Ratos não foram os principais vetores da Peste Negra, segundo cientistas

ROTANEWS176 E POR PNAS  27/01/2023 07h24                                                                                                          Por Augusto Dala Costa

Avaliando condições ambientais da Europa e velocidade de transmissão da Peste Negra, cientistas descobrem que ratos não podem ter sido principal vetor da doença.

 

Peste Negra é uma das pandemias mais conhecidas do mundo, tendo matado milhões e afligindo a Europa especialmente entre os anos de 1347 e 1353, mas continuado a causar surtos até o século XIX. É de sabedoria popular que a patologia seria espalhada pelos ratos, que traziam a bactéria responsável (Yersinia pestis) em suas pulgas, especialmente os roedores selvagens, chamados de “reservatórios” da doença. Há uma possibilidade, no entanto, de que tenhamos superestimado o papel dos animais.

É verdade que a doença se inicia nos roedores, escapando para os humanos apenas de vez em quando. O continente europeu também abrigou, muitas vezes, reservatórios animais que causaram alguns dos surtos da peste — mas a ciência está, agora, buscando entender o papel das repetidas reintroduções da doença pela Ásia, para onde e de onde muitos viajantes iam e voltavam, trazendo novamente a bactéria. Qual cenário era o mais prevalente, ou se ambos tinham uma responsabilidade compartilhada, ainda estamos tentando descobrir.

Reprodução/Foto-RN176 Foto: Joshua J. Cotten/Unsplash / Canaltech

Como a peste era transmitida?

Em uma nova pesquisa, cientistas das universidades escocesas de Glasgow e Stirling descobriram que as condições ambientais da Europa medieval impediriam reservatórios animais de longa duração. A partir desse achado, temos de pensar em outras possibilidades para a persistência da peste.

Uma delas é a repetida reintrodução a partir de reservatórios asiáticos, e a outra, a existência de reservatórios de curto e médio prazo no continente europeu. A velocidade da transmissão, no entanto, e os surtos generalizados não seriam possíveis com a movimentação lenta dos ratos. É mais provável, dessa forma, que a transmissão de humano a humano tivesse um papel mais importante do que se pensava.

Para determinar as condições ambientais ideais para os roedores, foram levados em conta fatores como características do solo, clima, tipos de terreno e variedades roedoras. A presença de cobre, manganês, ferro e alto pH, além de temperaturas mais baixas, altitudes maiores e menos chuvas são alguns dos fatores que propiciam reservatórios mais persistentes, por exemplo — mesmo que não saibamos o porquê.

Com análise comparativa, os pesquisadores determinaram que reservatórios centenários da peste em roedores eram menos prováveis da Peste Negra de 1348 até o século XIX do que são nos dias atuais: eles nem mesmo poderiam existir na Europa, e os locais ideais para tal seriam algumas regiões da China moderna e o oeste dos Estados Unidos, onde podemos ver reservatórios roedores da peste atualmente.

Na Ásia central, reservatórios como esses podem ter existido por milênios, especialmente em roedores como a marmota-das-estepes (Marmota bobak). DNA antigo e evidências textuais nos mostram que, uma vez que a peste viajou até a Europa, teria iniciado reservatórios de curto e médio prazo, com o local mais propício sendo a Europa Central. Com a impossibilidade de permanecer lá por longos períodos, a peste teria de ser reintroduzida para continuar sendo transmitida, ao menos algumas vezes.

Em defesa dos roedores

O papel dos ratos — ou a falta dele — é evidente ao analisarmos os diferentes surtos. A primeira ocorrência da peste, no início do século VI, foi até o século VIII, enquanto a segunda, que abarca a Peste Negra, começou nos anos 1330 e durou 5 séculos. Já a última começou em 1894 e dura até hoje em lugares como Madagascar e Califórnia. Em sua maioria, as ocorrências eram da peste bubônica, quando a bactéria invade o sistema linfático, parte da defesa imune do corpo. Na peste pneumônica, os afetados são os pulmões.

A segunda pandemia da peste foi bem diferente da atual, desde a transmissão às características da doença. A mortalidade era muito maior, chegando a 50% no passado, enquanto na terceira pandemia, esse número raramente passou de 1%. Na Europa, esses números são ainda menores para esta última.

A frequência e velocidade do transporte de bens, animais e pessoas da Idade Média era muito menor do que a atual ou mesmo do século XIX, mas ainda assim a transmissão era incrivelmente rápida. Em terra, ela corria quase tão rápido em um dia quanto em um ano nos surtos atuais. Registros de cronistas, médicos e outros escribas medievais relatam que a doença se espalhava mais rápido e para mais lugares do que qualquer outra patologia da época, sendo desbancada apenas pela cólera, em 1830, e a epidemia de influenza de 1918-20.

Roedores europeus, selvagens ou não, se movem muito mais devagar do que isso. Surtos da terceira pandemia, exceto os raros casos da peste pneumônica, combinam muito bem com o ciclo de fertilidade das pulgas dos roedores, mas, na segunda pandemia, eram meses a fio da peste bubônica, mesmo durante o inverno, até mesmo no frio extremo do Báltico, como visto de 1709 a 1713. Isso também valeu para o calor mediterrâneo de 1348 até o século seguinte, com o contágio chegando ao máximo em junho e julho, meses mais quentes da região.

Além de diferir bastante de surtos recentes, esses dados não batem com a temperatura ideal para a peste pular dos roedores para os humanos. Isso sugere que a transmissão seria feita mais eficientemente de pessoa para pessoa, também graças a ectoparasitas, como piolhos e pulgas, ou pelo sistema respiratório e toque.

Ainda há muito a descobrir sobre o papel humano e roedor nessas pandemias, redimindo os injustiçados ratos, mas uma coisa é certa — quando o trabalho dos historiadores se junta com o dos biólogos, chegamos muito mais longe nas descobertas.

Fonte: PNAS

Trending no Canaltech