A vida é feita de escolhas

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO  17/03/2022 21:41

RELATO

Gilmar e duas décadas de luta contra o câncer: desistir, jamais!

Reprodução/Foto-RN176 Gilmar Soares, Membro da Comunidade Farol, RM Osasco Oeste, CGESP – Editora Brasil Seikyo – BSGI

Eu me chamo Gilmar Soares, tenho 63 anos, sou escritor e artista plástico. Uma das lições mais importantes que aprendi com a prática da fé é que sempre temos chance de um recomeço. Não há oração sem resposta. Moro em Osasco (SP) e estou na Soka Gakkai desde 2012. Mas foi a partir do início de 2019 que assumi o budismo como prática essencial.

Dez anos antes de me converter ao budismo, ou seja, em 2002, aos 43 anos, fui acometido de um câncer. Internado em caráter de emergência no Hospital do Servidor Público Estadual, após um quadro intensivo de dores na coluna. Três dias depois, recebi o resultado: linfoma não Hodgkin (LNH), um tipo de câncer de fácil tratamento quando identificado a tempo, o que não era o meu caso. Pelo diagnóstico tardio, minhas chances eram quase nulas, pois, além de um tumor maligno na região lombar, havia muitas metástases no abdome. Tive uma compressão medular, paralisando para sempre os membros inferiores e me tornando uma pessoa com deficiência. Foram três meses de internação deitado em uma só posição e sentindo os efeitos da quimioterapia. A partir daí, eu iniciava uma verdadeira maratona de diversas internações, ora por infecção urinária, ora por procedimentos cirúrgicos. Fiquei privado das atividades mais simples e dependente da ajuda de outras pessoas.

Reprodução/Foto-RN176 Gilmar em seu trabalho de artista plástico – Editora Brasil Seikyo – BSGI

Muitas vezes me perguntava “Que condenação é esta que caiu sobre a minha cabeça?”. E me sentia no mais baixo grau da condição humana.

Se, de um lado, o câncer é capaz de polir nossa alma, do outro, o tempo nos lapida para o convívio com esse mal. Assim, 50% era câncer, e a outra metade dependia da minha luta pela vida. Portanto, deveria ser resiliente e não me entregar.

A esperança surge

No dia 23 de abril de 2012, numa consulta de rotina, conheci a Dona Jandira Francisca, da cidade de Avaré, SP. Por ela expressar tanta segurança, pela primeira vez falei sobre as minhas pelejas contra o câncer e minha vida sobre uma cadeira de rodas. Confesso que só me abri para aquela senhora, porque supunha não vê-la jamais. Ao término da nossa conversa, ofertou-me um dos seus cartões com a frase Nam-myoho-renge-kyo, recomendando-me que, em momentos aflitivos, orasse, firmando pensamento na força daquelas palavras. Foi meu único encontro com ela e, mesmo não acreditando, sentia que algo inexplicável me chamava a atenção naquele cartão e naquelas palavras.

Então, no dia 28 desse mesmo período, recebi a visita de um líder da nossa região, o qual me acompanha até hoje, e duas semanas depois participaria da minha primeira reunião budista. Senti um clima acolhedor, mas estranhei a leitura do sutra em outro idioma, e eu não entendia nada. Ainda assim, gostei da maneira com a qual os budistas enfrentam o cotidiano. Estava incerto quanto ao budismo e tentava fugir dos problemas me sobrecarregando de atividades. Pintava, escrevia, fazia palestras e era estudante no mestrado em sociologia na Universidade de São Paulo (USP).

Reprodução/Foto-RN176 Com a família: ele, ao centro, com a neta Maria Alice no colo; de pé, da esq. para a dir., os filhos Raphael (com o neto Henrique no colo), Juliana e Aruê; a esposa, Alice, e a nora Ive – Editora Brasil Seikyo – BSGI

Como eu não tinha uma prática assí­dua, em 2017, num momento impensado, eu me afastei do mestrado e do budismo. Só não devolvi o Gohonzon, nosso objeto de devoção, pois algo em mim não havia desistido totalmente. Os companheiros do bloco ao qual eu pertencia sempre se mostraram compreensivos e solidários, não só pela minha causa, como também por aquela indecisão.

Com a expansão da pandemia da Covid-19 e os problemas relacionados ao câncer, tive crise de ansiedade, obrigando-me a um tratamento psicológico. Pela necessidade de me sobressair a esse clima de aflição e medo, decidi retomar o budismo como forma de luta, fé e devoção. A priori, confesso que é terrível estar mergulhado na escuridão profunda, mas me dei conta de que a força do Nam-myoho-renge-kyo seria capaz de me amparar na certeza da vitória total.

Voltei ao budismo como prática essencial e, hoje, ao fazer daimoku, de maneira efetiva e fervorosa, passei a ver minha cadeira de rodas como parte integrante do meu corpo. Oro pela cura do câncer e por todos os males que assolam a humanidade. Jamais orei magoa­do com os percalços da vida, ao contrário, aprendi no budismo a preciosa lição de “transformar o veneno em remédio”.

Em 27 de dezembro de 2021, fui a uma consulta de avaliação e recebi o diagnóstico final. Estava curado do câncer, pois, se em vinte anos não houve refluxo da doença, ficaria dispensado da hematologia.

Reprodução/Foto-RN176 Em encontro da DS, antes da pandemia da Covid-19: Gilmar (abaixo, à dir.), tendo à esquerda seu veterano Milton – Editora Brasil Seikyo – BSGI

Foram anos lutando e digo que o poder do Nam-myoho-renge-kyo é o verdadeiro instrumento da vitória. Venci a doença, trabalho com arte, lancei um livro e sigo a vida confiante, com base na prática da fé e nos incentivos de Ikeda sensei, que leio nos periódicos e nos livros. Ao longo desses anos, obtive a solidariedade e o apoio de muitas pessoas. Minha gratidão aos meus líderes e companheiros Soka, aos familiares preciosos e às pessoas que se mostraram solidárias à minha causa pela vida.

Reafirmo meus agradecimentos a Ikeda sensei, com quem aprendi uma das mais importantes lições: “Não importam as provações da sociedade, jamais sejam derrotados! Independentemente de quais intempéries surjam na vida, vençam a qualquer custo!”.¹ Gratidão ao Mestre!
Gilmar Soares, 63 anos. Sociólogo e artista plástico. Membro da Comunidade Farol, RM Osasco Oeste, CGESP.

Nota:

  1. Brasil Seikyo, ed. 2.073, 26 fev. 2011, p. B4.