ANDOR STERN, O SOBREVIVENTE BRASILEIRO DO HOLOCAUSTO

ROTANEWS176 E POR AH  08/02/2022 12:29                                                                                                           Por Igredi Bruna atualizado por Alana Souza

Nascido no Brasil, o homem mudou-se para Hungria quando pequeno e viveu os horrores de Auschwitz em sua própria pele

Reprodução/Foto-RN176 Fotografia de Andor Stern – Divulgação/ Vídeo/ Aventuras na História

Flow Podcast gerou indignação e foi parar nos assuntos mais comentados do Twitter após uma discussão esdrúxula protagonizada por Monark, apresentador do podcast, nesta terça-feira, 8.

Enquanto entrevistava Tabata Amaral, PSB-SP, e Kim Kataguiri, Podemos-SP, Monark disse que a “esquerda radical tem muito mais espaço do que a direita radical” e que, “as duas tinham que ter espaço”.

“Eu sou mais louco do que vocês. Eu acho que tinha que ter partido nazista reconhecido pela lei”, afirmou apresentador, que logo foi respondido por Tabata Amaral.

“Liberdade de expressão termina onde a sua expressão coloca a vida do outro em risco. O nazismo é contra a população judaica. Isso coloca uma população inteira em risco”, explicou Amaral.

Ignorando a fala de Tabata, Monark insiste no debate e não reflete sobre o que foi dito.

“(…) se um cara quisesse ser anti-judeu, eu acho que ele tinha o direito de ser”, diz ele. Em seguida, o apresentador questiona: “Você vai matar quem é anti-judeu? (…) Ele não está sendo anti-vida, ele não gosta dos ideais [dos judeus]”.

Diante do episódio, o site Aventuras na História relembra a trajetória de Andor Stern, o único sobrevivente brasileiro do Holocausto.

Atrocidades

Durante a Segunda Guerra Mundial, milhares de vidas tiveram como destino final o terrível campo de concetração de Auschwitz. Por lá, uma grande quantidade de prisioneiros da Alemanha Nazista sofreram com as atrocidades dos soldados de Hitler.

Entre esses prisioneiros estava Andor Stern. Nascido no Brasil, o judeu se mudou para a Hungria ainda criança com seus pais. Crescendo em meio a uma sociedade marcada pelo antissemitismo, durante a infância foi submetido a episódios de ódio, até que com o estouro da Segunda Guerra, sua vida viria a mudar radicalmente.

Ainda adolescente, foi levado para Auschwitz, onde se separou da família e jamais voltou a revê-la. Por meses, viveu os horrores do Holocausto, e carrega até hoje as cicatrizes do período mais difícil de sua vida.

Hoje com 92 anos de idade, Stern ainda carrega consigo as marcas do Holocausto:  algumas estão em sua mente, e outras no corpo, como a gravação dos números 83892 em seu antebraço, que foi feita no dia que chegou ao campo de concentração.

Reprodução/Foto-RN176 Fotografia do braço marcado de Andor / Crédito: Gustavo Amorim

Apesar do passado difícil, o sobrevivente foi capaz de reconstruir uma vida que lhe enche de felicidade todos os dias: a de saber que é um homem livre. Diante dessa trajetória, o site Aventuras na História conversou mais uma vez com Andor sobre suas experiências do passado e seus pensamentos do presente.

Os horrores do Reich

Impossível não se chocar com as experiências que os judeus foram submetidos nas mãos dos nazistas. O brasileiro não demorou muito para, como os outros, sentir que sua humanidade fora arrancada dele.

A falta de higiene foi um fator que contribuiu para esse sentimento. O ambiente era sujo, as pessoas estavam sempre vestidas com o mesmo pijama e frequentemente sofrendo de diarreia; nesse cenário ainda acabava surgindo outra tortura: os parasitas.

Piolhos, sarna e percevejos viravam moradores permanentes do corpo dos judeus em campos de concentração. “Havia um zoológico inteiro vivendo sobre mim”, disse Stern, que precisava conviver diariamente com feridas e coceiras causadas pelos hóspedes desagradáveis.

Estômago vazio  

A fome constante e insuportável também levava Andor e seus colegas a tomarem medidas extremas, comendo, por exemplo, o papelão e o barbante dos sacos de cimento que eles carregavam nas costas durante o dia, apenas para “ter o que mastigar”.

