‘A ponte do amor’: por que nosso cérebro confunde medo, atração e paixão?

CIÊNCIA

ROTANEWS176 E POR BBC NEWS BRASIL 07/07/2019 19h10

Experimento de 1974 mostrou que, quando se trata de reconhecer sentimentos, nosso cérebro às vezes se confunde

Todo mundo que já se apaixonou alguma vez na vida é capaz de identificar alguma dessas sensações: os batimentos cardíacos aceleram, a respiração fica ofegante e as palmas das mãos podem ficar mais úmidas quando alguém arrebata nosso coração.

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Se a presença de alguém lhe provoca tudo isso, pode ser que sinta uma enorme atração por essa pessoa.

Reprodução/Foto-RN176 Contexto de aventura pode mudar a forma como categorizamos nossas emoções Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Pode também ser mais que atração. Pode ser amor. Ou até medo, ansiedade ou estresse.

Mas como é possível confundir emoções tão diferentes entre si?

O psicólogo Stanley Schachter descobriu na década de 1960 que as emoções não são tão espontâneas tampouco tão claras como acreditamos ou esperamos que sejam.

Segundo Schachte, dois fatores são determinantes: um estado de excitação psicológica e, em seguida, o rótulo que damos a esse sentimento específico.

O rótulo depende do contexto e da pessoa. Às vezes, nosso sistema falha e acontece o que o psicólogo chama de “atribuição errônea da excitação” (arousal), quando um rótulo emocional deriva-se da fonte errada.

Assim, sentimentos como o de estar apaixonado, na verdade, podem ter uma origem bem diferente.

A ponte do amor

Em 1974, os psicólogos canadenses Donald Dutton e Arthur Aron iniciaram um experimento que demonstrou como a atribuição errônea da excitação pode afetar nossos sentimentos relacionados à atração.

Homens que visitavam um parque em Vancouver foram entrevistados por uma mulher belíssima.

Metade dos entrevistados estava atravessando uma ponte suspensa quando a mulher pediu que participassem da pesquisa. A outra metade passava por uma ponte baixa e sólida.

Reprodução/Foto-RN176 Ponte suspensa em Vancouver, onde Dutton e Aron conduziram o experimento Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Foi pedido a todos os participantes que olhassem uma foto, por exemplo, de uma mulher rindo enquanto cobria o rosto. Em seguida, eles tinham que imaginar uma história por trás da foto.

A desculpa era explorar os efeitos de um belo cenário, como o de um parque, sobre a criatividade.

No final da entrevista, a mulher dava o número de telefone aos participantes e pedia que ligassem se tivessem perguntas sobre a pesquisa.

Segundo os pesquisadores, a maioria dos que ligaram para a mulher tinha atravessado a ponte suspensa – mais que o dobro do que passava pela ponte mais robusta e segura.

As histórias desses homens que telefonaram tinham conteúdo mais romântico e sexual.

Quando o mesmo experimento foi feito com um entrevistador homem, quase ninguém ligou.

Reprodução/Foto-RN176 O sistema nervoso simpático provoca mudanças em nosso corpo semelhantes àquelas que sentimos quando estamos apaixonados Foto: iStock / BBC News Brasil

A explicação dos especialistas nos anos 1970? Muitos homens que haviam atravessado a ponte suspensa confundiram os sentimentos – o coração disparado e a respiração acelerada fizeram com que um possível medo de cair da ponte fosse confundido com atração.

O estudo Donald Dutton e Arthur Aron ganhou o título de Alguma evidência de maior atração sexual em condições de alta ansiedade. Mas o trabalhou ficou mesmo conhecido como “A ponte do amor”.

Por que confundimos sentimentos

Ao longo dos anos, diferentes estudos têm mostrado que o fenômeno da atribuição errônea da excitação não apenas nos faz confundir sentimentos como medo, atração e amor. Também entra na lista de rótulos equivocados uma elevada gama de emoções como nojo, euforia, humor, medo, incômodo e erotismo.

Existe uma explicação biológica por trás dessa confusão de sentimentos.

Ainda que estar apaixonado e estar com medo pareçam, à primeira vista, sentimentos quase opostos, ambos provocam mudanças fisiológicas muito parecidas no nosso corpo.

Reprodução/Foto-RN176 Compartilhar aventuras une casais Foto: iStock / BBC News Brasil

Ambos ativam o sistema nervoso simpático, encarregado de nos dizer se devemos lutar ou escapar.

Para preparar o corpo para diferentes cenários, o sistema simpático ativa uma série de mudanças no ritmo cardíaco e pulmonar. Libera hormônios como adrenalina e noradrenalina que afetam nosso sistema digestivo, provocando aquele frio na barriga ou borboletas no estômago.

Curiosamente, é o mesmo processo para quando estamos apaixonados ou nos sentimos atraídos por alguém. Se o contexto não está claro, paixão e atração podem ser facilmente confundidos.

Do terror ao amor

Esse fenômeno também pode explicar por que os filmes de terror são tão populares quando se está num encontro amoroso.

A excitação compartilhada pode realçar os sentimentos de atração.

No entanto, a atribuição errônea da excitação também explica por que muitas vezes parecia amor à primeira vista se dissolve em pouco tempo e a pessoa que nas primeiras semanas te tirava do sério já não mais provoca arrepios.

Especialistas em reações descobriram que a teoria do psicólogo Stanley Schachter também pode ajudar a fortalecer um vínculo, uma vez que mostra que a experiência emocional é maleável.

Assim, da mesma forma que a excitação pode criar uma falsa sensação de afeição entre duas pessoas que realmente não se amam, quando há amor mas o casal está desgastado pela monotonia, é possível reviver essa centelha compartilhando atividades que geram excitação.

Em particular, descobriu-se que os casais que compartilham experiências novas e desafiadoras tendem a sentir maiores níveis de atração do que aqueles que não saem da rotina.

Mas cuidado: os psicólogos também advertem que casais que subsistem apenas com base em experiências fortes, instabilidade ou perigo, são certamente vítimas da atribuição errônea de excitação e não estão realmente apaixonados.

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