Além de Collor e Dilma, Sarney, Itamar, FH e Lula sofreram pedidos de impeachment

O GLOBO E ROTANEWS176 20/05/16 18:48                                                                                                     Amanda Prado

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Reprodução/Foto-RN176 Presidentes. Dilma, FH, Lula, Sarney e Collor, com o ministro do Cerimonial, Renato Mosca, no avião presidencial em viagem à Africa do Sul Reprodução/Twitter / Divulgação

Desde redemocratização, passam de 150 os pedidos para afastar presidentes. Em 1988, O GLOBO noticiou processo contra Sarney, mas Câmara agora diz que não há registro

Impeachment e golpe, duas das palavras mais usadas na narrativa política do Brasil de hoje, também já abalaram a tranquilidade de outros presidentes ao longo da história brasileira, mesmo que os processos não tenham sido consumados. Fernando Collor de Mello foi, de fato, o único presidente até aqui a sofrer um impeachment e ser cassado, em 1992, devido aos casos de corrupção que o envolviam no esquema do empresário Paulo César Farias, o PC Farias. Já Dilma Rousseff foi afastada em 12 de maio de 2016, e deverá ficar fora do governo por até 180 dias, enquanto o seu processo vai a julgamento. Desde a redemocratização, além dos já citados, todos os presidentes — José Sarney, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva — sentiram o fardo de se tornar alvos das tentativas de afastamento do cargo. E os números impressionam. No total, foram apresentados mais de 150 pedidos de impedimento dos presidentes, segundo dados da Câmara dos Deputados.

No turbulento ano de 1985, José Sarney virou o foco de um movimento que insistia nas Diretas Já para 1986. A campanha representava, de muitas maneiras, o desejo da oposição de que o presidente fosse retirado do cargo. Alguns políticos falavam que ele só sairia com um “impeachment”, processo que foi de fato articulado em 1988, devido a denúncias de corrupção, mas terminou em arquivamento. À frente da campanha pelas Diretas de 86, estavam Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do PT, e Leonel Brizola (PDT), governador do Rio de Janeiro. Os dois partidos articulavam a saída de Sarney argumentando que essa era a alternativa para que o país chegasse de fato à democracia.

Do outro lado, o grupo contrário ao processo apostava que Sarney seguiria no cargo, com o argumento de que o mandato era garantido pela Constituição, já que Sarney foi eleito no Colégio Eleitoral, em 1985, como vice de Tancredo Neves (PMDB), que morreu sem poder assumir. Na edição do GLOBO de 3 de dezembro de 1985, o deputado Sarney Filho (PFL-MA) afirmou que, para ele, as Diretas de 86 seriam uma forma de decretar o impeachment de José Sarney, já que o presidente estava em pleno mandato. Já a deputada Cristina Tavares (PMDB-PE) acusou Brizola de tentar tumultuar o processo político “desvirtuando a maior conquista do povo, que é o seu direito de eleger a futura Assembléia Constituinte”. Na outra ponta, Brizola argumentava que os problemas de Sarney não eram relacionados ao fato de não ele não representar um “governo eleito”, mas um “governo de transição”. Para o então ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, o ACM, lutar pelas Diretas, naquele momento, era o mesmo que fomentar um golpe. Os que eram contra novas eleições apostavam que, se a população estivesse satisfeita, a campanha não teria peso. De fato, acabou não tendo.

Em 9 de maio de 1985, o Congresso aprovou a volta do pleito direto para presidente e prefeito das capitais, mas a data para as eleições presidenciais só viria a ser fixada com a Constituinte de 1988. Até lá, Sarney seguiria no comando do país. O pedido efetivo da oposição pelo impeachment do presidente Sarney veio exatamente em 88. Foi proposto em um relatório da CPI do Senado, que apurava denúncias de irregularidade na administração federal, e se estendia aos ministros Antônio Carlos Magalhães e Maílson da Nóbrega (Fazenda). O que aconteceu, no entanto, foi que o processo acabou sendo arquivado no ano seguinte pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), aliado de Sarney.

Segundo a Câmara de Deputados informou, não há registros, em seus arquivos, de pedidos de impeachment enquanto o político maranhense ocupava o Palácio do Planalto. Isso embora reportagens do GLOBO e de outros veículos, publicadas na época, tenham acompanhado o desenrolar do caso de Sarney. Em reportagem de 6 de dezembro de 1988, por exemplo, cujo título era “Esquerdas não apoiam o impeachment”, o jornal escrevia que “o pedido dificilmente terá apoio dos partidos de esquerda”. Embora fizesse oposição cerrada ao governo, a bancada esquerdista alegava não estar disposta a correr o risco de provocar uma crise institucional às vésperas das eleições para a Presidência, no ano seguinte. José Genoíno, então vice-líder petista na Câmara, era um dos que defendiam essa posição e dizia que se tratava de uma “questão delicada”. Em seu verbete “impeachment”, o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas (FGV) também registrou que “outras tentativas legais de responsabilização — como aquela contra José Sarney (1988) — mostraram-se infrutíferas”.

