ROTANEWS176 E POR ISTOÉ 08/05/20 09h30 Por Anna França
Mesmo na crise, servidores conseguem manter privilégios. Acabam de garantir aumentos enquanto os trabalhadores da iniciativa privada tentam manter o emprego e lutam pela sobrevivência
Reprodução/Foto-RN176 REVIRAVOLTA Servidores conseguiram garantir aumentos na Câmara. Economia com a PEC de ajuda aos Estados deve cair de R$ 130 bilhões para R$ 90 bilhões (Crédito:Waldemir Barreto)
A pandemia afeta todos os setores da economia, que enfrentará uma recessão grave este ano. Tira o emprego e a renda da população, principalmente dos mais pobres, que lutam pela própria sobrevivência. Mas não afeta uma categoria que conseguiu renovar mesmo na crise seus privilégios: os servidores públicos. Além de estabilidade no emprego, vencimentos intocados e aposentadoria especial, conseguiram garantir aumentos de salários enquanto Estados e Municípios lutam para recompor suas receitas. Dessa vez, além do apoio no Congresso, onde exercem um lobby poderoso, conseguiram o suporte de Jair Bolsonaro — um defensor histórico dos interesses corporativos, especialmente de militares.
Os servidores conseguiram um feito e tanto na PEC de ajuda emergencial aos Estados, em tramitação no Legislativo. Reagiram à proposta de congelamento dos salários por 18 meses, que passou pelo Senado, mas foi revertida na Câmara. Com o aval do próprio presidente, parlamentares atropelaram a proposta do ministro Paulo Guedes. Ele desejava uma economia de quase R$ 130 bilhões para União, Estados e Municípios, mas esse valor caiu para R$ 90 bilhões. O congelamento no salário dos servidores era a contrapartida que Guedes pedia para repassar R$ 60 bilhões a governadores e prefeitos nos próximos quatro meses, além da suspensão de dívidas e manutenção das garantias do Tesouro em empréstimos. Seria uma espécie de “cota de sacrifício” do funcionalismo. Mas a Câmara salvou várias categorias de servidores, e foi acompanhada pelo Senado. Ficaram isentos de congelamento os servidores da saúde, bombeiros, guardas municipais, policiais federais e rodoviários, trabalhadores de limpeza urbana, assistência social, agentes socioeducativos, técnicos e peritos criminais, professores da rede pública, além de integrantes das Forças Armadas. Com isso, sete de cada dez servidores dos Estados e municípios poderão ter reajustes até 2021.
Reprodução/Foto-RN176 “Há um conflito grande entre a miséria nas ruas e a força dos funcionários públicos” Raul Velloso, economista (Crédito:FELIPE RAU)
Privilégios
Para representantes do funcionalismo, o plano de Guedes não levava em consideração as categorias que estão na linha de frente no combate à Covid-19, como saúde e segurança. Além disso, eles alegam que os reajustes nos últimos anos têm ficado abaixo da inflação. “Há 17 anos o reajuste é de 0,01% ao ano, enquanto a iniciativa privada fica acima da inflação”, diz o secretário geral do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), Antônio Carlos Lima. Ele aponta que alguns ganham supersalários, enquanto a maioria tem vencimentos abaixo de R$ 5 mil. “Não seria justo congelar a receita de quem está na linha de frente.” Ocorre que, na iniciativa privada, os trabalhadores precisam se esforçar por melhorias salariais e, além disso, podem perder o emprego. O índice de desemprego pode atingir 17,8% este ano, calcula o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), com a massa salarial tendo o pior desempenho desde 1981.
A solução mais justa, até para o equilíbrio fiscal, seria usar o Imposto de Renda progressivo, que tributaria conforme a renda, além do imposto ao rentista, na opinião do professor Adriano Biava, da FEA/USP. Além da estabilidade, outras questões pesam nas contas públicas, já que um servidor ganha em média 3,2 vezes mais que um funcionário do setor privado. Também recebe aposentadoria integral, diferentemente da maioria da população. Para especialistas em contas públicas, congelar os vencimentos dos servidores mostraria que eles também podem dar seu quinhão de sacrifício nesta crise. “Há um conflito grande entre a miséria nas ruas e a força dos funcionários públicos”, afirma o economista Raul Velloso. Para ele, o congelamento seria uma medida emergencial e aplacaria o clamor popular. Seria o mínimo.