24 de agosto – O início da minha jornada de unicidade de mestre e discípulo (parte 1)

ROTANEWS176 E POR  JORNAL BRASIL SEIKYO  02/07/2022 10:01                                                                    ENSAIO                                                                                                   

Por Ho Goku                                   

Reprodução/Foto-RN176 Ilustração mostra o segundo presidente da Soka Gakkai, Josei Toda, à esq. e seu jovem discípulo, Daisaku Ikeda, à dir. Dr. Daisaku Ikeda, fundador da Universidade Soka. Dr. Daisaku Ikeda. Ele é um filósofo, escritor, fotógrafo, poeta e líder budista da SGI atualmente o Mestre e Presidente da Soka Gakkai Internacional – SGI – Editora Brasil Seikyo – BSGI  Ilustração: Kenji Mase

No dia 24 de agosto, comemoram-se 75 anos da conversão do presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), Dr. Daisaku Ikeda, ao Budismo de Nichiren Daishonin. Brasil Seikyo relembra o ensaio de Ikeda sensei sobre a data, publicado em três partes na série “Reflexões sobre a Nova Revolução Humana” da revista Terceira Civilização.

HO GOKU1

O poeta alemão Hermann Hesse (1877–1962) escreveu a célebre frase: “Do sofrimento surge a força e nasce a saúde… Os sofrimentos nos tornam mais fortes e tenazes”.2

Cinquenta e cinco anos se passaram desde que conheci Josei Toda, meu mestre da vida, em uma reunião de palestra, no bairro de Ota, na noite de 14 de agosto de 1947.

Quanta convicção ele transmitia em suas palavras! Como era lógica e coerente sua explanação do tratado Estabelecer o Ensinamento para a Pacificação da Terra (Rissho Ankoku Ron)! Decidi naquele mesmo instante tornar-me seu discípulo. Desse dia em diante, meu juramento e meus esforços para realizar o kosen-rufu com o mesmo espírito e a mesma dedicação do meu mestre se tornaram uma paixão flamejante que me consumiu totalmente e que arde cada vez mais.

Essa solene cerimônia do dia 14 de agosto, ocasião em que me lancei à jornada do kosen-rufu mundial, está marcada indelevelmen­te em minha vida. Meu mestre abriu audaciosamente o caminho para a realização do grande desejo do kosen-rufu, que consiste na essência do Budismo Nichiren, e, após realizar o propósito maior da sua vida, retornou com suprema dignidade ao Pico da Águia.

Durante 55 anos [quando foi escrito o ensaio; atualmente são 75 anos], como discípulo de Toda sensei, tenho me dedicado conti­nuamente à causa do bem e sido alvo de inúmeras calúnias e ataques, exatamente como Daishonin ensina. Da mesma forma que meu mestre, tenho avançado vigorosamente pelo caminho da justiça, sem um único dia de descanso. E meus companheiros têm-se dedicado junto comigo com o mesmo comprometimento. Nós lutamos e vencemos. Não temos nenhum arrependimento.

Vivo cada dia sustentando como minha maior honra o fato de que, se eu for encontrar com meu mestre em algum momento das três existências, orgulhosamente me apresentarei perante ele como seu principal discípulo.

Triunfei. Não fui derrotado. Um discípulo deve triunfar resolutamen­te. Essa é a essência do Budismo Nichiren, da Soka Gakkai e também do espírito de unicidade de mestre e discípulo.

Vinte e quatro de agosto — aniversário da minha conversão ao budismo — é o dia em que renovo minha decisão visando ao kosen-rufu. Kaneko, que, além de esposa, é minha companheira na fé, e eu comemoramos a data uma vez mais este ano [2002] com boa saúde e com um senso de propósito e comprometimento ainda maiores.

Meus companheiros a quem tanto estimo e que têm travado inúme­ras e árduas batalhas pela Lei! Orando constantemente pela boa saúde, vitória e felicidade de cada um de vocês, amigos heroicos, celebro esses 55 anos [quando o ensaio foi escrito] com triunfo.

* * *

“Para usufruir da bondade, pratique-a.”3 Essas significativas palavras são do famoso escritor russo Liev Tolstói (1828–1910).

