ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 23/10/2021 10:18
ESPECIAL/REDAÇÃO
A força motriz que transforma a realidade e conduz a sociedade a um caminho próspero e mais humano surge do sincero desejo pela felicidade de todos
Reprodução/Foto-RN176 Foto de um coração interligado para ilustrar a matéria – Editora Brasil Seikyo – BSGI
A pandemia do novo coronavírus trouxe desafios em diversos aspectos e esferas sociais, afetando, em primeira instância, os cidadãos comuns. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), por exemplo, mostram que, até dezembro do ano passado, 13,9 milhões de pessoas haviam ficado desempregadas no Brasil.1 Em 2021, essa taxa já ultrapassa os 14,4 milhões.2 A situação se agrava quando falamos sobre as populações vulneráveis, como nas periferias dos grandes centros urbanos. Porém, foi exatamente nesse conturbado universo que surgiram também ondas de solidariedade, senso de coletividade e empatia, os quais trouxeram alento a muitas famílias. Em tempos difíceis como os da época atual, a solidariedade e a força conjunta das pessoas permitem vencer as dificuldades com otimismo e coragem. O presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), Dr. Daisaku Ikeda, afirma:
Devemos ir além da percepção compartilhada de crise e propor uma visão clara em torno da qual seja possível nos unir em solidariedade e mobilizar o engajamento ativo de pessoas de todo o mundo.3
Ele defende tal postura com base no conceito de solidariedade budista, que se refere ao respeito máximo à vida, ao esforço sincero de prezar as pessoas por compreender a correlação que existe entre todas. Essa visão ampla é abordada no romance Nova Revolução Humana, em que o líder da SGI explica:
A solidariedade do humanismo budista tem seu início nas relações familiares, expande-se pela vizinhança e por toda a comunidade onde as pessoas desenvolvem suas vidas diárias. A partir dessas relações humanas, amplia-se a consciência de atuar pela paz, pelos direitos humanos e por outras questões que afligem a humanidade.4
A sociedade não existe sem a contribuição de cada indivíduo. Em outras palavras, a melhoria das condições de vida da coletividade passa pela evolução da consciência social de cada pessoa. E o senso de solidariedade está no centro desse processo.
Virtude que transforma
A palavra “solidariedade” vem do francês solidarité, que, por sua vez, tem origem no latim solidus (“sólido”, “consistente”), ou seja, exercer solidariedade refere-se a fazer parte de algo maior visando a consolidá-lo. Na prática, pode ser definida como uma responsabilidade recíproca em que as dificuldades do outro são a melhor chance que temos para pôr a mão na massa e transformar a realidade juntos.
Exemplo criativo disso é o Clube Virtual de Leitores, idealizado pela Coordenadoria Educacional da BSGI. Nele, 170 pessoas de diferentes localidades do país, formadas pela Academia Magia da Leitura (AML) — projeto de alfabetização e aprimoramento educacional —, se reúnem em encontros virtuais para a leitura de clássicos da literatura mundial. A iniciativa ganhou força durante a pandemia, conectando os participantes por meio do diálogo e do incentivo à leitura, com base no conceito de autorreforma presente na filosofia budista. Rosana Mautone, integrante do grupo, explica que se sente acolhida: “Quando começou a pandemia, confesso que fiquei meio perdida, não sabia o que fazer. Até que consegui me inscrever no clube e foi uma alegria! Para mim, uma pessoa com deficiência visual, os encontros virtuais me auxiliam de diversas formas. Por exemplo, o fato de não precisar me locomover proporciona mais segurança. Faço a leitura prévia das obras estudadas por meio de e-books ou de documentos virtuais para participar dos encontros, que são motivadores. O conteúdo é transmitido com muita emoção e sensibilidade. Fico encantada! Tudo isso faz com que a gente se transporte para as histórias. Além disso, consigo perceber a sensibilidade do autor. Mas o principal é que me sinto muito bem por ser incluída. Isso me faz perceber quanto a gente precisa ter esse carinho com as outras pessoas. Tenho aprendido muito com essa troca!”, conta.
A essência da transformação
Quando se fala em solidariedade, é comum lembrar, por exemplo, de movimentos sociais, campanhas de doação ou mesmo iniciativas individuais. São ações de grande importância para a manutenção das condições básicas de vida de muitas pessoas, sobretudo em situações de emergência humanitária. Entretanto, o budismo propõe ainda outra abordagem de solidariedade.
O grande desejo da maioria das pessoas é ser feliz. No entanto, a sociedade humana é influenciada por forças que atuam fortemente contra esse desejo fundamental, como a violência generalizada, a destruição ambiental e a exploração, que geram profundas desigualdades entre as pessoas.
