ROTANEWS176 E POR ALMAPRETA 22/02/2022 14h31 Por Caroline Nunes
Existem leis diferentes que podem ser aplicadas para os três tipos de crimes e elas mudam completamente de acordo com o contexto dos fatos; entenda
Reprodução/Foto-RN176 Ilustração mostra diferenças de injúria, injúria racial e racismo Foto: Imagem: Alma Preta Jornalismo / Alma Preta
No Brasil, existem leis que amparam a população negra contra uma série de violências decorrentes do racismo estrutural. No entanto, é necessário saber do que se foi vítima e como denunciar cada uma delas. Um exemplo prático é a diferença entre injúria, injúria racial e racismo: três tipos de ataque aos pretos e pardos, em que a aplicação da lei para cada um deles muda completamente de acordo com o contexto em que estão inseridos.
É o que explica a advogada Daniele Campos, líder nacional jurídica e de comunicação do projeto Justiceiras. Segundo ela, a injúria contra pessoas negras pode muitas vezes passar despercebida ou até mesmo ser regada pela incredulidade.
“Muitas vezes, no ato, não percebemos, pois estamos distraídos ou não queremos acreditar. Até porque os autores acabam por se desculpar, e afirmam que não tinham a intenção de ofender com o que foi dito. ‘Não foi o que eu quis dizer’ é a frase mais utilizada para auto-defesa quando casos assim vêm à tona”, comenta.
Ilustração: Alma Preta Jornalismo
O professor Douglas Galiazzo, especialista em Direitos Humanos da Estácio São Paulo, explica que quando o crime é contra uma pessoa negra – e utilizando esse fato como destaque -, a injúria já se enquadra no artigo 140 do Código Penal, tornando-se injúria racial (ou injúria preconceituosa).
Injúria racial de cada dia
A advogada Monalisa Santana de Castro, associada ao Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), ressalta que a justiça considera injúria racial o ato de ofender a dignidade e honra de um indivíduo. Uma pessoa negra pode identificar que sofreu a violência caso receba ofensas decorrentes de sua tonalidade da pele, por exemplo.
“Uma pessoa é discriminada pela sua cor nas redes sociais ou em alguma loja, utilizando-se de expressões e tons pejorativos, servem como exemplo. Como o caso da atriz Taís Araújo, que foi alvo em uma de suas redes sociais com grandes ofensas decorrentes da cor de sua pele. Houve também um episódio polêmico onde torcedores do Grêmio, insultaram o goleiro chamado de ‘macaco’ durante o jogo”, avalia.
Ilustração: Alma Preta Jornalismo
Daniele complementa os exemplos de injúria racial ao relembrar o caso da empresária e socialite Val Marchiori, que chamou o cabelo crespo da cantora Ludmilla de “cabelo de Bombril”. A artista negra recorreu na justiça, mas a socialite venceu o processo em última instância.
A advogada relembra também um episódio pessoal, em que o alvo do crime foi sua própria filha. “Certa vez minha filha estava com 12 anos e me mostrou que uma menina branca a chamou de macaca no Instagram”, relata.
Ainda de acordo com Daniele, é comum que pessoas vítimas de injúria racial desistam de processar os autores do crime.
“Em outra ocasião, exatamente no dia 20 de novembro – data em que se comemora o Dia da Consciência Negra – fui procurada por servidor branco da área da educação que, ao pedir para um aluno negro voltar para sala de aula, proferiu a seguinte frase: ‘a Lei Áurea foi escrita a lápis, então posso apagar e te mandar para o tronco novamente’. O servidor, que é descendente de italianos, me procurou para fazer sua defesa. Infelizmente o aluno desistiu do processo, o que é muito comum no Brasil”, lamenta.
Créditos: Alma Preta Jornalismo
Injúria racial x racismo
“A injúria atenta a autoestima da pessoa, já a injúria racial atenta a dignidade deste indivíduo, a honra e o decoro. O crime se configura quando ele tem uma pessoa determinada para o ataque. Já o racismo discrimina grupos. No caso, um grupo de pessoas negras”, explica Douglas Galiazzo.
Outra diferença entre os dois crimes, de acordo com o professor, é que injúria é prescritível e o racismo é imprescritível e inafiançável.
Monalisa Santana destaca que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2021 equiparar o crime de injúria racial ao de racismo. Os ministros do Supremo entenderam que a injúria racial é uma forma de discriminação que se materializa de forma sistemática e, assim, fica configurado o racismo.
“O que diferencia os crimes é o direcionamento da conduta: enquanto que na injúria racial a ofensa é direcionada a um indivíduo específico, no crime de racismo a ofensa é contra a coletividade, por exemplo, toda uma raça, não há especificação do ofendido”, explica.
O crime de racismo está previsto na Lei 7.716/1989, elaborada para regulamentar a punição de crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, conhecida como Lei do Racismo. A Lei nº 9.459/13 acrescentou à referida norma os termos etnia, religião e procedência nacional, ampliando a proteção para vários tipos de intolerância.
Como o intuito dessa norma é preservar os objetivos fundamentais descritos na Constituição Federal, de promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, as penas previstas são mais severas e podem chegar até a 5 anos de reclusão.
“Injúria e racismo são crimes diferentes, mas o sentimento de tristeza e humilhação causado por ambos é o mesmo”, destaca Daniele Campos.
Créditos: Alma Preta Jornalismo
Como denunciar e provar
Monalisa Santana, que atua com o IDPN em prol exclusiva da defesa da população negra, considera que a melhor forma de denunciar os crimes de injúria, injúria racial e racismo é comparecendo às delegacias – comuns ou especializadas em crimes raciais.
“As provas podem ser testemunhais, alguém que tenha presenciado o fato; provas escritas (texto) ou áudios no Whatsapp ou em qualquer outra rede social também serão aceitos como prova. É importante salvar o material e levar a autoridade policial para fazer a denúncia”, destaca.
Segundo a jurista, vídeos também podem servir como provas. Caso a pessoa negra esteja sofrendo racismo ou injúria em algum local, como em uma entrevista de emprego, é possível solicitar o consentimento ao entrevistador, por exemplo, para gravar caso haja alguma desconfiança ou o indivíduo escute algum comentário racista ou injurioso naquele momento.
“Caso não seja autorizada a gravação, seja em uma entrevista ou em qualquer outro contexto, você pode gravar e levar o áudio diretamente para a polícia, lembrando que não pode veicular o áudio”, salienta a advogada.
No caso de vídeos é possível ainda utilizar o celular para o registro da violência. Se o crime ocorreu em local público, deve-se verificar se há câmeras e informar a autoridade policial, que pode recuperar as imagens para o inquérito.
“Leve imediatamente o caso às autoridades policiais. A polícia irá apurar um fato, um crime. As provas são sempre importantes. Pelas redes sociais é essencial manter as palavras que foram proferidas, e levar até um tabelião para que ele possa transcrever o que houve. Se tiver alguém que tenha testemunhado ou ouvido, é sempre importante firmar a acusação de uma forma robusta”, finaliza Douglas Galiazzo, especialista em Direitos Humanos.
‘Racismo estrutural: O que significa e como combatê-lo?’