Um dos hábitos que Stern desenvolveu durante seu período em Auschwitz para tentar lidar com a situação foi fantasiar com comida sempre que podia. Se imaginava fazendo um sanduíche para si mesmo, ou então diante de uma fartura de pães e bolos. Não era o único: segundo conta, “só se falava em comida, o tempo todo”. Era uma fome, não doía apenas no físico, mas no psicológico.

Os últimos dias de Andor como um prisioneiro foram passados em um vagão de trem, que teria sido onde os nazistas colocaram os judeus dos campos de concentração ao perceberem que a derrota estava próxima.

Os mais fragilizados acabaram morrendo ali mesmo. Não que a morte fosse incomum para Stern, depois de meses vendo pessoas falecendo por desidratação devido à diarreia excessiva.

Os soldados norte-americanos teriam ficado assustados com a condição sub-humana em que encontraram os sobreviventes de Auschwitz. Disseram que todos estavam livres, mas ainda demorou alguns dias para essa percepção se instalar na mente de Andor.

Quando ele afinal conseguiu assimilar aquela notícia, se permitiu a um luxo que a meses não tinha: pensar em algo além do momento presente. Depois de acalmada sua fome e lavado do seu corpo o “zoológico” que vivia nele, sua capacidade humana de imaginar afinal retornou.

Projeções  

Então, Stern pensou sobre o que ele queria no futuro. “Um par de sapatos”, decidiu. Um que pudesse manter seus pés protegidos da terra áspera, e quentinhos durante o inverno. Nem tinha pensado na meia ainda — a ideia de ter sapatos, por si só, já o deixava maravilhado.

Além disso, tinha uma vontade singular: depois de anos sentindo fome, queria ter uma roupa com um bolso enorme, para poder colocar uma baguete dentro, e comer quando tivesse vontade.

Apesar de ter passado por experiências extremas, o senhor Andor não vive preso nos horrores do seu passado, mas na alegria de sua vida atual. “Eu tive o privilégio de ter reposto tudo que eu perdi. A vida me compensou de verdade: me deu, por exemplo, uma família maravilhosa e a oportunidade de, ainda com a minha idade, ser lúcido. Eu não tenho muito do que reclamar da vida, ainda que tenha vivido o que eu presenciei”, afirmou ele, que é pai de cinco filhos após voltar para o Brasil.

Reprodução/Foto-RN176 Entrada de trem de Auschwitz / Crédito: Getty Images

Para quem passou pelos horrores dos nazistas e voltou, a passagem pela Terra certamente acaba ganhando uma nova perspectiva: “Acho que nunca tá tão ruim que não tenha sido pior, sabe?”, refletiu Stern.

Força invisível 

Apesar disso, ele também acredita que cada um reage às situações de sua própria maneira, de forma que, embora seja um sobrevivente, não saberia dar conselhos para outra pessoa que estivesse passando por dificuldades.

Ele acredita na ideia de que somos mais fortes do que pensamos: “Quando você teve uma boa educação, teve carinho dos seus, teve uma vida normal, acho que na maioria das vezes vai saber lidar com a morte e com todas as dificuldades”. Andor perdeu 94 membros de sua família no Holocausto, somando o lado de sua mãe e do seu pai. Apenas 4 voltaram com vida.

O único elemento do meu passado com o qual eu não consegui acertar as contas foi com minha mãe, até hoje acho que tá fazendo falta”. Tirando esse luto difícil de superar, ele majoritariamente conseguiu recuperar a normalidade de sua vida.

Ainda que sua experiência tenha “mudado tudo que veio antes e tudo que veio depois”, Andor voltou a ter uma cama limpa para dormir, um chuveiro para tomar banho, comida fresca para quando sente fome e liberdade para ir onde quiser, e se existe algo que levou consigo de Auschwitz, foi uma nova apreciação pela vida: “Eu acho que essa historiazinha que eu carrego nas costas, tudo que ela me fez foi enxergar melhor o valor da vida, nisso se resume tudo”, conta ele.

A verdade é que a existência humana é muito breve e frágil, e isso nunca fica tão evidente quanto para aqueles que precisaram olhar a morte nos olhos. Até hoje, Andor compartilha palavras que sua mãe falecida lhe disse desde muito cedo, e que são de uma sabedoria que todos nós precisamos às vezes: “Eu tive uma mãezinha muito especial. Ela me falava que o mundo não foi inventado para mim, e eu tive sorte de fazer parte dessa vida.”