A construção de diálogos saudáveis e civilizados

ROTANEWS176 E POR  JORNAL BRASIL SEIKYO  10/09/2022 13:38 

ESPECIAL

Reflexões sobre cidadania (parte 2)

COMISSÃO DE ESTUDOS SOBRE CONSCIÊNCIA POLÍTICA DA BSGI

 

Reprodução/Foto-RN176 Desenho de ilustrativo da matéria – ILUSTRAÇÃO: GETTY IMAGES

De todos os animais, o ser huma­no é o único que desenvolveu um sistema de linguagem por meio do qual é capaz de criar frases contínuas e coerentes, que expressem seus pensamentos e sentimentos. Apesar da nossa capacidade comunicativa natural, o ato de compartilhar ideias tem se tornado um desafio cada vez maior.

Embora pareça algo simples e natural, a complexidade do diálogo exige uma dinâmica na qual, enquanto uma pessoa fala, a outra escuta atentamente cada significado transmitido, tanto verbal (por aquilo que se comunica; pela altura, timbre e intensidade da voz) quanto não verbal (pela postura, expressão facial e reações espontâneas de quem fala).

Entretanto, no dia a dia, na ânsia de nos fazer ouvir, perdemos de vista o fato de que aquele que nos ouve também pode ter algo a dizer. Numa era com inúmeras possibilidades de comunicação, pela qual se pode aprender cada vez mais uns com os outros e observar a multiplicidade de costumes, culturas e crenças, os indivíduos têm se fechado em suas opiniões e, não raras vezes, agido de forma ofensiva com pessoas das quais discorda, seja na rua, seja no trabalho, entre amigos e até na própria família.

No entanto, para nós, budistas, o diálogo é a chave fundamental, pois é por meio dele que somos capazes de propagar este maravilhoso ensinamento do Budismo Nichiren.

Mas, se vivemos em meio à sociedade e somos afetados pelo que ocorre ao nosso redor, além de termos nossos costumes e opiniões sobre assuntos diversos, o que fazer quando nos deparamos com “algo novo” ou com o qual não concordamos? Como agir diante de uma situação que põe em risco a dignidade da vida, nossa ou de outra pessoa?

Em uma de suas explanações sobre o escrito Estabelecer o Ensinamento para a Pacificação da Terra, o presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, destaca a seguinte postura na condução de um diálogo:
Há uma cena em que o anfitrião, Daishonin, corrige a visão equivocada do viajante sobre o budismo. Então, o viajante, enrubescido, manifesta toda a sua raiva e começa a se levantar para se retirar do local, pegando sua bengala. Nesse momento, “O anfitrião deteve o viajante e argumentou sorrindo”.2Quando nos engajamos em um diálogo, como budistas, não há necessidade de sermos hesitantes, covardes, ou tentarmos ser alguém que não somos. Basta continuarmos a falar sempre com calma e radiantes, a transmitir a mensagem da justiça e da verdade ao direcionarmos as palavras à natureza de buda da pessoa.3

Em um passado recente, o mundo viveu um período conhecido como Guerra Fria, em que a polarização de ideias e os embates ideológicos eram utilizados para distanciar as pessoas. Nesses tempos difíceis, imperavam o medo, a angústia e a constante sensação de insegurança, já que uma simples palavra mal colocada poderia desencadear um novo conflito armado.

Preocupado com os caminhos que o mundo estava seguindo, Ikeda sensei entrou em ação e se dispôs a ir ao encontro de líderes e intelectuais de diversos países como China, União Soviética e Reino Unido. Seu objetivo era compreender os diferentes pontos de vista de cada um e também expor com clareza seus pensamentos à luz do Budismo Nichiren sobre a grandiosidade e a importância de cada vida humana.

Mesmo sendo caluniado e desprezado no Japão por essa atitude, ele se manteve firme em sua convicção, porque sabia que somente por meio de ricos e sinceros diálogos é que os corações gélidos poderiam ser redirecionados para um caminho de paz e de entendimento mútuo.

Ao longo de toda a sua vida, o presidente Ikeda tem realizado inúmeros diálogos, tanto com membros da Soka Gakkai quanto com personalidades de vários campos de atuação: artistas, cientistas, educadores, políticos, religiosos. E sempre com o sincero desejo de dialogar de coração a coração e, assim, falar e ouvir, ensinar e aprender, tendo como premissa básica o respeito pelo outro:
Nichiren Daishonin afirma categoricamente: “Nesta era, Nichiren e seus seguidores são o bodisatva Jamais Desprezar”. Todas as pessoas possuem inerentemen­te a natureza de buda. Assim, devemos respeitá-las e venerá-las, acreditando na louvável vida de buda inerente a todas; e incentivá-las continuamente acreditando no desabrochar da sua natureza de buda. Esse foi o comportamento do bodisatva Jamais Desprezar; e quem age dessa forma na era atual é a Soka Gakkai. O espírito desse bodisatva é venerar e respei­tar o ser humano.4

Portanto, em tempos de cora­ções que tendem ao “embrutecimento” e ao “cancelamento”, retornemos ao espírito original do bodisatva Jamais Desprezar e, seguindo o exemplo do nosso mestre, vamos nos colocar em ação, ouvindo, aprendendo, falando e ensinando as pessoas ao nosso redor — independentemente de sua origem, idade, orientação sexual e condição socioeconômica — sobre o valor inerente e inigualável a cada vida.

Dialogar é um exercício que, a princípio, pode parecer assus­tador, mas, com a prática constante, tende a se tornar prazeroso, saudável e enriquecedor.

Notas:

  1. Comissão de Estudos sobre Consciência Política da BSGI: Grupo criado para a pesquisa e a produção de materiais que versam sobre cidadania e política à luz dos princípios budistas, dos escritos de Nichiren Daishonin e das publicações oficiais da Editora Brasil Seikyo.
  2. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, p. 16, 2019.
  3. Brasil Seikyo, ed. 2.488, 19 out. 2019, p. 4.
  4. Idem, ed. 2.211, 18 jan. 2014, p. B2.

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