ROTANEWS176 E POR ISTOÉ 17/12/21 09h30 Por Taísa Szabatura
Um dos grandes desafios do montanhismo foi conquistado: três escaladores ucranianos chegaram ao cume sudeste da Annapurna III. O feito inédito encerrou 40 anos de tentativas
Reprodução/Foto-RN176 DESAFIO Previsão dos alpinistas era subir e descer da montanha em 12 dias, mas a escalada durou 16 dias: ventos de 70 Km/h e áreas aterrorizantes com neve solta e alto risco de avalanche (Crédito: Divulgação)
A Annapurna, com seus 8.091 metros, foi a primeira montanha com mais de oito mil metros de altura a ser conquistada pela humanidade. Foi em 1950 que Maurice Herzog e Louis Lachenal fizeram a escalada histórica.
No entanto, tamanho nem sempre é documento e o feito escondia outras Annapurnas em sua sombra, nenhuma das quais tão severas e complexas quanto a rota sudeste, que leva ao topo da chamada Annapurna III, com 7.555 metros. Localizada na cordilheira do Himalaia — cadeia de montanhas onde se encontra o monte Everest — tinha o apelido de “Inescalável”. Agora, a montanha precisará de uma nova alcunha, já que os escaladores ucranianos Nikita Balabanov, Mikhail Fomin e Viacheslav Polezhaiko alcançaram seu topo em novembro, cada um carregando 40 quilos de equipamentos.
Eles calculavam que seriam necessários 12 dias para subir e descer a montanha, mas no final, fizeram a trajetória em 18 dias, comendo apenas uma barra energética e meia por dia na etapa final. Cada um perdeu cerca de 10 quilos na aventura. Na descida, sem chance de voltar ao acampamento base, foram levados para Katmandu, no Nepal, de helicóptero.
Reprodução/Foto-RN176 A rota sudeste do Annapurna, com o topo a 7.555 metros de altura, tinha o apelido de “Inescalável” devido ao seu alto nível de dificuldade (Crédito:Divulgação)
Marcada como o grande objetivo do montanhismo no século 20, a Annapurna III já havia sido visitada por alguns dos nomes mais famosos da atividade, mas a rota sudeste era temida por sua extrema dificuldade. Em 1981, os escaladores britânicos Nick Colton, Steve Bell e Tim Leach alcançaram uma altura de 6.500 metros, mas reconheceram seus limites e abandonaram a tentativa que foi a mais bem-sucedida até então.
O plano dos ucranianos começou em 2019, quando estudaram a estratégia necessária para chegar ao topo, principalmente calculando a linha onde os famosos alpinistas Hansjörg Auer e David Lama saíram frustrados em 2016 e então melhorá-la. Também analisaram uma expedição britânica liderada pelo alpinista Nick Bullock, em 2010. “Demorou alguns dias para perceber que a rota sudeste era um objetivo incrivelmente perigoso, se não suicida, para uma subida no estilo alpino”, escreveu Bullock, em 2010, após desistir da escalada. O estilo alpino consiste em deixar um acampamento base e escalar sem carregar grande quantidade de equipamento, o que exige que os escaladores sejam fortes e autossuficientes.
Reprodução/Foto-RN176 EQUIPE Os alpinistas Nikita Balabanov, Mikhail Fomin e Viacheslav Polezhaiko: façanha alcançada (Crédito:Divulgação)
Alcançar o cume do Annapurna III parecia impossível. Os membros da expedição disseram que usaram suas reservas de paciência para conquistar a inglória montanha e apelidaram a rota de “Rota da Paciência”. Se o aquecimento global foi uma das “ajudas” que eles conseguiram — outros alpinistas também surfaram nas boas condições climáticas para atingirem seus objetivos. Ascenções impressionantes do ano incluem o pilar nordeste de Tengkangpoche (6.487 metros) e a face norte virgem de Chamlang (7.319 metros). Mas nenhum gerou tanta admiração quanto a conquista de Annapurna III. Na coletiva após a descida e em diversas entrevistas, os conquistadores repetiram à exaustão o que foi crucial no sucesso do projeto: o processo de tomada de decisão em situações de risco extremo.
Quando havia impasse, o número ímpar ajudava a simplificar o debate: quando duas opiniões opostas emergiam em momentos de estresse, a voz do terceiro membro da equipe decidia o equilíbrio. Foi assim que conseguiram abrir caminho por áreas aterrorizantes de neve solta, trechos de rocha corroída, blocos rochosos que ameaçavam cair em suas cabeças e rajadas de vento que chegavam a 70 quilômetros por hora.
Outro fato curioso: nenhum dos três é alpinista profissional e não têm acordos de patrocínio, recebendo ajuda financeira de maneira ocasional. Mas agora que escalaram o maior desafio do século 20 no século 21, essa situação deve mudar radicalmente.