ROTANEWS176 E POR BBC NEWS NOVA DÉLI 29/03/2022 14:37 Por Zoya Mateen
Reprodução/Foto-RN176 Mulheres muçulmanas afirmam que elas sentem raiva quando precisam explicar sua decisão de usar o hijab – CRÉDITO,GETTY IMAGES
Nabeela Shaikh tinha 30 anos de idade quando começou a usar o hijab. Ela foi a última de três irmãs a adotar o véu.
Sua irmã mais velha, Muzna, usou o hijab pela primeira vez quando tinha 8 anos, inspirada por uma prima. Ela usava o véu dependendo de quem estivesse à sua volta, até que percebeu que não conseguiria “agradar a todos”, segundo conta.
A mais jovem, Sarah, usou o hijab no “pior momento” da vida, quando seu sonho de tornar-se cirurgiã foi destruído pelas baixas notas no seu exame. “Comecei com coisas como rezar na hora certa”, ela conta. “O hijab veio depois, naturalmente.”
Filhas de médicos, elas cresceram em Mumbai, no litoral da Índia. A mãe delas ainda não cobre a cabeça. Mas, quando as irmãs usam o hijab, as pessoas deduzem que é um ato de compulsão.
O hijab é amplamente usado na Índia, onde as demonstrações públicas de fé são comuns. Mas, em janeiro de 2022, alunas de uma escola no Estado de Karnataka, no sul do país, protestaram por terem sido proibidas de usar o hijab na sala de aula e deram ao véu uma visibilidade inédita.
Reprodução/Foto-RN176 Muzna, Nabeela e Sarah começaram a usar o hijab em diferentes momentos da vida – CRÉDITO,GETTY IMAGES
A questão – se as meninas muçulmanas têm o direito de usar o hijab na sala de aula – agora está na justiça. A disputa despertou violência, dividiu as escolas e impediu diversas meninas muçulmanas em Karnataka de comparecer às aulas.
A BBC falou com mulheres muçulmanas em toda a Índia, que afirmam sentir raiva pela “natureza intrusiva” do debate.
“Somos constantemente lembradas de que, para sermos aceitas, precisamos abrir mão da nossa religião”, disse uma mulher da capital indiana, Nova Déli. As mulheres afirmam que o clamor popular oculta a natureza intensamente pessoal da sua escolha.
Aquelas que decidem usar o hijab afirmam que a decisão não é apenas religiosa, mas sim tomada após reflexão. E as que preferem não usar o hijab dizem que seus cabelos não são o termômetro da sua fé.
‘Eu não sou oprimida’
“As pessoas não entendem por que alguém pode se sentir empoderada usando um véu”, afirma Nabeela, rindo. “Elas ficam confusas e, por isso, elas nos julgam.”
“Oprimida” é uma palavra comumente lançada contra as mulheres que usam o hijab, mas muitas salientam que desconsiderar os seus motivos para usar o véu também não é liberador, nem manter as meninas fora da escola porque elas se recusam a retirar o hijab.
“As jovens muçulmanas estão nas ruas protestando pelos seus direitos. E você ainda me diz que [essas] mulheres não conseguem pensar por si próprias?”, afirmou Naq, com 27 anos de idade, da cidade de Bangalore (capital de Karnataka), que se identifica apenas pelo seu primeiro nome.
Reprodução/Foto-RN176 A disputa sobre o hijab desencadeou protestos em todo o país – CRÉDITO,GETTY IMAGES
Quando Naq decidiu usar o hijab, cinco anos atrás, ela conta que encontrou as reações “mais bizarras”.
“Meu véu revelou muitos pensamentos das pessoas”, segundo ela. “As pessoas sussurravam para mim: Você é oprimida? Você está com calor? Qual xampu você usa? Algumas pessoas chegaram até a me perguntar se eu tinha cabelo – elas pensavam que eu tinha câncer.”
Para ela, o hijab era também um experimento de vestuário. Ela vê glamour em cada prega e drama em cada cor.
“As pessoas acham que meu hijab não combina com minhas roupas da moda e a maquiagem. Mas combina, sim”, segundo ela. “Se eu entrar em uma sala, quero que as pessoas olhem para mim e pensem: ‘esta é uma mulher muçulmana atingindo seus objetivos, viajando pelo mundo e desabrochando’.”
Já outras mulheres muçulmanas – como Wafa Khatheeja Rahman, advogada em Mangalore, no sul da Índia – afirmam que não vestir o hijab não as torna menos muçulmanas.
