o que é certo. Todas, sem exceção, sujeitam-se ao mal. É por essa razão que as divindades do bem abandonaram esta terra, e os sábios partiram para não mais regressar. No lugar deles, vieram os espíritos do mal e os demônios, e ocorreram desastres e calamidades. Não posso ficar calado nem reprimir meu temor” (Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, p. 7, 2020).
- WHITMAN, Walt. Song of the Rolling Earth [Canto da Terra Girando]. Leaves of Grass: Comprehensive Reader’s Edition [Folhas de Relva: Edição Completa]. BLODGETT, Harold W.; BRADLEY, Sculley (eds.). Nova York: New York University Press, 1965. p. 219.
- Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. II, p. 5, 2019.
Publicado no jornal Seikyo Shimbun, de 24 de agosto de 2021.