Eleições no Chile: para onde deve ir o país após a escolha do novo presidente

ROTANEWS176 E POR BBC NEWS BRASIL 19/12/2021 09h13                                                                                  Por Marcia Carmo – De Buenos Aires para a BBC News Brasil

Segundo turno da eleição presidencial definirá se o país dará uma guinada à direita ou à esquerda.

O segundo turno da eleição presidencial deste domingo no Chile definirá se o país dará uma guinada à direita ou à esquerda.

Reprodução/Foto-RN176  José Antonio Kast e Gabriel Boric Foto: BBC News Brasil

Os eleitores decidirão entre os candidatos José Antonio Kast, da extrema direita, e Gabriel Boric, da esquerda e também chamado de “extrema esquerda” por seu opositor.

Ex-deputado por quatro mandatos seguidos, Kast, da Frente Social Cristã, diz que esta é uma eleição entre a “liberdade” e os “comunistas”, em referência ao Partido Comunista que faz parte da coalizão do adversário político.

Ex-líder estudantil e deputado, com fama de ter capacidade de diálogo com diferentes setores, Boric, da coalizão Apruebo Dignidad, diz, por sua vez, que esta é uma eleição entre um “pinochetista” conservador e o bem-estar dos chilenos.

E disse, mais de uma vez, que se eleito será ele e não o Partido Comunista quem governará o país.

O eleito assumirá a Presidência em março do ano que vem.

Após o primeiro turno, realizado em novembro, os dois candidatos se aliaram a outros ramos ideológicos da política nacional.

Kast aglutinou integrantes do governo do presidente Sebastián Piñera, de direita, a sua equipe, e passou a contar com respaldo até de uma feminista, após ter sido criticado por excluir as mulheres de suas propostas no primeiro turno.

Alguns setores passaram a chamar Boric de “socialdemocrata”, depois que ele buscou o respaldo dos ex-presidentes Ricardo Lagos e Michelle Bachelet, que integraram a histórica coalizão de centro-esquerda Concertación, que governou o país por quase 20 anos, após a saída do ditador Augusto Pinochet (1973-1990).

O foco na tentativa de ampliação do eleitorado, com adaptações nos discursos, na campanha deste segundo turno, foi tamanho que um presidenciável chegou a dizer ao outro, nos debates, mais de uma vez: “Você está cada vez mais parecido comigo”.

Mas o que está em jogo nesta eleição? O principal é se o país continuará aprofundando as mudanças sociais reivindicadas durante o tsunami de protestos realizados em 2019 – chamado de ‘estallido social’ (explosão social) – ou se caminhará para uma agenda mais conservadora, por exemplo em relação às liberdades individuais.

Deus e agnóstico

Candidato mais votado no primeiro turno, Kast, de 55 anos, é contra a legalização do aborto, rejeitou a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, aprovada há poucos dias, e cita Deus em seus discursos.

Porém, foi, principalmente, seu discurso sobre a segurança pública que atraiu o eleitorado, segundo analistas chilenos.

Boric, de 35 anos, respaldou e levantou as bandeiras das iniciativas reprovadas pelo adversário político – aborto, casamento gay e a realização da Assembleia Constituinte para a redação da primeira Carta Magna da democracia.

Boric (pronuncia-se Borich) declara-se agnóstico, mas diz que respeita todas as expressões de fé e que “há muito para se aprender na Bíblia”.

Além dos perfis comportamentais adversos defendidos pelos presidenciáveis para a sociedade chilena, as urnas definirão se querem os projetos de Kast ou de Boric para a imigração, para a economia e para a segurança pública.

O eleito terá ainda o desafio de governar com a possibilidade de a Assembleia Constituinte definir sobre questões ligadas ao seu mandato.

Analistas chilenos resumem que, se Kast for eleito, o mercado financeiro deverá comemorar, mas as manifestações de rua prometem ganhar força.

Se Boric for eleito, especula-se que a tendência será a invertida: decepção no mercado financeiro e possível trégua nos protestos.

Os dois afirmam que podem “garantir a governabilidade” do Chile e – por isso e pela busca de mais eleitores – realizaram as alianças que no primeiro turno pareciam impensáveis.

Dicotomia

O eleito receberá um país com uma série de demandas, como disse à BBC News Brasil o analista de pesquisas Roberto Izikson, gerente de assuntos públicos e estudos qualitativos da empresa de opinião Cadem, de Santiago.

“Chegamos a esta eleição com uma crise política profunda, crise de liderança, crise institucional, crise social, crise econômica e encaramos essa eleição em um Chile novo. Um Chile de incertezas e de medos, mas também de sonhos e de expectativas e associadas ao processo constitucional”, disse Izikson.

Segundo ele, é a primeira vez na história do país que dois candidatos “tão antagônicos” disputam a cadeira do palácio presidencial La Moneda.

Na sua visão, esta é uma eleição entre as mudanças que garantam os direitos sociais, como habitação, aposentadorias, além de educação, saúde e assuntos relacionados ao meio ambiente e ao feminismo.

