ROTANEWS176 E POR EU ATLETA 31/05/2021 08h00 Por Letícia Spala
Dia Mundial Sem Tabaco: especialistas explicam os benefícios e mudanças que largar o cigarro acarreta ao organismo de um dia a 20 anos depois de abandonar o vício, e como isso afeta o desempenho esportivo
Muitos fumantes acreditam de que já fumaram durante tantos anos que o mal à saúde já está feito e não adianta mais parar. Nada mais longe da verdade. Parar de fumar é altamente benéfico independente do momento ou das condições. É possível observar mudanças no corpo imediatamente a partir das primeiras 72 horas sem cigarro. Neste 31 de maio, Dia Mundial Sem Tabaco, e o EU Atleta conversou com a médica cardiologista Jaqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do INCOR (Hospital das Clínicas da USP), e com o fisiologista do esporte Turibio Barros para entender os benefícios de parar com o fumo e como o corpo humano reage a essa ação ao longo dos dias, meses e anos.
Reprodução/Foto-RN176 Dia Mundial Sem Tabaco – EU Atleta — Foto: Istock Getty Images
De acordo com o INCA estima-se que, no Brasil, a cada ano, cerca de 157 mil pessoas morrem precocemente devido às doenças causadas pelo cigarro. Diversos estudos apontam que fumantes adoecem com uma frequência duas vezes maior que os não fumantes. Além disso, têm menor resistência física, menos fôlego e pior desempenho nos esportes e na vida sexual do que os não fumantes.
Para combater o vício no fumo, a ABRAF (Associação Brasileira de Apoio à Família com Hipertensão Pulmonar e Doenças Correlatas), lançou a hashtag “segunda sem cigarro”. A campanha busca não apenas fazer com que o fumante se desafie a ficar ao menos um dia sem fumar, mas também procura incentivar que essa iniciativa mostre que é possível largar de vez o vício. Assim como as segundas são oficialmente o dia de retomar a dieta ou começar um novo hábito, por que não ser um ótimo dia para se parar de fumar?
Fumantes ativos x fumantes passivos
É importante frisar que o cigarro não afeta somente quem fuma. Ele causa sérios danos a saúde de quem convive com fumantes. Confira as informações fornecidas pela campanha da ABRAF:
Fumante ativo
- Cada cigarro subtrai 11 minutos de vida do fumante;
- O tabaco causa mais mortes entre os fumantes do que o álcool ou qualquer outra substância;
- O tabaco é responsável por até 90% de todos os casos de câncer de pulmão;
- O tabagismo também é a principal causa de DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica);
- Os fumantes têm até 14% mais chances de morrer por DPOC;
- As pontas de cigarro se transformam em lixo tóxico e agridem o meio ambiente.
Fumante passivo
- A fumaça que sai do cigarro para o ar contém, em média, três vezes mais nicotina, três vezes mais monóxido de carbono e 50 vezes mais substâncias cancerígenas do que a fumaça inalada pelo fumante;
- A fumaça do cigarro desencadeia processos alérgicos nos fumantes passivos, como rinite, tosse e até asma;
- O fumo passivo aumenta em 25% os riscos de doenças cardíacas;
- O fumo passivo também pode causar câncer de pulmão.
O que acontece no corpo ao parar de fumar?
Fumar causa danos a pele, ao cérebro, aos pulmões, ao coração, em diversos outros órgãos vitais, ao sangue e impacta diretamente a sua vida e a das pessoas ao seu redor, inclusive financeiramente, já que cigarros não são baratos e comprometem grande parte da renda dos fumantes. No período de consumo dos cigarros são introduzidas no organismo mais de 4.700 substâncias tóxicas, incluindo a nicotina, que é responsável por viciar.
