ROTANEWS176 E POR G1 22/03/2013 10h01
Incêndio na casa noturna de Santa Maria em 27 de janeiro matou 241.Responsabilidade sobre alvará é um dos principais pontos a esclarecer.
Ao longo de mais de 50 dias de investigação sobre o incêndio que atingiu a Boate Kiss na madrugada do dia 27 de janeiro, vários pontos foram esclarecidos. Alguns ainda serão apurados em uma nova fase de trabalhos após a entrega do inquérito, marcada para esta sexta-feira (22). A tragédia matou 241 pessoas.
(Esta reportagem será atualizada ao longo das investigações do caso, conforme surgirem novas informações e conclusões das equipes de investigação)
Durante toda a investigação, quatro pessoas estiveram presas: os sócios da Kiss Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann; e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão.
O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco durante um show na festa universitária realizada naquela madrugada.
De acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores, é possível afirmar que:
– O vocalista da banda Gurizada Fandangueira segurou um artefato pirotécnico aceso.
– Era comum a utilização de fogos no palco durante apresentações do grupo musical.
– A banda comprou um modelo de sinalizador proibido para ambientes fechados.
– Pelo menos um extintor de incêndio não funcionou ao ser manipulado pelo segurança.
– Havia mais público do que a capacidade de 691 lugares apontada pelos Bombeiros.
– A boate tinha apenas um acesso, para entrada e saída, sem saídas de emergência.
– O alvará fornecido pelos Bombeiros estava vencido desde 10 de agosto de 2012.
– A perícia concluiu que 100% das mortes dentro da boate foram causadas por asfixia.
– A boate não teria obedecido o plano de prevenção contra incêndio feito por uma engenheira.
Bombeiros combatem chamas durante resgate na
boate Kiss (Foto: Germano Roratto/Agência RBS)
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O que já se sabe: O incêndio começou por volta de 2h30 de 27 de janeiro, durante apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que contou com efeitos pirotécnicos. As chamas no teto se alastraram rapidamente devido ao material inflamável usado como isolamento acústico, o que produziu fumaça preta e tóxica. O fogo foi causado pelo sinalizador
As versões: Sobreviventes relataram que o incêndio iniciou depois do vocalista ter segurado um dispositivo pirotécnico no palco. Faíscas atingiram o teto, forrado de espuma e isopor, e as chamas se espalham rapidamente. O vocalista Marcelo Santos admitiu em depoimento que segurou uma espécie de sinalizador, mas disse não acreditar que as faíscas tenham provocado o incêndio.
Foto divulgada pela polícia mostra interior da boate
destruído (Foto: Divulgação/Polícia Civil do RS)
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- ‘Extintor de incêndio não funcionou’,
diz músico que tocou em boate no RS - Ao entrar numa casa noturna, saiba
como verificar se o local é seguro - Sócio mandava tirar extintores das
paredes da boate, diz ex-funcionária
O que já se sabe: Pelo menos um extintor de incêndio foi manipulado quando o incêndio teve início, mas não funcionou. Os técnicos do Instituto-Geral de Perícias (IGP) examinaram os equipamentos disponíveis na boate e constataram que esse extintor falhou quando acionado porque não tinha carga e pressão suficientes. Outro de um total de cinco extintores também estava com a data de validade vencida.
As versões: Testemunhas relataram que alguns seguranças tentaram apagar as chamas no teto da boate com extintores e que os equipamentos não funcionaram. Segundo o guitarrista Rodrigo Martins, um segurança e o vocalista da banda tentaram operar o equipamento, que falhou. A boate sustenta que contava com “todos os equipamentos previsíveis e necessários para o sistema de proteção e combate contra o incêndio”.
O que já se sabe: Outra conclusão da perícia confirmou o que a polícia já suspeitava: a boate estava superlotada. A capacidade do estabelecimento, segundo os laudos, era de, no máximo, cerca de 750 pessoas. Com base em depoimentos, provas e número de vítimas e feridos, os delegados estimam que mais de mil pessoas estavam no interior da Kiss naquela madrugada de domingo.