E o outro lado dessa série de reivindicações está ligado “à ordem, ao retorno da paz social, a governabilidade, a preocupação com a segurança pública, a imigração e o conflito na região da Araucanía (entre mapuches e policiais militares)”.

No Chile, observadores que acompanham de perto esta corrida eleitoral e até aliados de Boric acreditam que existam eleitores de Kast que são “envergonhados”.

Entrevistado pela BBC News Brasil, o candidato presidencial derrotado no primeiro turno, Marco Enriquez-Ominami, acha que “os ventos sopram a favor de Boric, mas as ondas de março serão desafiantes”.

Sem maioria no Congresso Nacional, tanto Kast como Boric precisarão negociar a aprovação de seus projetos, sejam quem for eleito.

O senador Manuel José Ossandón, que passou a apoiar Kast e o vê como favorito, defende que o candidato da extrema direita garantiria maior estabilidade econômica, crescimento econômico e segurança pública, que são os assuntos que “realmente preocupam os chilenos”, em sua opinião.

Privatizações

Na prática, Kast defende a maior abertura comercial do país, que já possui uma lista ampla de relações de livre comércio com países e continentes, que incluem os Estados Unidos e a China, por exemplo.

Kast questionou que a empresa símbolo do país, a Companhia Nacional de Cobre (Codelco), seja uma estatal e o mesmo em relação à emissora de televisão TVN, uma das principais do Chile.

Boric, por sua vez, foi apontado pelos aliados de Kast “de querer estatizar tudo”. Como disse um analista da emissora de televisão TVN, “o fantasma das ideias do Partido Comunista perseguirão Boric”.

O candidato descartou a possibilidade e disse que seu programa de governo prevê “um Estado de bem-estar”, com atenção voltada para a inclusão social, a educação e a saúde – no estilo do britânico National Health Service (NHS), que inspirou o Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil.

Boric foi um dos líderes dos protestos pela educação pública no país. Em um dos debates com seu adversário, o candidato disse seu projeto é de um governo com “parceria pública-privada” na área econômica.

Inflação

País com cerca de 19 milhões de habitantes, o Chile deverá registrar crescimento econômico de 12% em 2021, segundo o Banco Central do país.

Para 2022, a expectativa é de aumento das taxas de juros para conter a inflação que deverá chegar a 6% neste ano – índice acima do previsto e que, pela primeira vez em muito tempo, entrou no radar de preocupação dos chilenos.

O cenário econômico afetaria o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022, que teria resultado tímido no primeiro ano de gestão do próximo presidente do país.

No Chile, existe uma persistente desigualdade social, uma das heranças do período em que o ditador Augusto Pinochet governou o país, entre 1973 e 1990, e foi combatida pela coalizão de centro-esquerda Concertación, fragmentada e derrotada em eleições recentes, mas que pode contribuir para a definição deste segundo turno – pelas presenças de Lagos e de Bachelet, seja para engordar ou emagrecer as intenções de voto em um ou de outro candidato, dependendo da confiança que podem gerar ou não em setores do eleitorado.

O presidente eleito deverá lidar com a insatisfação popular ligada à essa desigualdade, ao temor com a segurança pública e ao cansaço com os políticos.

O gerente da empresa de opinião Cadem observou que, a cada eleição, a participação do eleitorado é menor. E lembrou que o ex-candidato Franco Parisi, que fez campanha dos Estados Unidos, recebeu mais votos (12,8%) que candidatos de partidos tradicionais, como Yasna Provoste, da Democracia Cristã (DC). No primeiro turno a participação do eleitorado não chegou a 50%.

Grades para imigrantes

O Chile tem recebido forte influxo de imigrantes, principalmente venezuelanos.

Kast ratificou sua proposta de construir grades nas fronteiras para controlar a imigração.

Esse parece ser um dos assuntos centrais para o eleitorado, principalmente da região de fronteira, onde Boric, com discurso mais humanista, teve a menor votação no primeiro turno.

Após idas e vindas, Boric disse que também vai controlar os que entram no país e exigirá visto, que deve ser emitido no país de origem, para os que queiram ingressar no território chileno.

Ele ressalvou, porém, que não permitirá que famílias sejam separadas, como ocorreu nos Estados Unidos, por exemplo.

Os destinos do Chile, a partir desta eleição de domingo, incluem como o tráfico de drogas será combatido.

Os dois presidenciáveis afirmaram, durante os debates televisivos, que hoje os policiais sabem onde os líderes das quadrilhas estão, mas temem entrar por não usarem equipamentos adequados.

Neste ponto, Kast foi mais enfático de Boric ao dizer que “os narcotraficantes não podem ser permitidos” no país.

Os dois concordaram em “fortalecer as polícias”.

Apesar de mudanças nos discursos na reta final da campanha, está claro que o Chile dará uma guinada neste domingo – resta ver se será à direita ou à esquerda.