Conforme informações do INCA (Instituto Nacional do Câncer), o tabagismo é uma dependência química que tem relação com aproximadamente 50 doenças, dentre elas vários tipos de câncer, doenças do aparelho respiratório (enfisema pulmonar, bronquite crônica, asma, infecções respiratórias) e doenças cardiovasculares (angina, infarto agudo do miocárdio, hipertensão arterial, aneurismas, acidente vascular cerebral, tromboses). Há ainda diversas outras doenças relacionadas ao tabagismo: úlcera do aparelho digestivo, osteoporose, catarata, impotência sexual no homem, infertilidade na mulher, menopausa precoce e complicações na gravidez. Veja abaixo algumas das principais melhoras do organismo, cronologicamente:
Reprodução/Foto-RN176 Pare de fumar e veja os benefícios já nos primeiros 3 dias sem cigarros – EU Atleta — Foto: Getty Images
No primeiro dia:
- Após 20 minutos sem cigarro, a pressão sanguínea volta ao normal;
- 8 horas depois, a concentração de oxigênio no corpo já se regulariza
- Após dez horas, a concentração de nicotina e monóxido no corpo reduzem em 50%.
Em uma semana:
- Sistema cardiovascular: com a diminuição da nicotina, há uma redução nos batimentos cardíacos e na pressão arterial;
- Sistema respiratório:redução do monóxido de carbono com melhora do fôlego, respiração e oxigenação. Aumento da quantidade de oxigênio transportado pelo sangue, já que não haverá mais competição com os agentes químicos da fumaça do cigarro;
- Níveis de colesterol, triglicerídeos e glicose: pouca alteração.
- Flora intestinal:se for combinada a uma boa alimentação, apresenta alguns sinais de melhora;
- Humor:único caso em que já uma piora nesse primeiro momento. A falta da nicotina vai alterar a disposição e o humor do indivíduo. É como uma abstinência e gera um aumento da ansiedade e outras variações, como mau-humor e irritabilidade;
- Desempenho físico:começa a ter benefícios progressivamente;
- Risco de doenças:começa a diminuir progressivamente.
Em um mês:
- Sistema cardiovascular: apresenta melhoras significativa;
- Sistema respiratório: as vias aéreas que conduzem o ar para os pulmões apresentam uma melhora nos cílios, que revestem as estruturas internamente. Esses cílios começam a resgatar a função de filtragem de impurezas respiradas pelo ar. Ou seja, o ar começa a ser depurado novamente. Há também uma grande melhora da oxigenação;
- Níveis de colesterol, triglicerídeos e glicose:começam a apresentar sinais de melhora nos índices;
- Humor: começa a melhorar, mas a pessoa ainda precisa controlar a ansiedade. Deve-se tomar cuidado para não descontar a ansiedade na alimentação e ingerir alimentos processados e não saudáveis;
- Desempenho físico:melhora progressivamente e é possível praticar exercícios com menos desconforto na respiração e nos batimentos cardíacos. O indivíduo também encontra mais facilidade para desempenhar tarefas simples do dia a dia como subir escadas, melhora sua disposição, diminui o cansaço na respiração e aumenta a aptidão física;
- Risco de doenças:continua a diminuir progressivamente.
Em um ano:
A partir deste momento, de acordo com os especialistas, se instalam mudanças mais significativas.
- Sistema cardiovascular: o indivíduo tem um sistema cardiovascular livre da contaminação das substancias químicas da fumaça do cigarro, melhorando significativamente a quantidade de oxigênio transportado pelo sangue. O risco de infarto diminui 50%, assim como o de outras doenças cardiovasculares;
- Sistema respiratório:há uma grande melhora na função pulmonar, com diminuição expressiva da tosse e da falta de ar e de infecções respiratórias;
- Níveis de colesterol, triglicerídeos e glicose: melhoram os níveis significativamente;
- Flora intestinal: alta melhora nas condições intestinais.
- Paladar:quem fuma tem um paladar alterado pelas substâncias químicas; por isso, o individuo livre do cigarro vai ter um refinamento do seu paladar. Isso pode gerar até um aumento no peso. Sendo assim, é importante estar atento e começar a ter uma condição alimentar melhor e mais saudável.
- Humor:o individuo deixa de ter ansiedade e melhora muito o humor. Melhora também os relacionamentos interpessoais, a autoestima e outros fatores de sociabilidade.
- Desempenho físico: é praticamente totalmente restaurado.
- Risco de doenças: continua diminuindo progressivamente.
Em cinco anos:
- Há uma redução de 50% no risco de um AVC.
Em 10 anos:
- De maneira geral, a pessoa se livra praticamente de todos os prejuízos que o hábito de fumar pode ter provocado, com variações de indivíduo para indivíduo;
- O risco de câncer de pulmão cai 50%, e também há quedas significativas no risco de câncer de boca, garganta, esôfago, bexiga, rim e pâncreas. No geral, o risco de câncer em qualquer parte é reduzido em 80%;
Em 15 anos:
- O risco de doenças cardiovasculares se iguala ao de quem nunca fumou.