Versões: Jader Marques, advogado de um dos sócios da boate, disse que foram impressos 850 convites para a festa e que com 1.000 pessoas a circulação na boate “é considerada boa”. De acordo com investigadores, estavam no local cerca de 1.300 pessoas. O Corpo de Bombeiros estimou inicialmente o número de frequentadores em cerca de 1.500.
O que falta ser esclarecido: O número total de pessoas que estava dentro da boate na noite ainda é desconhecido.
Reprodução/Foto-RN176 Foto mostra as duas saídas que levavam para uma única porta para rua (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)
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- Boate Kiss tinha duas portas
que davam para área interna - Advogado diz que boate Kiss tinha
‘plenas condições’ de estar aberta
O que já se sabe: A boate tinha apenas um acesso, usado tanto para entrada quanto para saída de pessoas, com porta de tamanho reduzido. Não havia saídas de emergência. A porta, quando totalmente aberta, chegava a uma largura de 3 metros.
Os sistemas de ar condicionado e de exaustão também contribuíram para o grande número de mortes, ao propagarem rapidamente a fumaça tóxica em vez de dissipá-la. De acordo com a perícia, os dutos de ar da casa noturna operavam de forma ineficiente e ainda estavam parcialmente obstruídos por janelas basculantes, impedindo que parte da fumaça saísse para o ambiente externo do prédio.
A ausência de uma segunda porta de emergência, como determinam as normas técnicas e leis anti-incêndio, e os guarda-corpos posicionados próximos à saída para organizar a fila de pagamentos das comandas também foram grandes vilões na tragédia. Os obstáculos impediram a saída rápida das vítimas, enquanto que a porta, de largura menor do que a recomendada, atrasou ainda mais a evacuação.
A perícia de engenharia do local também constatou que faltavam itens de segurança como chuveiros automáticos para o caso de incêndio (já que a boate não tinha janelas), e mais luzes de emergência indicativas do local de saída. Sem enxergar em função da fumaça, o público acabou se dirigindo para os banheiros, onde a maioria das vítimas foi encontrada.
As versões: A boate afirmou que contava com “todos os equipamentos previsíveis e necessários para o sistema de proteção e combate contra o incêndio”. Segundo major dos Bombeiros, a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei. Segundo a polícia, a saída única está entre os fatores que contribuíram para que o incêndio deixasse tantas vítimas.Testemunhas relataram que a boate não possuía sinalização interna e que o local ficou às escuras logo que o fogo começou, o que dificultou a saída do público e fez com que muitos frequentadores acabassem no banheiro, onde morreram asfixiados.
Reprodução/Foto-RN176 Prefeitura entregou documentos para a polícia e se
eximiu de responsabilidade (Foto: Iara Lemos/G1)
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- Prefeitura de Santa Maria se exime de responsabilidade sobre incêndio
- Alvará de boate incendiada estava
vencido desde agosto, diz bombeiro - Dono de boate admite alvará vencido
e culpa banda por fogo, diz delegado
O que já se sabe: Conforme a polícia informou durante as investigações, já se sabe que uma série de erros, omissões ou negligências somaram-se para que o número de mortes no incêndio tenha sido tão elevado. Até o momento, no entanto, nenhum servidor ou órgão público foi claramente apontado como responsável.
Nos primeiros dias de investigações, ficou comprovado que a Kiss funcionava com o alvará fornecido pelo Corpo de Bombeiros vencido desde 10 de agosto de 2012. Tanto a corporação quanto a prefeitura municipal alegaram, nos dias seguintes ao incêndio, que o processo de renovação estava em andamento e que, por isso, a situação da casa noturna não era ilegal.
Em pelo menos outras três ocasiões, no entanto, a boate ficou à margem da lei. Há indícios de que a Kiss recebeu o alvará dos bombeiros sem ter um Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio (PPCI), documento obrigatório conforme prevê a legislação. O PPCI apresentado pelos proprietários para obter o primeiro alvará seria um documento genérico, feito por um software de computador, sem assinatura de um responsável técnico.
Em depoimento à polícia, um major do Corpo de Bombeiros (hoje tenente-coronel da reserva) que assinou o alvará da Kiss em 2009, permitindo que a boate abrisse em julho do mesmo ano, disse que todo o procedimento foi feito dentro da legalidade. A polícia e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RS), no entanto, não encontraram o responsável técnico pelo PPCI.