O dia 24 de agosto de 1947 foi um domingo de muito calor. O percur­so de Ota ao templo no bairro de Suginami naquele dia pareceu extremamente longo e penoso para alguém como eu que sofria de tuberculose e pleurite. A recitação do gongyo e do daimoku na cerimônia de concessão de Gohonzon pareceu durar uma eternidade e, por não estar acostumado a me sentar sobre os joelhos por muito tempo, minhas pernas adormeceram. Ainda me lembro vividamente do desconforto, da dor e do turbilhão de emoções que senti naquele dia.

Exatamente como Daishonin cita no Gosho, “O superficial é fácil de abraçar, mas o profundo é difícil. Descartar o superficial e buscar o profundo é de uma pessoa de coragem”.4

Naquela época, eu ainda não compreendia os profundos ensinamentos do budismo. Minha família também se opunha fortemente à minha decisão. Mas transcendendo esses problemas superficiais, fiquei profundamente impressionado com o caráter de Josei Toda.

Meu mestre acreditou em mim. Ele me dizia: “Vamos, não desista! Desafie seu espírito de procura! Estude e pratique com coragem. Essa é a atitude própria de um jovem!”. Minha intuição de jovem me dizia que podia seguir com segurança aquele homem que havia sido preso durante a guerra em defesa da paz e do budismo. Dessa forma, 24 de agosto marcou meu ingresso na “Universidade Toda”. Uma vida dedicada à verdade teve início com a relação de mestre e discípulo.

Naquela reunião de palestra na qual nos conhecemos, Josei Toda explanava o escrito Estabelecer o Ensinamento para a Pacificação da Terra. Daishonin apresentou esse tratado à principal autoridade do governo militar em 16 de julho de 1260, segundo o calendário lunar em uso no Japão. Um fato interessante é que, se for convertida ao calendário juliano em uso no Ociden­te naquela época, a data corres­ponde a 24 de agosto de 1260.

Nessa mesma ocasião, em 1947, lancei-me corajosamente ao movimento da Soka Gakkai para concretizar o objetivo de Daishonin do rissho-ankoku — de realizar a paz duradoura e a felicidade de toda a humanidade com base nos princípios e ideais do budismo.

* * *

Nichiren Daishonin escreveu: “Se não fossem [as maldades], não haveria como saber se este é o ensinamento correto”5 e “Sem as adversidades, não existiria devoto do Sutra do Lótus”.6 Ele declara que o fato de encontrar perseguições prova que estamos defendendo o ensinamento do budismo. Se não enfrentamos grandes obstáculos, não podemos nos considerar genuínos praticantes que se empenham em propagar a Lei Mística.

Logo após Daishonin apresentar seu tratado Estabelecer o Ensinamento para a Pacificação da Terra ao governo, ele sofreu a Perseguição de Matsubagayatsu e, no ano seguinte, o Exílio em Izu. Mais tarde, enfrentou a Perseguição de Komatsubara e quase foi decapitado em Tatsunokuchi, além de ser exilado na Ilha de Sado. Daishonin afirma ainda: “As adversidades e os obstáculos menores têm sido tantos que é impossível contá-los, mas as grandes perseguições se resumem a quatro”.7

Daishonin diz:

A partir do momento em que ouvir e [tiver fé] neste sutra, deve estar preparado para enfrentar perseguições dos três poderosos inimigos que certamente são mais terríveis agora do que nos dias após a morte do Buda.8

Pouco tempo depois de eu ter iniciado a prática, essas palavras de Daishonin me atingiram com força e repercutiram em minha vida. Estava firmemente decidido e disposto a enfrentar o que quer que fosse. Eis por que mesmo hoje não temo nenhuma calúnia ou insulto. Mantenho-me inabalável ante os ataques verbais e as censuras.

Durante a guerra, o primeiro presidente da Soka Gakkai, Tsunesaburo Makiguchi, foi preso por manter suas crenças e morreu no cárcere. Nosso segundo presidente da Soka Gakkai, Josei Toda, foi mantido preso durante dois anos. Ambos são maravilhosos exemplos de pessoas que não pouparam a própria vida pela Lei. Meus predecessores suplantaram serenamente as duras perseguições e triunfaram, considerando-as como consequência natural daqueles que defendem o ensinamento correto. Assim fazendo, eles escreveram uma história gloriosa de “devoção abnegada pela propagação da Lei”. A honra indestrutível da nobre vitória ilumina eternamente a vida de ambos. E seu legado brilhante como uma joia vive em meu coração como uma determinação inabalável de ser sempre vitorioso.

