Por que ele ainda não foi preso?

Acusado de ser um dos principais beneficiários do esquema do Petrolão, Lula permanece em liberdade. Por muito menos, outros petistas foram parar atrás das grades

ROTANEWS176 E ISTOÉ 13/03/2016 21:59

Em novembro do ano passado, o senador petista Delcídio do Amaral foi preso porque o Supremo Tribunal Federal considerou que ele trabalhava nos bastidores para conturbar as investigações da Operação Lava Jato. Dois anos antes, o ex-deputado federal José Genoíno acabou na cadeia por assinar, como presidente do PT, empréstimos fraudulentos que alimentaram os cofres petistas. Nos dois casos, é evidente que eles cometeram ilícitos que deveriam ser punidos com o rigor da lei. Nos ombros de Delcídio e Genoíno, porém, não pesam acusações tão graves quanto as que pairam sobre Lula.

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Reprodução/Foto-RN176 No limite: Descontrolado, Lula definiu a Lava Jato como  “banditismo e militância política”

De acordo com os desdobramentos da Lava Jato, Lula seria um dos principais beneficiários dos recursos desviados pelo esquema do Petrolão. O que explica, portanto, o fato de Lula ainda não ter sido encaminhado para o cárcere? Por que, no caso do fundador do PT, a Justiça tem sido menos rigorosa do que foi com os outros companheiros? Na quinta-feira 10, os promotores José Carlos Blat, Cássio Conserino e Fernando Henrique Araújo, do Ministério Público de São Paulo, pediram a prisão preventiva do ex-presidente. Mal fundamentado, o requerimento apenas forneceu munição para os que defendem a tese da vitimização de Lula.

O próprio juiz Sérgio Moro, cujos despachos têm sido marcados pelo rigor técnico, considerou a ação do MP paulista um equívoco. Os promotores argumentaram que o pedido de prisão foi necessário para garantir a aplicação da lei diante da possibilidade de o ex-presidente fugir do País, o que nem o mais ferrenho petista considera uma hipótese plausível. Os promotores denunciaram também “manobras” que tentavam blindar Lula, incluindo as manifestações de apoio da presidente Dilma Rousseff com críticas a autoridades do Judiciário no exercício legal de seu trabalho.

Agora, o pedido de prisão preventiva da promotoria será analisado pela juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São Paulo. Embora polêmica, a iniciativa do MP paulista mostrou que o cerco a Lula está se fechando. Na quinta-feira 10, o próprio petista reconheceu que a situação está perto do limite. “Sei que posso ser preso a qualquer momento”, disse Lula a aliados. O petista foi denunciado pelos crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica no caso do tríplex no Condomínio Solaris, no Guarujá.

Ele é acusado de ser o verdadeiro dono do imóvel que está registrado em nome da empreiteira OAS, o que configura ocultação de patrimônio. De acordo com a denúncia, o apartamento foi reformado pela empreiteira para a família Lula ocupar. A construção do Solaris foi iniciada pela Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), ligada ao PT, que sofreu um rombo milionário nas contas e deixou milhares de pessoas sem os imóveis pelos quais pagaram. A OAS, em seguida, assumiu parte das obras inacabadas.

Essa situação é também objeto de investigação da força-tarefa da Operação Lava Jato, no Paraná, por causa do envolvimento da empreiteira que fazia parte do cartel que agia na Petrobras. O cerco a Lula se intensificou depois de ISTOÉ revelar, com exclusividade, detalhes do acordo de delação premiada do senador Delcídio do Amaral. Delcídio desfrutava de ótimo relacionamento com Lula. O parlamentar revelou que o ex-presidente mandou comprar o silêncio de Nestor Cerveró e de outras testemunhas na Lava Jato.

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Cerveró comandou a Diretoria Internacional da Petrobras entre os primeiro e segundo mandato de Lula. Segundo a narrativa de Delcídio, Lula tentou sabotar a Lava Jato – o mesmo crime que fez o senador cumprir prisão entre novembro e fevereiro. De novo, uma pergunta fica no ar: por que Delcídio foi para a cadeia e Lula não? Na semana passada, o jornal O Estado de S. Paulo revelou mais uma situação embaraçosa para Lula. Como já havia acontecido com o triplex no Guarujá e o sítio de Atibaia (também reformado por empreiteiras, também frequentado por Lula, também suspeito de pertencer ao ex-presidente), trata-se de uma história nebulosa sobre o uso de um imóvel não registrado em seu nome.

O aposentado Glauco da Costa Marques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai (preso na Operação Lava Jato por corrupção passiva, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro), é o dono de uma cobertura usada por Lula e familiares no prédio onde o petista mora em São Bernardo do Campo. O imóvel foi alvo de busca e apreensão durante a Operação Aletheia (como é chamada a 24ª fase da Lava Jato), após o síndico do prédio indicar à Polícia Federal que o imóvel pertenceria ao ex-presidente.

A cobertura número 121 do edifício Hill House fica em frente à que pertence ao petista, de número 122. Segundo Glauco Marques, Lula paga aluguel. O aposentado alega ter comprado o apartamento em 2011. A cobertura, porém, já era usada por Lula desde o primeiro ano na Presidência, em 2003. Até 2007, o PT pagou pelas despesas do imóvel para que ele guardasse o acervo presidencial que doou ao partido. Morador de Campo Grande (MS), o primo de Bumlai disse que adquiriu a cobertura por sugestão do advogado Roberto Teixeira. A Lava Jato investiga se Teixeira atuou para ajudar Lula a ocultar a propriedade do sítio em Atibaia.

Numa tentativa de blindar Lula, aliados do ex-presidente passaram a defender sua nomeação para o ministério de Dilma Rousseff. Não é a primeira vez que a hipótese é aventada. Agora, os companheiros mais próximos tentam convencê-lo de que sua situação jurídica degringolou de vez e somente o manto do foro privilegiado poderia garantir alguma tranquilidade no cenário atual. O arranjo seria nomear Lula para comandar a Casa Civil, transferindo o baiano Jaques Wagner para a pasta da Justiça.

Caso a ideia seja levada adiante, qualquer investigação relacionada ao petista, tanto no Ministério Público de São Paulo ou na força-tarefa da Lava Jato, teria que ser enviada ao Supremo, instituição encarregada de processar criminalmente autoridades como um ministro da República. Para a oposição, a estratégia representa uma confissão de culpa. O pedido de prisão preventiva dos promotores de Justiça de São Paulo, embora questionável até mesmo para adversários de Lula, pode constranger Dilma a ponto de descartar a ideia de nomear seu antecessor.

Seria um desgaste político muito grande para a petista num momento em que o impeachment volta com força à agenda do dia. Mas é bom lembrar que Dilma não mediu as consequências ao embarcar no avião presidencial para visitar Lula em São Bernardo do Campo, no fim de semana seguinte à condução coercitiva do petista, nem ao dar declarações à imprensa com críticas ao juiz Sérgio Moro. Se faltar constrangimento à presidente, existe um bom argumento para fazê-la desistir de proteger o amigo petista: o conceito de tentativa de obstrução da Justiça.