ROTANEWS176 E POR BBC NEWS MUNDO 01/01/2023 14h03 Por Paula Rosas
Henrietta Swan Leavitt, Cecilia Payne-Gaposchkin e Vera Rubin conseguiram superar preconceitos e obstáculos, contribuindo para entendermos hoje melhor o cosmos.
Elas precisaram enfrentar os preconceitos da sociedade, dos colegas e dos professores. Recebiam os salários mais baixos, muitas vezes tiveram seu trabalho ignorado por serem mulheres, ou seus companheiros ou superiores simplesmente se apropriaram das suas descobertas.
Chegaram a precisar lutar por coisas básicas, como um banheiro feminino no local de trabalho.
Muito poucas receberam seu merecido reconhecimento em vida. Mas são muitas as mulheres pioneiras da astronomia. Seu trabalho ajudou a nos fazer compreender um pouco mais sobre o Universo.
Destacamos três exemplos dessas mulheres que conseguiram superar obstáculos – alguns deles ainda enfrentados por muitas mulheres até hoje – para mudar a forma como entendemos o cosmos e inspirar as gerações futuras: Henrietta Swan Leavitt, Cecilia Payne-Gaposchkin e Vera Rubin.
Henrietta Swan Leavitt: as medidas do universo
Uma das pioneiras da astronomia, a norte-americana Henrietta Swan Leavitt (1868-1921) começou a trabalhar no Observatório da Faculdade Harvard em 1895.
RN176 Henrietta Swan Leavitt astrônoma do século 19 que mudou a história
Ela cobrava US$ 0,30 por hora e era quase surda desde os 17 anos de idade. Mas suas descobertas nos deram a chave para entender as medidas do universo e até hoje são usadas para medir a expansão do cosmos.
Leavitt fez parte de um extraordinário grupo de mulheres conhecidas como os “computadores de Harvard”. O astrônomo Edward Charles Pickering as contratou para processar e classificar as enormes quantidades de imagens do universo necessárias para seus estudos.
As mulheres cobravam muito menos. Por isso, Pickering tinha condições de contratar várias funcionárias. Elas também eram consideradas conscienciosas e observadoras – ideais para o trabalho monótono e repetitivo que era necessário para análise dos dados.
Por serem mulheres, nenhuma delas tinha direito de operar os telescópios, o que limitava muito o seu trabalho. E os colegas referiam-se ao grupo depreciativamente como “o harém de Pickering”.
Leavitt foi incumbida de trabalhar com as estrelas variáveis chamadas cefeidas, cujo brilho muda com o passar do tempo.
Em 1908, apesar das restrições impostas ao seu trabalho, ela percebeu um detalhe a que os outros cientistas não haviam prestado muita atenção: as estrelas cintilavam com ritmo regular e, quanto mais longo o período, maior sua luminosidade intrínseca.
Este padrão é conhecido hoje em dia como a “lei de Leavitt”. Segundo ela, uma estrela que demora mais para cintilar é intrinsecamente mais brilhante que outra que cintila rapidamente.
A descoberta poderia ter sido uma simples curiosidade, até que Leavitt aplicou esse conhecimento às imagens da Pequena Nuvem de Magalhães, uma galáxia anã próxima da Via Láctea. E, nesta amostra menor, sua teoria pôde ser vista com ainda mais clareza.
Leavitt concluiu que simplesmente medindo a velocidade de pulsação (que pode variar de dias até semanas) e vendo seu brilho a partir da Terra, o astrônomo pode deduzir a distância até o objeto observado. A descoberta foi tão revolucionária que transformou a imagem bidimensional que tínhamos do Universo em uma imagem 3D.
Seu trabalho, talvez por ser avançado para a época ou simplesmente por ter sido obra de uma mulher, passou uma década abandonado e só foi retomado depois da morte prematura da sua descobridora, vítima de câncer do estômago.
O astrônomo Edwin Hubble baseou-se na descoberta de Leavitt, de 1920, para deduzir que as manchas de luz no céu são galáxias inteiras, muito mais distantes da nossa. Assim, ele nos ensinou que o universo é muito maior do que imaginávamos.
Cecilia Payne-Gaposchkin: a matéria que compõe as estrelas
Cecilia Payne (posteriormente, Payne-Gaposchkin, 1900-1979) era a única mulher na sua classe de física na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Ela precisava sentar-se na primeira fila e suportar diariamente a humilhação dos colegas.
Um dos seus professores era o pai da física nuclear, Ernest Rutherford. Ele olhava fixamente para ela e começava a aula: “senhoras e senhores…”
“Todos os homens recebiam regularmente esta cena com aplausos estrondosos e batendo os pés… todas as aulas, eu desejava afundar na terra. Até hoje, instintivamente, ocupo o lugar mais fundo possível em uma sala de conferências”, confessou Payne-Gaposchkin em sua autobiografia.
O desplante dos colegas não a desanimou. Mas Payne imaginou que, como mulher, teria mais oportunidade de trabalhar com a astronomia nos Estados Unidos do que no seu país natal, o Reino Unido.