“Eu não uso porque não está de acordo com quem eu sou – e ninguém pode me dizer para usar”, afirma ela. “Mas, da mesma forma, ninguém pode me dizer que eu não deveria usar.”
Reprodução/Foto-RN176 Diversas mulheres afirmam que enfrentam discriminação na escola devido ao hijab – CRÉDITO,GETTY IMAGES
A mãe de Rahman também nunca usou o hijab, mas ela conta que cresceu com fé à sua volta, ouvindo histórias do Profeta e também de mulheres do Islã. “A primeira esposa do Profeta era comerciante e a segunda foi para a batalha em um camelo. Somos então realmente tão oprimidas como o mundo quer que acreditemos?”, pergunta ela.
‘O que há de errado em ser muçulmana?’
Houve uma época em que Falak Abbas odiava a ideia de cobrir seus cabelos – uma escolha incomum em Varanasi, cidade conservadora no norte da Índia. Mas, quando tinha 16 anos, ela viu na TV Malala Yousafzai – a paquistanesa vencedora do Prêmio Nobel da Paz, que a fez mudar de opinião.
“A cabeça dela estava coberta, mas ela parecia tão poderosa. Ela me inspirou e decidi também cobrir minha cabeça”, conta Abbas.
Mas a escola de freiras que ela frequentava não concordou, dizendo que o hijab era incompatível com o uniforme, que era composto de uma túnica longa e calças. Abbas afirma que, por três dias, ela foi proibida de frequentar as aulas – chegando a perder um exame de biologia. E, quando ela protestou, a escola chamou os seus pais e a acusou de mau comportamento.
“Eles disseram que, se eu usasse o hijab, causaria problemas não só para mim, mas também para a escola, pois todos descobririam que sou muçulmana”, relembra ela. “O que há de errado em ser muçulmana?”
Reprodução/Foto-RN176 Existem diversas formas de usar o hijab islâmico – CRÉDITO,GETTY IMAGES
Mas ela cedeu depois que seus pais disseram a ela que não “prejudicasse sua educação por causa do hijab”. E, oito anos depois, assistindo às cenas dos protestos em Karnataka, Abbas conta que está novamente dominada por “profunda raiva”.
Khadeeja Mangat, do Estado de Kerala, no sul da Índia, também está indignada com esse policiamento. Sua escola proibiu o hijab do dia para a noite em 1997. A proibição acabou sendo revogada, mas Mangat se pergunta o que acontecerá em Karnataka.
“Tudo é muito claro – a constituição, seus valores e nossas manifestações”, afirma ela. “Mas ainda precisamos nos defender incansavelmente, mesmo às custas da nossa educação.”
‘A forma como as pessoas veem você pode ser muito desgastante’
Embora as audiências na justiça tenham se concentrado ostensivamente no uso do hijab na sala de aula, as mulheres muçulmanas estão ansiosas para saber qual será o veredito em um país altamente polarizado como a Índia, com o governo nacionalista hindu do primeiro-ministro Narendra Modi.
Simeen Ansar, da cidade de Hyderabad, no sul da Índia, afirma que o hijab está sendo transformado em um símbolo subversivo para “ganhos políticos”.
“Cresci com meninas hindus que cobriam suas pernas com as saias da escola, o que não parecia mais surpreendente para mim na época que ver os meninos sikh usando turbantes”, afirma ela. “Mas, com relação ao hijab, as mulheres muçulmanas são reduzidas a duas situações. Se uso o hijab, sou tradicional e oprimida. Se não uso, sou moderna e liberada.”
Reprodução/Foto-RN176 O hijab é muito usado na Índia – CRÉDITO,GETTY IMAGES
Ela conta que sua irmã e ela começaram a usar o hijab, mas logo desistiram porque sua decisão nunca foi totalmente aceita. Enquanto sua irmã era discriminada no trabalho, Simeen conta que as pessoas a encaravam em lugares onde não se esperava ver uma mulher com hijab, como academias de ginástica, bares ou festas.
“A forma como as pessoas veem você pode ser muito cansativa”, afirma ela.
E muitas mulheres muçulmanas compartilham esse medo – de que, agora, mais do que nunca, o hijab será a única coisa que as pessoas enxergarão. Essa ansiedade está fazendo com que Wafa Rahman, que nem mesmo usa o hijab, acompanhe atentamente as audiências.
“Mesmo quando estou no trabalho, coloco meus fones de ouvido e acompanho o processo [judicial]”, ela conta.
Ela agora se preocupa se isso afetará suas amigas e familiares que usam o hijab. “Você tira o meu hijab e o que vem depois? Eu ainda tenho um nome árabe. Terei também que mudar de nome para que você me respeite?”
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