De acordo com o pensamento budista, um dos desejos mais prejudiciais às pessoas é o de ter poder sobre os outros, de subjugá-los à nossa vontade. Nessa condição, o ego encontra sua expressão mais desenfreada e destruidora, tendo as pessoas como meio de satisfazer os próprios objetivos egoístas.
Mas se a natureza humana é a causa dos nossos mais terríveis problemas mundiais, é também a fonte da solução em essência. A força de compensação para o aspecto destrutivo da natureza humana e do sofrimento gerado por ela é a benevolência. Benevolência, um sentimento de solidariedade com as pessoas — com toda a vida —, decorrente de um desejo de felicidade e crescimento mútuos; corresponde ao coração e à origem do budismo.
Nos textos originais budistas, escritos em sânscrito, o conceito de benevolência é elucidado pelas palavras maitri e anukampa. Maitri indica senso de companheirismo com os outros; anukampa descreve uma profunda empatia a qual surge do encontro com o sofrimento e origina a ação. A benevolência budista pode ser descrita como o desejo de aliviar o sofrimento e conceder a alegria.
A benevolência é frequentemente considerada semelhante à pena, mas, enquanto esta pode ser condescendente, a benevolência emerge de um senso de igualdade e de interligação dos indivíduos. A benevolência é enraizada no respeito pela dignidade inerente à nossa própria vida e na dos demais, e de um desejo de ver o triunfo da dignidade. O presidente Ikeda lembra:
A verdadeira benevolência budista não tem nada a ver com sentimentalismo nem mera piedade. Isso ocorre porque o sentimentalismo ou a benevolência por si só não pode ajudar outra pessoa a alcançar a vitória na vida, não pode aliviar o sofrimento e transmitir alegria.5
Embora a resolução de uma situação difícil para alguém possa parecer compassiva, se isso o torna mais fraco e menos autoconfiante, não contribuirá para a sua felicidade na vida real. A benevolência genuína é capacitar os outros, ajudando-os a descobrir a força e a coragem no interior da própria vida, a fim de superarem seus problemas. O esforço para oferecer aos demais incentivos eficazes para suas circunstâncias específicas é o que dá origem à sabedoria. Benevolência e sabedoria estão, portanto, intimamente relacionadas.
Nichiren Daishonin estabeleceu a prática de recitar Nam-myoho-renge-kyo como um meio eficaz para as pessoas fazerem nascer a força e o rico potencial da humanidade e viverem com confiança e alegria. Partilhar essa prática com os demais é, portanto, o ato mais importante de benevolência dos praticantes do Budismo Nichiren.
A transformação da sociedade só pode ocorrer por intermédio de uma transformação no coração das pessoas. Uma vida baseada na benevolência significa firme fé no potencial latente das pessoas e de nós mesmos. A parte fundamental da filosofia do Budismo Nichiren é acreditar e incentivar a bondade inata e o potencial de todos. É também a base de um otimismo firme em que as pessoas podem fundamentar suas ações para trazer uma mudança positiva em nosso mundo.
União solidária
O movimento pela transformação humana promovido pela Soka Gakkai é um exemplo fiel dessa ampla ideia de solidariedade que, em essência, corresponde a uma sociedade cujas pessoas compreendem seu papel como indivíduo e sua força de ação coletiva. Esse também é o conceito de “não deixar ninguém para trás”. Quando agimos em prol das pessoas e avançamos junto com elas, a sociedade prospera. Tal comportamento inspira os demais e é capaz de mudar o rumo de uma história e até do mundo inteiro.
Ikeda sensei salienta:
A força criadora essencial para a reumanização da atividade política e da economia é a solidariedade dos cidadãos comuns que levantam a voz no compromisso inabalável para o nosso futuro coletivo.6
A solidariedade das pessoas unidas por um grande propósito é a principal força para construir um mundo mais humano e pacífico. Essa transformação se inicia pelas mãos de pessoas comuns, que, em meio às suas circunstâncias, despertam o ímpeto de contribuir pelo bem do outro. Essa também é a chave para ser verdadeiramente feliz.
Notas:
- https://jornal.usp.br/atualidades
- https://economia.uol.com.br
- Terceira Civilização, ed. 621, maio 2020, p. 9.
- IKEDA. Daisaku. Conscientização. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo. In: Brasil Seikyo, ed. 1.896, 23 jun. 2007, p. A11. Parte 2.
- Brasil Seikyo, ed. 2.382, 5 ago. 2017, p. A3.
- Terceira Civilização, ed. 561, maio 2015, p. 1.
Fonte:
Brasil Seikyo, ed. 2.382, 5 ago. 2017, p. A3.