* * *

Em setembro de 1948, pouco mais de um ano após ter me convertido ao budismo, dirigi-me às pressas do local do meu trabalho em Ota para a antiga sede da Soka Gakkai em Nishikanda. Recebera recentemente a permissão de participar da série de preleções de Toda sensei sobre o Sutra do Lótus. Erguendo meu corpo exausto, lancei-me a aprofundar a compreen­são do budismo com um espírito de procura juvenil. Por mais atarefado que estivesse, nunca perdi uma única explanação.

Reprodução/Foto-RN176 Daisaku Ikeda, à dir., e seu mestre, Josei Toda, ao centro, caminham juntos durante atividade esportiva da Soka Gakkai (Hokkaido, ago. 1957). Dr. Daisaku Ikeda, fundador da Universidade Soka. Dr. Daisaku Ikeda. Ele é um filósofo, escritor, fotógrafo, poeta e líder budista da SGI atualmente o Mestre e Presidente da Soka Gakkai Internacional – SGI – Editora Brasil Seikyo – BSGI – Foto: Seikyo Press

Não posso negar que os ensinamentos implícitos nas profundezas do Sutra do Lótus eram difíceis de compreender, mas a convicção de Josei Toda e suas explanações infinitamente profundas sobre o budismo me impressionaram e me comoveram.

Não há nada mais nobre que viver de acordo com nossas crenças, não importa o que os outros digam ou como a sociedade reaja. O futuro para o qual rumamos é incerto e, por essa razão, é maravilhoso abraçar uma fé que nos possibilita reconhecer o profundo significado da nossa vida e que serve de força motriz para o cumprimento da nossa missão e responsabilidade de realizar a paz e conduzir a humanidade à prosperidade.

A história mostrou que as grandes religiões de cada período e lugar levaram ao florescimento da cultura e da paz. Essa é uma fórmula universal. Em nosso diálogo realizado há trinta anos, o grande historiador britânico Arnold J. Toynbee (1889–1975) disse:
A religião do futuro que crie, e mantenha, uma nova civilização, terá de permitir que a humanidade combata e vença os males que hoje constituem sérias ameaças à sobrevivência do homem.9

Essa é uma grande verdade. Ele também disse que era exatamente por isso que queria se encontrar comigo, um praticante de uma religião como essa. Suas palavras ressoarão em meu coração eternamente.

Continua na próxima edição.

 No topo: Ilustração mostra o segundo presidente da Soka Gakkai, Josei Toda, à esq. e seu jovem discípulo, Daisaku Ikeda, à dir.

Fonte:

Terceira Civilização, ed. 413, jan. 2003, p. 7.

Notas:

  1. Ho Goku: Pseudônimo de Daisaku Ikeda.
  2. HESSE, Hermann. Wakaki Hitobito E[Aos Jovens]. Tradução: Kenji Takahashi. Quioto: Jimbun Shoin, 1971. p. 37.
  3. TOLSTÓI, Liev. A Calendar of Wisdom: Wise Thoughts for Every Day [Um Calendário de Sabedoria: Pensamentos de Sabedoria para Cada Dia]. Tradução: Peter Sekirin. Londres: Hodder & Stoughton, 1977. p. 142.
  4. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, p. 583, 2020.
  5. The Writings of Nichiren Daishonin[Os Escritos de Nichiren Daishonin]. Tóquio: Soka Gakkai, v. I, p. 501.
  6. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, p. 33, 2020.
  7. Ibidem, p. 250.
  8. The Writings of Nichiren Daishonin[Os Escritos de Nichiren Daishonin]. Tóquio: Soka Gakkai, v. I, p. 391.
  9. TOYNBEE, Arnold; IKEDA, Daisaku. Escolha a Vida: Um Diálogo sobre o Futuro. Tradução: Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Editora Record, 1976. p. 299 e 300.

Ilustração: Kenji Mase

Foto: Seikyo Press