De fato, mesmo concluindo seus estudos em Cambridge, ela nunca conseguiu receber seu diploma. A Universidade só permitiria a graduação de mulheres em 1948.
Em 1923, Payne-Gaposchkin conseguiu uma bolsa de pesquisa para entrar no Observatório da Faculdade Harvard, nos Estados Unidos. Lá, ela trabalhou ao lado das mulheres “computadores de Harvard”, como fez Henrietta Swan Leavitt.
Usando os mais recentes conhecimentos da física quântica, ela elaborou a noção de que as estrelas são compostas principalmente de hidrogênio e hélio. Na época, foi uma ideia revolucionária.
Reprodução/Foto-RN176 Cecilia Payne-Gaposchkin se formou em Canbridge mas não recebeu o diploma pois só em 1948 a faculdade passou a fazer diplomação de alunas mulheres Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Payne-Gaposchkin chegou a esta conclusão depois de relacionar com precisão os diferentes tipos de espectros das estrelas com suas temperaturas reais, aplicando a teoria de ionização desenvolvida pelo astrofísico indiano Meghnad Saha.
Ela observou uma grande variação nas linhas de absorção estelar e demonstrou que essa variação se devia a diferentes níveis de ionização em diferentes temperaturas, não a diferentes quantidades de elementos.
Até então, a ciência não havia conseguido deduzir do que eram feitas as estrelas. Acreditava-se que seus ingredientes seriam similares aos do planeta Terra. Mas Payne-Gaposchkin afirmou que as estrelas eram muito mais simples do que se pensava e incluiu suas conclusões na sua tese de doutorado.
Em 1925, um dos astrônomos mais reconhecidos da época, Henry Norris Russell, aconselhou Payne-Gaposchkin a eliminar esta ideia da tese, porque ia contra a corrente de pensamento dominante. Mas, alguns anos depois, Russell chegou à mesma conclusão de Payne usando outros métodos. Por isso, acabou, por muitos anos, recebendo o crédito pela descoberta.
Pioneira em muitos campos, Payne-Gaposchkin foi a primeira doutora e física do Radcliffe College, como era chamado na época o setor feminino de Harvard. E, anos depois, ela se tornou a primeira mulher a dirigir o Departamento de Astronomia da Universidade Harvard.
Vera Rubin: a pioneira da matéria escura
Reprodução/Foto-RN176 Vera Rubin construiu seu próprio telescópio ainda criança Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Ainda menina, Vera Rubin (1928-2016) construiu seu primeiro telescópio com um tubo de papelão que ganhou em uma loja de linóleos e pequenas lentes que ela comprou em uma loja de material científico.
Anos depois, ela foi a primeira mulher autorizada a operar o Observatório Palomar, na Califórnia (Estados Unidos). Lá ela fez uma descoberta cujos mistérios até hoje estão sendo decifrados: a matéria escura.
Atualmente, o observatório com a lente mais potente já fabricada para um telescópio está sendo construído no norte do Chile e leva seu nome.
Sua família sempre incentivou seu talento e paixão pela ciência. Mas, quando Rubin contou ao seu professor de física do instituto, onde era praticamente a única mulher, que planejava entrar na universidade, ele recomendou que ela evitasse as carreiras científicas.
Por sorte, Rubin não deu atenção e formou-se na Faculdade Vassar, nos Estados Unidos, em 1948.
Ela concluiu seu doutorado seis anos mais tarde, já que cuidava dos seus filhos pequenos. Muitas vezes, ela precisava assistir a aulas noturnas, enquanto seus pais cuidavam das crianças e seu marido, que também era cientista, ficava esperando no carro.
Vera Rubin precisou enfrentar, por quase toda a sua carreira, os preconceitos machistas daqueles que consideravam que a vida de uma mãe de quatro filhos era incompatível com a ciência, mas ela sempre se mostrou combativa.
Um exemplo ocorreu quando ela finalmente conseguiu ter acesso ao Observatório de Palomar, onde não havia banheiro feminino. Rubin decidiu reafirmar sua posição e colou uma folha de papel na porta do banheiro masculino, para criar o seu próprio.
Ao longo da vida, ela lutou pela inclusão das mulheres nos comitês e conferências científicas.
Rubin ficou fascinada pelas galáxias espirais e quis estudar como elas giravam. Naquela época, considerava-se que a rotação deveria desacelerar conforme a distância até o centro da galáxia, da mesma forma que os planetas orbitam mais lentamente quanto mais longe estiverem do Sol.
Em um dos seus primeiros estudos, ela questionou esta ideia e, embora sua posição tenha sido recebida com ceticismo, ficou demonstrado que ela tinha razão.
Mais tarde, nos anos 1970, Rubin descobriu algo surpreendente. As galáxias que ela observava giravam tão rápido que o lógico seria que elas se separassem se a única responsável por mantê-las unidas fosse a gravidade das estrelas.
Mas, como as galáxias não se separavam, era preciso haver algo maior, mas totalmente invisível, que exercesse essa força: a matéria escura.
Hoje, depois de 50 anos, sabemos que a matéria escura compõe cerca de 84% do Universo. Ainda estamos tentando compreender do que ela se trata.
– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-64100838
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