No final de fevereiro, uma engenheira foi convocada a depor e admitiu ter elaborado o primeiro PPCI da Kiss com base em uma planta da boate. Ela teria recomendado a adoção de várias medidas de segurança, como a instalação de mais de uma porta de saída. Mas disse que não acompanhou a execução das obras. Só após o incêndio, segundo o depoimento, ela teria constatado que a planta da boate era diferente da que havia analisado antes.
Desde a abertura até os oito primeiros meses de funcionamento, a Kiss não tinha alvará de localização fornecido pela prefeitura. Em vez de interditar o estabelecimento até que a situação fosse regularizada, como manda a lei, os fiscais aplicaram quatro multas. De agosto de 2010 a agosto de 2011, a boate também ficou aberta sem o alvará dos bombeiros.
Mais ou menos no mesmo período, a Kiss também não possuía licença ambiental. Esse fato teria sido levado ao conhecimento do MP durante a tramitação de um expediente que resultou na assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O compromisso foi firmado para a realização de obras que visavam resolver problemas de poluição sonora, motivo de queixa dos vizinhos da boate desde a abertura.
As versões: A prefeitura de Santa Maria afirma que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização. Segundo o prefeito Cezar Schirmer, o que estava vencido era o alvará de prevenção e proteção contra incêndio, que é fornecido pelos Bombeiros. O major Gerson Pereira disse que a corporação “fez tudo o que estava ao alcance”. A boate sustenta que a situação estava regular pois já havia pedido a renovação.
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O que já se sabe: Segundo testemunhas, centenas de pessoas ficaram desesperadas com o início do incêndio e começaram a correr em busca de uma saída para a rua. Houve tumulto e muitos frequentadores caíram e foram pisoteados.
As versões: Testemunhas relataram que inicialmente os seguranças bloquearam a porta da boate, o que teria atrapalhado a evacuação, e que os funcionários barraram as pessoas que tentavam sair sem pagar a comanda. Conforme os relatos, ao perceberem a fumaça, os seguranças liberaram a passagem.
O que falta ser esclarecido: A polícia investigou se os funcionários seguiram o protocolo correto para situações de emergência e se os seguranças receberam orientação prévia da direção da casa para barrar clientes em caso de tumultos.
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O que já se sabe: Mais de 180 corpos foram retirados dos banheiros da boate.
As versões: O capitão da Brigada Militar Edi Paulo Garcia disse que a maioria das vítimas tentou escapar pelo banheiro do estabelecimento e acabou morrendo. Testemunhas afirmam que muitas pessoas foram para a porta dos banheiros achando que era a saída da boate e acabaram ficando presas ali.
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O que já se sabe: Todas as mortes causadas dentro da boate tiveram como causa a asfixia, segundo a perícia. A espuma de isolamento acústico que revestia o teto e algumas paredes da Kiss foi apontada pela polícia, desde os primeiros dias, como uma das protagonistas na tragédia. O material, feito de poliuretano, liberou gases tóxicos durante a queima, como cianeto e monóxido de carbono, comprovou a perícia. Esses elementos químicos foram os causadores da morte por asfixia de pelo menos 234 das 241 vítimas, conforme os laudos da necropsia.
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O que já se sabe: Quatro pessoas ficaram presas durante os mais de 50 dias de investigação: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr, conhecido como Kiko; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, que fazia serviços de segurança e outras funções auxiliares. A Justiça também bloqueou os bens da empresa que gere a boate. Os proprietários do estabelecimento também tiveram os seus bens retidos a pedido da Defensoria Pública.
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O que já se sabe: O inquérito policial que apura as causas e os responsáveis pela tragédia será apresentado nesta sexta-feira (22). O Ministério Público também abriu inquérito civil para investigar a possibilidade de improbidade administrativa por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate continuasse funcionando mesmo licenças vencidas.
Segundo especialistas ouvidos pelo G1, os crimes possíveis para o caso são homicídio (culposo ou com dolo eventual), incêndio e lesão corporal.