Já contra Fernando Collor, a Câmara recebeu 29 solicitações de afastamento do presidente da República. E foi aceita a última, apresentada em 1º de setembro de 1992 pelos presidentes da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Barbosa Lima Sobrinho, e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcello Lavenère Machado.

Itamar Franco, por sua vez, recebeu um pedido de impeachment em 30 de junho de 1994, protocolado pelo deputado federal Jacques Wagner (PT-BA), hoje ministro-chefe de gabinete da Presidência e um dos principais opositores do afastamento de Dilma. Era um dos quatro que seriam solicitados contra o presidente Itamar, segundo a Câmara dos Deputados. Como base, Wagner usou o fato de o então ministro-chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves, ter submetido a medida provisória (MP) do Plano Real, lançado em 1994, à análise do comando da campanha à Presidência do seu ex-ministro Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Ainda de acordo com informações da Câmara, os quatro pedidos de impeachment feitos contra o governo de Itamar foram arquivados.

Anos depois, em maio de 1999, foi a vez do próprio Fernando Henrique. Depois de reveladas as fitas que mostravam conversas do presidente no grampo do BNDES, com o então presidente do banco, André Lara Rezende, o próprio FH ficou no centro dos pedidos de impeachment apresentados pela oposição. O caso se referia a denúncias de favorecimento de empresas no leilão de privatização da Telebrás, um dos principais episódios do governo tucano. Em 26 de maio daquele ano, Lula, presidente de honra do Partido dos Trabalhadores (PT), declarou ao GLOBO que era “extremamente grave o teor das fitas que revelam o envolvimento direto do presidente Fernando Henrique Cardoso na operação para favorecer empresas na privatização do Sistema Telebrás”.

José Dirceu, à época presidente nacional do PT, disse, na mesma data, que o partido começava a preparar o pedido de criação de uma CPI mista para apurar o caso. Entre os argumentos para o impeachment, Lula defendia: “o núcleo do poder está podre e o presidente já não governa o país”. Meses antes, em outubro de 1998, Fernando Henrique havia sido reeleito presidente da República derrotando Lula (PT) e Ciro Gomes (PPS). No mês seguinte, um jantar do presidente Fernando Henrique com o então senador Eduardo Suplicy (PT-SP) foi noticiado pelo jornal, que destacou uma discussão entre os dois sobre a série de denúncias que atingiam o governo. FH criticava a oposição por pedir o impeachment: “Vocês estão se excedendo”, disse a Suplicy. No fim, o pedido acabou sendo votado e rejeitado pela Câmara. No total, Fernando Henrique foi alvo de 17 pedidos de impeachment, só um deles no primeiro mandato, todos arquivados.

No caso de Lula, a intenção de impedimento se intensificou quando o publicitário Duda Mendonça disse, em depoimento à CPI dos Correios, em 2005, que recebeu no exterior dinheiro com origem na campanha presidencial do PT. Duda estava intimamente ligado ao partido e ajudou a construir a imagem do PT, assinando a campanha vitoriosa de 2002 de Lula. Naquele momento, chegava ao Palácio do Planalto a crise do Mensalão — o pagamento mensal a parlamentares da base aliada pelo governo. Na ocasião do depoimento, as denúncias começavam a inflamar a ideia de envolvimento do presidente Lula. Naquele contexto, a oposição, com PFL e PSDB à frente, começou a discutir possibilidade de impeachment, o que por fim não teve sucesso.

Na época, o então senador baiano Antônio Carlos Magalhães chegou a afirmar à edição do GLOBO de 12 de agosto de 2005 que não desejava o impeachment de Lula, embora considerasse que o governo estava desgastado, porque queria derrotar o petista nas urnas, em 2006. Fernando Henrique Cardoso, da oposição, falava em cautela. FH dizia que primeiro era preciso ter uma sólida avaliação jurídica antes de tomar qualquer atitude contra Lula. Os opositores acabaram não levando adiante o processo.

Os dois mandatos do presidente Lula tiveram 34 pedidos de impeachment. O auge de pedidos foi entre 2003 e 2006, quando o governo petista sacudiu com as denúncias do Mensalão. Foram 25 processos. Ao contrário de FH, as solicitações contra Lula se concentraram no primeiro mandato. No período de Dilma na Presidência, desde 2011, já foram apresentados à Câmara dos Deputados 67 pedidos de afastamento.

*Estagiária sob supervisão do editor do Acervo O Globo, Gustavo Villela