Em 20 anos:
- Os pulmões ficam completamente limpos;
- O risco de câncer se iguala ao de quem nunca fumou.
No entanto, apesar de limpos, segundo o fisiologista do exercício Turibio Barros, não há melhora em parte dos estragos que o cigarro causou aos pulmões.
– Fumar causa uma destruição nas paredes de alvéolos nos pulmões do fumante e infelizmente isso não se recupera. Mas ele compensa a menor superfície de trocas gasosas dos pulmões, porque ao parar de fumar, para também de se deteriorar e estabiliza os pulmões. Além disso, a pessoa tende a melhorar muito a capacidade de transportar o oxigênio que capta pelos pulmões através do sangue – explica Turibio Barros.
Segundo Jaqueline Scholz, após 10 anos sem cigarro, o risco de doenças neoplásicas (que são tipos de câncer) decresce mais de 80% e é possível passar uma borracha nos anos de estrago causados pelos cigarros. Claro que é muito importante também levar uma vida mais ativa fisicamente e saudável.
Os fumantes que param de fumar até 35 anos de idade, ou seja, fumam em média 20 anos ou menos, (depois de dez anos) reduzem os riscos de doenças cardiovasculares, respiratórias e neoplasicas a índices iguais aos de não-fumantes. Sendo assim, têm a possibilidade de passar uma borracha nos anos que fumaram.
— Jaqueline Scholz, médica cardiologista especialista tratamento tabagismo
A opinião dos médicos em relação a abandonar o vício do cigarro é unânime: quanto antes parar, melhor, mas nunca é tarde demais para parar de fumar!
– Parar com o cigarro é vantagem total, independente do momento. Até mesmo para aqueles que já adoeceram após anos de fumo, porque há uma melhora na qualidade e na expectativa de vida – afirma a cardiologista.
Desempenho esportivo
Mesmo diante de tantos malefícios, o número de fumantes ainda é alarmante. Dados do Ministério da Saúde apontam que, embora o Brasil venha reduzindo o número total de usuários nos últimos 13 anos, caindo 38% entre 2006 e 2019, 9,8% dos brasileiros ainda têm o hábito de fumar. O percentual representa aproximadamente 22 milhões de pessoas.
– Usando uma analogia mais fácil de se entender, quem fuma é como um atleta que está jogando em altitude. O fumante encontra dificuldades para respirar, os batimentos ficam mais acelerados, falta oxigenação e é mais difícil desempenhar tarefas simples com subir lances de escadas ou até mesmo correr. Enquanto quem não fuma, é como um atleta que joga no nível do mar: consegue ter um bom desempenho e executar tranquilamente as tarefas que precisa. Sua oxigenação é normal, é possível respirar com mais facilidade e conforto – simplifica a especialista.
Para Turibio Barros, além dos inúmeros benefícios que parar de fumar traz à saúde física, ainda existem as questões de estilo e qualidade de vida.
– O indivíduo que para de fumar, com o passar do tempo se livra da ansiedade e tem uma enorme melhora no humor. Isso interfere diretamente nos relacionamentos interpessoais, que também se tornam mais saudáveis, na autoestima e outros fatores de sociabilidade. Existem benefícios como a melhora no paladar, que faz a pessoa se alimentar muito melhor. A aptidão física também apresenta melhorias significativas. Possivelmente o indivíduo se torna mais fisicamente ativo, encontra melhores desempenhos e resultados durante a prática de exercícios e até mesmo na vida sexual – explica o especialista.
Fontes: Jaqueline Scholz é médica cardiologista especialista tratamento tabagismo, dislipidemia e prevenção de doenças cardiovasculares. Diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do INCOR (Hospital das Clínicas da USP), criadora do Programa de Assistência ao Fumante PAF, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre tabagismo.
Turibio Barros é mestre e Doutor em Fisiologia do Exercício pela EPM. Foi membro do American College of Sports Medicine, professor e coordenador do Curso de Especialização em Medicina Esportiva da Unifesp e fisiologista do São Paulo FC e coordenador do Departamento de Fisiologia do E.C. Pinheiros.